O professor Fernando Nogueira da Costa, da Unicamp, publica, em seu blog, o vídeo de uma palestra do empresário Nick Hanauer, grava em julho passado, num dos encontros do TED – Tecnologia, Entretenimento e Design – uma organização que promove conferências empresariais nos EUA.
Hanauer, que se define como um plutocrata, integrande do grupo dos 0,01% dos mais ricos, faz uma paráfrase com a Revolução Francesa com a situação de concentração de renda e desigualdade no mundo. evolução
(…) a minha vida é como a da maioria dos plutocratas. Eu tenho uma visão ampla do capitalismo e dos negócios, e fui obscenamente recompensado por isso, com uma vida que a maioria de vocês não pode nem imaginar: várias casas, um iate, meu próprio avião, etc., etc., etc.
Mas sejamos honestos: eu não sou a pessoa mais esperta da Terra, com certeza não sou a mais esforçada, eu era um aluno medíocre, não sei ser técnico, não sei escrever uma linha de código. De fato, meu sucesso é o produto de uma sorte espetacular, de nascença, de circunstância e de momento. Mas eu sou muito bom em algumas coisas. Uma é que tenho uma tolerância anormalmente alta a correr riscos, e a outra é que tenho um bom sentido, uma boa intuição do que vai acontecer no futuro, e eu acho que essa intuição sobre o futuro é a essência do bom empreendedorismo.
Então o que eu vejo no nosso futuro hoje, vocês perguntam? Eu vejo forcas, tipo multidões enfurecidas com tochas e forcados, porque enquanto pessoas como nós, plutocratas, estão vivendo além dos sonhos da ganância, os outros 99% dos nossos concidadãos estão ficando mais e mais para trás.
Hanauer lembra que “em 1980, o 1% mais rico dos norte-americanos concentrava em torno de 8% da riqueza nacional (dos EUA), enquanto que os 50% mais pobres concentravam 18%. Trinta anos depois, hoje, o 1% mais rico concentra mais de 20% da riqueza nacional enquanto que os 50% mais pobres concentram 12 ou 13%. “
Fichinha perto da concentração que ocorria no Brasil desde os anos 70 e que, se não parou de ocorrer, desacelerou. Mas o suficiente para Hanauer dizer que os EUA passarão “passar de uma democracia capitalista para uma sociedade rentista neofeudal como a França do século 18. Essa era, vocês sabem, a França antes da revolução e das multidões com forcados.”
“Me mostre uma sociedade altamente desigual e eu vou te mostrar um estado policial ou uma insurreição. Os forcados vão vir atrás de nós se não dermos um jeito nisso. Não é um “se”, é um “quando”. E vai ser horrível quando eles vierem para todos, mas particularmente para pessoas como nós plutocratas.”
O professor Nogueira da Costa toma o cuidade de explicar, para os que não sabem, que forcado é aquele garfo enorme e pontiagudo que se usa para revolver palha ou feno. E Hanauer também explica que não diz isso por uma postura moral em relação à desigualdade, mas porque estruturas assim são “burras e autodestrutivas”. Ao contrário, diz ele, “as democracias capitalistas altamente prósperas são caracterizadas por investimentos maciços na classe média e na infraestrutura da qual ela depende.”
“Eu ganho mil vezes o salário médio mas não compro mil vezes mais coisas, compro? Eu comprei dois pares dessas calças, que o meu parceiro Mike chama de “calças de gerente”. Eu podia ter comprado duas mil calças, mas o que eu faria com elas? (Risos) Quantas vezes eu posso cortar o cabelo? Quantas vezes eu posso sair para jantar? Não importa quanto dinheiro alguns plutocratas ganhem, nós nunca vamos conseguir manter uma economia nacional forte. Só uma classe média próspera pode fazer isso.”
Hanauer, que defende uma forte elevação do salário mínimo, ridiculariza a ideia de que aumentar o salário mínimo causa desemprego.
Desde 1980, os salários dos executivos no nosso país foram de 30 vezes o salário médio para 500 vezes. Isso é aumentar o preço do emprego. E mesmo assim, pelo que eu sei, nunca uma empresa terceirizou o trabalho do CEO, o automatizou ou exportou para a China. Na verdade, parece que estamos empregando mais CEOs e gerentes seniores que nunca.
(…)vamos diminuir os gastos do governo, mas não prejudicando os programas de assistência, e sim garantindo que os empregados ganhem o suficiente para não precisarem deles. (…)A função das democracias é a de maximizar a inclusão do povo para gerar a prosperidade, não permitir que a elite acumule dinheiro. O governo de fato cria prosperidade e crescimento criando as condições que permitem que empreendedores e seus clientes prosperem.
Equilibrar o poder de capitalistas como eu e trabalhadores não é ruim para o capitalismo, é essencial para ele. Programas como um salário mínimo decente, atendimento médico acessível, licença médica remunerada e a tributação progressiva necessária para custear a infraestrutura importante necessária para a classe média como educação, P&D, essas são ferramentas indispensáveis que capitalistas espertos deveriam abraçar para impelir o crescimento, pois ninguém se beneficia dele como nós.
(…)Ou, ao invés, podemos não fazer nada, nos esconder em nossos condomínios e escolas particulares, curtir nossos aviões e iates – eles são muito divertidos – e esperar pelos forcados.”
Posto aí embaixo o vídeo da palestra de Hanauer. É legendado em português, o que seria desnecessário para nossos megamilionários, já que todos entendem inglês, embora não entendam o óbvio.
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Muitos conceitos de Piketty expostos nesta palestra. O Capital no Século XXI é uma leitura que vale a pena. Durante muito tempo, se defendeu que o bolo precisava crescer para ser dividido. No entanto, aprendemos que dividir o bolo de forma mais equitativa também gera crescimento. O desafio é tornar esse processo sustentável e duradouro. Excelente post!
De fato, Robson, O Capital no Século XXI é leitura fundamental para quem queira compreender o mundo de hoje. Muito além da velha cartilha neoliberal que infelicitou o mundo inteiro desde os tempos de Thatcher e Reagan, Piketty traz um ponto de vista equilibrado, fundado em análises científicas de indiscutível valor, para enterrar de uma vez por todas as falácias do Deus Mercado.
É verdade que essa palestra foi censurada pelo TED ?
Foi outra, anterior
Essa é a direita que falta no Brasil. Infelizmente aqui temos apenas a extrema direita, mesquinha, egoísta. Essa é a verdadeira direita. Vejam que ele defende os conceitos de estado pequeno, capitalismo, lucro, etc etc etc... Mas a diferença para nossa direita nativa, é que ele não defenda isso ás custas do trabalhador. Pelo contrário, ao invés do trabalhador ser o obstáculo (custo, licenças, etc...) ele passa a ser a ferramenta (mercado consumidor que fomenta a economia). Se pensar fundo, foi o que Lula fez na crise para tirar o Brasil do olho do furacão.
Infelizmente aqui estamos presos com o PSDB, DEM, Cunhas da vida. Uma pena. As mesmas baboseiras ditas por todos, em unissono.
Detalhe, eu sou de esquerda, mas defendo que precisamos de uma direita consciente para o bom debate, o que simplesmente não existe aqui.
Há um empresário, filiado ao PSDB, que tem umas ideias parecidas. Infelizmente não me recordo agora o nome, mas ele deu uma entrevista a um programa da Globonews alguns meses atrás.
Esse cara vai ser assassinado em um ano por cometer o "crime" de dizer o óbvio de forma tão nua e crua... Ou talvez nos livremos dos 1% (os que vão ordenar tal crime) antes.
Ele já tá cortando prego à espera dos forcados.
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Apesar de ser consciente do estágio ao qual chegamos, não há mais espaço para a solução que ele preconiza. O capitalismo não tem como fazer a redistribuição de renda que Hanauer receita; a lógica do sistema não permite.
- Não vi o vídeo, ainda, mas, pelo que o Brito escreveu, Hanauer não cita a gravíssima questão ambiental. E o capitalismo não se coaduna com preservação da natureza.
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Portanto, para que tenha algum lugar, mais ou menos aprazível que seja, onde possa viver num futuro não tão distante, a humanidade terá que engendrar um outro sistema sócio-econômico-produtivo sob o qual possa tocar a vida.
Moço, o capitalismo já fez isso uma vez. Foi logo depois da II Guerra Mundial. Era a receita keynesiana de gerir o capitalismo.
O que matou esse sistema foi que, à medida que a acumulação crescia, mais e mais idiotas antidistributivismo se assenhoraram das grandes empresas. A violenta retórica antissocialismo dos anos 1950 era o que guiava, ideologicamente, a geração de gestores em ascenção no final dos anos 1960, início dos 1970, quando começa o domínio do neoliberalismo na gestão pública.
Fernando, você é o cara. O post arrebentou!!!
E tem gente que clama pelo tal "estado mínimo".
O texto me fez lembrar de uma frase de um certo barbudo:
“O Governo do Estado moderno é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia (Manifesto do partido comunista)” Karl Marx
Boa tarde,
se o próprio plutocrata assumiu o que mais posso falar
Brito, você realmente é muito bom jornalista!
Seu papel no nosso processo civilizatório é profundo e amplo ao mesmo tempo!
Desejo demais que seu alcance e sua capacidade de comunicação se multiplique, que novos jornalistas aprendam contigo, e porque não que o tijolaço fosse capaz de ser uma equipe, uma redação com coberturas de diferentes temas.
Até porque a capacidade de pautar da velha mídia vai indo para o vinagre!
A plutocracia brasileira não tem medo do
A plutocracia brasileira não tem medo do "forçado" . Quando as coisas esquentam pegam seus jatinhos e vão para Maimi , Paris ? ,etc,etc.
O Otarinho, dizem as más línguas, fala porcamente um inglês macarrônico, a la FHC! Até Melhor que os três patetas que nem em inglês lêem! Confere, Arnaldo?