Em 1964, eu era um guri de seis anos, tentando entender o que meu pai – sei lá como – queria me explicar que os Estados Unidos, por ordem de Lyndon Johnson, tinham lançado bombardeios contra o Vietnã.
Bombardeios eu fazia uma vaguíssima ideia do que eram, pois o cinema era pródigo nas imagens da 2a.Guerra Mundial.
Mas Vietnã? Vietnamitas, Delta do Mekong, vietcongues, o que seria isso?
Era um destes lugares que não existia, embora existisse.
Não existia talvez em lugar nenhum a não ser lá mesmo, mas passou a existir no mundo inteiro, até lá, no Lins de Vasconcellos.
Nos anos seguintes, em cada Repórter Esso, o locutor Gontijo Teodoro apresentava, antes de começarem a chegar as imagens, um boletim de baixas que relatava milhares de mortes diárias de vietnamitas e algumas unidades de cadáveres americanos.
Depois começaram a chegar as imagens. Borradas, mesmo sem cor, iguais às as que despencavam nos filmes dos aliados sobre a Alemanha.
Iguais? Não, três vezes mais numerosas – um milhão de toneladas de bombas por ano de guerra – com requintes de maldade que minha geração foram aprendendo palavras estranhas e más: tordon, agente-laranja (herbicidas contra os campos de arroz e desfolhante para florestas) e napalm, a terrível geléia incandescente que as bombas espalhavam sobre campos, casas e pessoas.
Assistíamos atônitos àquilo e as nossas mentes infantis achavam que a guerra seria vencida pelos norte-americanos simplesmente porque não sobrariam vietnamitas.
As imagens, por fim, foram se impondo às bombas.
A ofensiva do Tet, com o desafio dos vietcongs em assaltar a própria Embaixada Americana em Saigon.
Os jovens americanos enchendo as ruas em manifestações contra a guerra.
O general sul-vietnamita, aliado americano, executando com um tiro na cabeça um vietcong ondefeso e de mãos amarradas.
O massacre da aldeia de My Lay , quando o frenesi assassino das tropas americanas chacinaram em horas mais de 500 pessoas indefesas e só pararam depois que um piloto de helicóptero, Hugh Thompson Jr, pousou seu aparelho e ordenou aos seus artilheiros Lawrence Coburn e Glenn Andreotta que abrissem fogo com as metralhadoras de bordo contra qualquer soldado norte-americano que se recusasse a obedecer a ordem de interromper o massacre.
A menina Kim Phuc correndo das bombas nua, com a pele queimada lhe caindo do corpo.
Em pouco mais de três anos, a guerra onde tudo era desproporcional entre a maior potência do mundo e um dos povos mais pobres do planeta virou-se ao contrário e em 1972, os norte-americanos começavam a sua retirada.
Que completou-se em 1975, num 30 de abril de há 40 anos, quando o último helicóptero dos EUA decolou levando seus últimos militares e quem da elite sul-vietnamita, sua aliada, conseguiu lugar no “salve-se quem puder”.
Quem tem menos de 50 anos talvez não consiga entender como os que têm 15 ou 20 anos a mais crescemos sob a sombra desta guerra onde as câmaras e microfones foram armas mais importantes que os jatos e foguetes.
Dizem que a verdade é a primeira baixa numa guerra.
Acho que, no final, porém, ela é a única sobrevivente.
Um ano depois, era lançado o filme Corações e Mentes, que retratava a perplexidade dos norte-americanos com aquilo que eles próprios haviam feito e que chegou aqui aos garotos que não sabiam, aos seis anos, onde era aquela guerra, a do Vietnã.
E que aprenderam, a vida inteira, que aquela e todas as guerras se travam ali, nos corações e nas mentes.
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Fernando, se me permite, dê uma lida neste texto da Milly Lacombe. "Tempos muito estranhos", que baita texto!
http://blogdamilly.com/2015/04/29/tempos-muito-estranhos/
Fernando, obrigado pelo filme. Não vi ainda, vou assistir no feriadão.
O exército americano só se dá bem nos filmes saídos de Hollywood. Fora deles é um tigre de papel. Senão vejamos:
- Na 2ª Guerra Mundial o exército estadunidense só deu as caras na Europa depois de ter todas as garantias de que o Exército Vermelho já derrotara realmente o temido exército alemão. Eles tinham pavor de enfrentá-lo em terra, por isso só ficaram nos ataques aéreos contra populações civis alemãs. Depois restou o Japão e, novamente, temendo enfrentar os impiedosos soldados japoneses numa invasão com armas convencionais, lançaram centenas de ataques aéreos contra civis japoneses, culminando com as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, mais uma vez contra cidades superpovoadas de civis. Por terra foi novamente o Exército Vermelho que enfrentou os japoneses de frente, expulsando-os da China, conforme acordo de Stalin com Roosevelt.
-Terminada a guerra os EUA quiseram mostrar sua suposta força militar na Coréia e teve que ir embora com o rabo entre as pernas pois não conseguiram derrotar os norte-coreanos.
-Para abreviar: veio a derrota vergonhosa no Vietnam, a corrida que levou de guerrilheiros maltrapilhos na Somália (ver filme "Falcão Negro em perigo"), as invasões fracassadas do Iraque, do Afeganistão, os "bombardeios humanitários" na Líbia e na Síria e por aí vai. Jamais declararão guerra à Rússia pois sabem os que os russos fizeram com o exército alemão em Moscou, em Leningrado, em Stalingrado e em Kursk. Estão tentando guerrear contra os russos por procuração (Ucrânia).
Não esqueça do "bombardeio humanitário" contra Iugoslávia em 1999-2000
Guerra e' como se alguem comesse uma fruta ruim, e plantasse as sementes,então a fruta ruim nasce de novo,e outras pessoas provarão da fruta ruim...
Quando não existe guerras as pessoas não se sentem em paz ?
Então surge os que entendem que tem que
matar ou morrer,aí chega os horrores da guerra,e as pessoas chegam a conclusão de que a guerra só trás desgraça e clamam pela paz e entendem por pouco tempo que e' bom viver em paz.
Bom mesmo seria que ninguém desse ouvidos aos senhores da guerra e nem tivessem que matar ou morrer,de maneira tao estupida e vivessem em paz com seus familiares,paz de verdade aquela que se sente na alma,vinda do "nosso lar".
Em 1964,
eu era um menino...
GIRASSÓIS PRA SEMPRE
by Ramiro Conceição
Não contarei os mortos de Paris,
Nova Iorque, Rio, Oslo, Kiev ou Madri.
Não cantarei aos mortos de Bagdá,
Luanda, Argel, Cairo ou Tel Aviv.
Não contarei os mortos do Haiti,
de Caracas, Teerã, ou Marrakesh.
Não cantarei… Por quê?... Morri.
Ai de nós, porque a vida… estava aqui,
está aqui e estará aqui, apesar de nós.
Por isso, sem dúvida, eu acuso!
Todos os assassinos de Lennon
em todas as Brasílias do mundo.
A grandeza de uma civilização
não é a globalização do capital
a matar impunemente.
A grandeza de uma civilização
são seios a amamentar gerações
de construtores d’estradas entre
estrelas, mares e palavras.
Todavia somos ávidos por ideologias,
aptos à imundice de tudo... Contudo,
há uma ética, uma navalha, a separar
canalhas - de canários.
Eu preciso dessa ética pra viver.
Em 2015,
eu sou um menino
ALFA DO CENTAURO
by Ramiro Conceição
A primavera do contentamento
converteu-se agora em outono.
O uirapuru que outrora cantava
agora quieto adormece à janela.
E a música que acalentava sonhos,
hoje, virou a insônia de tormentos.
As nossas gargalhadas compridas,
as nossas juras ensandecidas, hoje,
são cicatrizes em nossos sorrisos.
Agora, ao invés do entrelaçamento de nossos braços
ao enfrentamento de qualquer um de nossos horrores,
há somente nós… Seres incompletos… E separados.
Porém em nós, os construtores dum jogo amoroso
não restrito a nós, mas ao mundo em que vivemos;
em nós, os exilados, os tradutores do fogo sagrado
e, ao mesmo tempo, tão orgulhosos, tão avarentos,
gulosos, irados, luxuriosos, invejosos e preguiçosos;
ainda assim, em nós, por mentira que pareça, nascem
as libélulas metálicas ao retorno - à Alfa do Centauro.
Ramiro,
Estes poemas falam à alma porque choram a minha dor.
Estes poemas enxugam minhas lágrimas porque me dizem que juntos sobreviveremos.
São como uma doce brisa.
Falando de My Lay (ou é Lai?), o que o governo americano fez para encobertar o massacre é quase inacreditável, as primeiras notícias sobre o caso davam a entender que os alucinados soldados americanos haviam tentado salvar a aldeia mas haviam chegado tarde demais... chegaram a forçar um sobrevivente em um hospital a posar para uma foto com um dos...!!!!
Quando se descobriu a verdade como é que a tripulação do helicóptero foi tratada? Como traidores, pois haviam se atrevido a apontar aquelas temíveis metralhadoras que só o Rambo conseguiu segurar sozinho (Rambo II... que perda de tempo!!!) contra soldados americanos!
Os caras recebiam ameaças de morte, tinha gente cruzando o país para xingá-los (e a todos os seus familiares), um senador democrata liderou uma CPI só para defenestrá-los e humilhá-los (e fazer o possível para encobertar a verdade). Mas aí o líder dos soldados tornados carrascos foi a julgamento e para se defender soltou a pérola universal do soldado doido: 'Eles eram o inimigo e minhas ordens eram para matá-los e foi o que eu fiz'...
Se não fosse o Nixon ele teria mofado na cadeia.
O senador democrata continuou a apoiar a máquina de guerra e nunca pediu desculpas por seu papel na tentativa de encobrir o massacre, virou nome de navio...
Muito interessante a Reflexão. Sou de 1959 e quando menino ouvia as notícias pelo Rádio. No interior de SC não pegava sinal de TV. As radios Guaiba e Gaúcha de Porto Alegre tinham noticiarios diários, sempre enaltecendo os Estados Unidos e Israel. Eu era fanático defensor de Israel...só mais tarde pricipalmente na Universidade fui conhecer a verdadeira face dos Estados Unidos e Israel....
Se quiserem ver o filme com melhor qualidade poderão obtê-lo, via torrent, no link:
http://torcache.net/torrent/716AA088D00C6718D94B9659A6FD486AE4968456.torrent?title=%5Bkickass.to%5Dhearts.and.minds.1974.720p.brrip.x264.yify
E a legenda, em português, neste outro link:
http://dl.opensubtitles.org/pb/download/sub/5707915
Apos essa guerra horrenda, o imperio em crescimento aprendeu: nao quer mais protestos em casa. So acompanham as tropas os reporteres permitidos, submissos e controlados. Imagens e textos contrarios,nada.
Depois veio a internet:continua o controle porem mais dificil, pode ser furado . No inicio do ataque a Bagdah, havia um hotel lotado de jornalistas de todo o mundo. Pois um tanque americano atirou diretamente contra o hotel, de perto...
e nao foi por erro do artilheiro.
Alguns canais fechados, Discovery e o History,já alguns meses vem mostrando filmes originais dessa guerra. Semana passada mostrou o vôo do ultimo helicóptero levando os últimos onze militares que restavam na embaixada.Durante a apresentação dos programas,os veteranos e os que estavam diretamente envolvidos,falam em entrevistas,sobre aquela guerra.Uma oportunidade para os mais novos saberem do que são capazes os seres humanos ditos civilizados,que persistem ainda hoje,no erro de que os interesses comerciais e as ideologias,devem ser resolvidos na base do tiro.