Nassif, a lama na política não é no Rio. É no Brasil

Os leitores deste blog sabem que aqui já passamos do tempo do Torneio Rio-São Paulo, do Roberto Gomes Pedrosa e hoje estamos mesmo é no Brasileirão.

Campeonato Estadual, o Vasco ganhou e acabou rebaixado, apesar da reta final assombrosa que fez.

Pois não é que o querido Nassif, olho atento e coragem constante em tanta coisa importante, foi sondar a lama que é a política do Rio de Janeiro e acabou com o pé atolado?

Porque a lama na política não é no Rio de Janeiro, é a lama na política. Ponto.

No Rio, em São Paulo, em Minas, no Paraná. Até no Rio Grande do Sul, onde isso demorou um pouco mais a acontecer, aconteceu.

Não há nenhum problema em Pezão ser de Piraí, uma simpática vilazinha ao lado da Via Dutra, como não havia em Garotinho ser de Campos – apesar do ditado maldoso que com campista, nem fiado, nem à vista – como não há mal em Geraldo Alckmin ser de Pindamonhagaba.

Há alguém mais paulista que o carioca Fernando Henrique Cardoso?

Ou mais carioca que o Chico Buarque, que mal nascido aqui foi para São Paulo, de lá para a Itália e voltou rapaz para Sampa outra vez?

O que acontece com o Rio, Nassif, é que fomos envenenados, mais que qualquer lugar, pela Globo, que nos pasteurizou e homogeneizou, culturalmente.

Quem esteve no poder aqui, Nassif, muito mais do que qualquer eleito, foi ela.

Nossa virtude, que são as diversidades – mar/montanha, pedra/água; pobre/rico –  que se roçavam  no espaço e no tempo, iam gerando a miscigenação que é geral, mas aqui se antecipava: praia, areia, mulatos.

Pena o doido do Darcy não estar mais aqui para levar um papo sobre isso. O último “maluco beleza” dos cariocas parece ter sido o gaúcho de Carazinho, o Brizola.

O Rio, como a Roma do Rosellini, já foi a cidade aberta, onde o poder convivia de perto com as utopias,  e está deixando de ser.

O pragmatismo, que é mortal para o sonho, venceu sua vitória minúscula.

Tanto que o Garotinho usou, Deus me perdoe,  como música de campanha aquele horrendo “eu só quero saber/do que pode dar certo/não tenho tempo a perder”, do “Go Back”, dos  paulistíssimos Titãs, que involuntariamente, creio eu, fizeram um hino apropriado pelo pragmatismo .

O artigo de Nassif tem razão em quase tudo, menos num ponto, que faz toda a diferença.

Não é no Rio, é no Brasil. E por isso me poupo de falar em Malufs, Pittas, Adhemares, Hucks, Datenas e outros que tais.

Como me poupo de descer a análises, muito bem feitas, aliás, pelos comentaristas do próprio site do Nassif, que atrai gente de alta capacidade de raciocínio, como tem o seu autor.

O Nordeste não vota em Dilma porque é revolucionário, mas porque é pobre e sente que o projeto que chegou ao poder com Lula é do seu lado.

São Paulo não vota no Aécio porque ele é paulista, mas porque ele é o perseverar do status quo.

O Rio não vota no Sérgio Cabral e no Pezão – aliás, pessoalmente, um sujeito afável enfiado na máquina grotesca do PMDB -, vota porque a esquerda do Rio de Janeiro não se apresenta de cara limpa faz tempo.

Aliás, do “purismo” que assumiu seu lugar, de bom, mesmo, só veio o Jean Willys, um sujeito que respeito por sua permanente coerência e combatividade.

A tragédia política do Rio de Janeiro, Nassif, é a tragédia política do Brasil.

Mídia e dinheiro, dinheiro e mídia.

Não sei, sinceramente, se nos cabe ser mais uma federação, antes um refúgio da oligarquia e hoje um refúgio dos organismos oligárquicos sustentados pelo dinheiro.

Seria o ideal, por nosso tamanho e  diversidade, ainda que minguante.

Mas é de recordar que dinheiro e mídia, mídia e dinheiro, cada vez mais têm menos fronteiras e divisas. E mais poder.

PS. Com o aviso amigo de uma leitora, Corrigi o nome do diretor do lindo Roma, cittá aperta,  Roberto Rossellini , que abre as portas do histórico neorealismo italiano. Coisas da madrugada.

Fernando Brito:

View Comments (13)

  • Caro Fernando,
    Excelente! Foi mais ou menos isso que eu comentei no site do Nassif. Mas vc o faz com muito mais brilhantismo. Mas que eu senti um ranço de preconceito eu senti
    Abcs

  • Muito boa a análise. E hoje mesmo pensei no Jean Willis, o quanto esse moço baiano representa os cariocas. E é irônico que Willis surgiu com a Globo, no programa que abomino. E o admirável, graças ao próprio Willis, é que não há como colar sua imagem independente e honesta à miserável globo-midas que a tudo destrói. Tem razão, tanto as coisas boas quanto a lama na política é uma coisa do Brasil.

  • Para entender o um pouco do Rio é necessário voltar ao século 19. O economista Carlos Lessa, num entrevista, sintetiza muito bem o que foi a cidade e como foi construída. Quem construiu o Rio não pensava na cidade, pensava em outros ares, pensava em Paris. Para se ter uma ideia, os pardais foram trazidos da França para dar um ar europeu à cidade. Os telhados eram construídos pensando em não acumular neve.

    Apesar da aristocracia nunca ter tido um sentimento de nação, no século 19 o Rio já era uma das maiores cidades do mundo, com meio milhão de habitantes e tinha tantos postes de iluminação quanto Paris.

    Apesar do rápido crescimento, graças a estadia da família real, o Rio era chamada de cidade da morte. E mesmo após o fim da monarquia não houve aproximação do poder com as pessoas, que teima em se repetir na história, hoje simbolizado muito bem com a transformação da cidade em empreendimento para poucos milionários.

    A falta de lideres acontece exatamente porque não há aproximação verdadeira entre políticos e cidadãos, o que deslegitima o poder público. Há uma grande artificialismo de quem não tem uma história de luta, que chegou ao poder muito mais por acordos de gabinete do que uma conquista efetiva de corações e mentes. Disso também decorre a falta de compromisso com as pessoas.

    Mas é necessário ressaltar que o Rio se viu abandonado depois que deixou de ser a capital e viveu anos de decadência. O que ocorreu na região da Praça Mauá sintetiza a perda do protagonismo.

    Apesar de todas as contradições e todos os erros das últimas administrações, é necessário reconhecer a parceria e o trabalho em conjunto entre todas as esferas de poder, que possibilitou crescimento, algo que não ocorreu, por exemplo, em São Paulo.

    A ruindade dos políticos cariocas, fluminenses e brasileiros só vai ser depurada quando eleições significarem um real compromisso com projeto de nação, e não um compromisso com financiadores e patrocinadores. A esperança que melhore um pouco é o fim do dinheiro das empresas nas disputas eleitorais.

    Grandes líderes são raros, então é necessário aperfeiçoar o nosso modelo para não ficarmos dependentes deles. Porque os nossos horrorosos políticos saem daqui mesmo, não são fruto dum milagre ou dum des-milagre.

  • Interessante, tirei outra conclusão do texto do Nassif. Entendi que ele analisa o fato de o Rio não ter forjado lideranças políticas nacionais. Nenhuma alusão ao fato de a corrupção ser monopólio deste ou daquele ente federativo.

    Infelizmente, acho que Fernando Brito é que se deixou levar pelo bairrismo. Aliás, em outras oportunidades o excelente jornalista incorreu nessa mesma falácia ao traçar um generalizante estereótipo do eleitor paulista.

    • Faço isso não, Correia. Não é o comportamento do paulista. É o comportamento do dinheiro e da mídia. E onde eles são mais fortes, mas forte influenciam.

  • De esquerda, no Rio, só o Leonel Brizola vingou. O restante dos esquerdistas nunca tiveram punch para encararem a disputa com a direita.
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    O grande Darcy Ribeiro, que foi um dos co-responsáveis pelo sucesso de Brizola, infelizmente, foi derrotado pelo Moreira "meu nome é trabalho" Franco em 1986, graças à monstruosa campanha midiática contrária montada pela direita.
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    Uma das maiores aberrações em termos de resultados eleitorais. Prescindir do Darcy e eleger uma coisa espúria como o Franco.
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    De lá para cá, o Rio só fez afundar.

  • Tentarei ser "salomônico", visto que este post é de um dos dois primeiros que leio diariamente, sobre outro blog que é o que completa esta dupla.
    O Brito tem razão na sua analise, mas peca na crítica ao turco, pois o post dele (Nassif) disserta sobre a política do Rio, especificamente. Não vejo razão para comparações, como se alguém tivesse que incluir SP numa análise sobre a política do Acre. Não se trata de comparação, mas de um comentário sobre o Rio. Abraços aos dois.

    • E não é condenação ao texto do Nassif, mas a compreensão que ele causou e que, aliás, se expressa nos comentários lá postado. Muita coisa ali está certa e a política no Rio é lamacenta. O problema é que a lama da política está em quantidade "samarquiana". E aí estudar a lama num ponto isoladamente leva a uma compreensão distorcida que, aliás, nem acho a intenção do Nassif, um cara a quem respeito, admiro e aplaudo. A gente não deve temer debater ideias, clara e honradamente. Deve fazê-lo, aliás, até apaixonadamente, com fraternidade. Como dizem os gaúchos, lenha boa é a que sai faísca.

  • Caro (também) Brito, sei que não vai servir de consolo, mas temo que o estrago da Globo em São Paulo consegue ser maior do que no RJ.
    Colocando as visitas em dia no final do ano, fico chocado com casas de classe média e média alta que frequento, com suas TVs pagas de trocentos canais e que - incrível - não saem da Globo!
    Restaurantes, salas de espera etc.: as pessoas podem até não estar prestando atenção, mas estão lá as imbecilidades e o jornalixo da Globo entrando na cabeça dos paulistas.
    E como ficam os resultados na minha São Paulo e no seu Rio após as apurações das eleições para presidente desde pelo menos 2006 para cá? Pois é, me caro! Viu só onde a Globo manda mais?

  • Me desculpe meu caro Brito, os versos dos Titãs são meramente ideias OPORTUNISTAS;

    Desde 1500 a UDN dá as cartas por essas terras brasilis...

    Desde 1500 reina a ideia entreguista... e a opressão de toda uma gente que sempre foi considerada de quinta classe, que o POVO brasileiro.

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