Ao chamar de “bundões” os profissionais de imprensa que cobriam o patético “Encontro do Brasil vencendo a Covid”, no Planalto, Jair Bolsonaro mostrou que não só não se arrependeu do “coice” dado ontem no repórter de O Globo (“vontade de encher a sua cara de porrada“) como está feliz feito pinto no lixo, para usar a gíria destes tempos, com a certeza de que já pode abandonar a fantasia do Jairzinho Paz e Amor que andava usando.
Talvez até mesmo a reação das redes sociais – onde a pergunta sobre Queiroz é repetida aos milhares por minuto – o esteja animando a isso: Bolsonaro vive da confusão, dos ódios e de uma militância naquele “padrão Sara Winter” em matéria de estupidez.
Helena Chagas, em Os Divergentes, analisa o que chama de “saída da jaula” do presidente, bufando e salivando por controvérsias, um campo onde tem levado vantagem diante de uma oposição que não conta com as forças de centro-direita, que preferem tolerar um selvagem détraqué desde que ele seja capaz de destruir os direitos sociais e vender tudo o que resta deste país.
Bolsonaro saiu da jaula
Helena Chagas, n‘Os Divergentes
O presidente Jair Bolsonaro foi alvo de um massacre nas redes sociais, especialmente no Twitter, depois de ter ameaçado o repórter de O Globo afirmando que tinha vontade de encher a boca dele com uma porrada. Na madrugada, segundo postou o especialista Fabio Malini, Bolsonaro fora marcado em mais de 1.035.521 mensagens únicas sobre por qual motivo não respondeu ao ser questionado a respeito dos R$ 89 mil depositados por Fabrício Queiroz e sua mulher na conta da primeira dama Michele Bolsonaro. A pergunta viralizou, e foi retuitada por jornalistas, artistas e influenciadores.
O episódio permite concluir que nas redes – que sempre foram território do bolsonarismo — e possivelmente fora delas, tem muita gente anestesiada, mas morta não. Na internet e fora dela, são imprevisíveis as fagulhas que acabam incendiando reações. Quando menos se espera, elas aparecem. Pode não ter a força de um aumento de passagem como o que apertou o gatilho das manifestações de rua em 2013, e possivelmente esse acontecimento da semana acabará por aí. Mas algo aconteceu e pode acontecer de novo.
Importante saber se as forças do antibolsonarismo vão conseguir usar o episódio, que juntou uma oposição desorganizada, para fazer crescer a reação contra o governo. Provavelmente não. A oposição institucional e partidária anda lenta, e quando chegar à cena do crime provavelmente todo mundo já terá ido embora. Terá perdido mais uma oportunidade de mostrar que Jairzinho Paz e Amor é um perfil falso, atrás do qual se esconde o mesmíssimo político autoritário e raivoso.
Do lado governista, a turma do pano acordou cedo e já tratou de propagar suas versões, a principal delas de que a culpa é da segurança, que não afastou Jair Bolsonaro dos jornalistas quando começaram as perguntas “inconvenientes”. Filtrar perguntas de entrevistas é uma função que – ainda bem – nenhum segurança nunca teve no Planalto. Mas nesse governo tudo pode acontecer, até mesmo isso.
A dúvida maior, porém, é o próprio Bolsonaro. A fera foi contida por algum tempo, diante dos perigos do caso Queiroz e da própria Covid-19 que contraiu. Mas agora, animada pelas pesquisas de popularidade, se soltou, como mostra a retomada dos passeios de domingo. Vai ficar difícil fazê-la voltar para a jaula.