Desde os anos 70 acompanho, tanto por dever de ofício quanto por interesse pessoal, as discussões econômicas e, portanto, vi os acadêmicos serem progressivamente substituídos pelos “operadores de mercado”.
Por isso, é triste ler, como li em diversas partes, o raciocínio dos economistas tão próximo do “velho da Havan”, dizendo que não podemos parar diante da pandemia, porque isso nos levará à “desgraça econômica”, o que é pior que uns quantos velhos e adoentados mortos.
Uau! É triste ver como repetem o discurso mais estúpido de que é a empresa que produz riqueza, como se esse processo não fosse o do trabalho produzindo riqueza, e sim a riqueza produzindo trabalho, como dizem.
A riqueza é produto do trabalho, muito menos do próprio que do alheio, embora seja valorada como “conquista do indivíduo”, apenas. É o que precisamos entender nesta crise. Alguém precisa dizer, sem medo, que a riqueza deles vem do trabalho dos outros, e não o contrário. Que o dinheiro não é um valor intrínseco, mas a representação dos meios de troca e que sua posse em quantidades estúpidas significa poder e privilégio, como o ouro representava aos reis e nobres.
Dizer que este país e seus privilegiados, bem aquecidos pela fornalha alimentada a carvão humano, já não pode ser como na escravidão, onde não tinha importância (como diz o tal dono de hamburgueria) que morressem “uns cinco ou sete mil” nos navios negreiros, porque a economia canavieira não podia parar, como – que horror! – se o país fosse quebrar porque abolia a servidão dos negros e negras que faziam o Brasil Colônia e, depois, o Brasil Império funcionar!
Mas e o dinheiro para fazer a vida fluir, pagar as pessoas, de onde virá?
É curioso que todos eles tratem com absoluta normalidade – e aplausos inflamados! – que se liberem bilhões e trilhões como soro para hidratar bancos e empresas e, quando se trata de fazê-lo com seres humanos, se lembrem que eles faltam e são limitados.
Não há dinheiro? Que se o imprima, em quantidades dosadas, porque não fará mal, fará bem, como a água e sal do soro injetado em nossas veias nos momentos de crise nos salvam da morte. Nem o efeito na inflação será forte, porque cai o consumo, cai a circulação e é difícil aumentar preços do que não se vende.
O que não se pode fazer é permitir que as pessoas morram de vírus, de fome ou desespero, porque – além de nossa identidade humana repugnar-se disso – cada uma delas que se vai é riqueza que se dissipa.
Não sou – e os leitores a quem enfado sabem disso – um desatento ao mundo do dinheiro que governa o mundo. Muito menos desfaço da ciência econômica, desde que ela, como as palavras que Brecht colocou na boca de Giordano Bruno, sirva para aplacar o sofrimento humano.
Esta crise mudou e vai mudar mais este mundo. Que se globalizou na doença, mas se desglobalizou – e muito – na queda do comércio, na consciência de que as nações precisam de algum grau de autossuficiência industrial, no bloqueio e restrições de fronteiras.
Na era da privatização, isto deixou de ser um valor absoluto, ao encararmos a necessidade de saúde pública estatal, de controle público estatal, da representação do Estado como regulador das relações humanas, de quem queremos e exigimos ação.
Infelizmente, não temos homens públicos capazes de quebrar os falsos deuses, habitantes do panteão do Mercado que, nos últimos 30 ou 40 anos, todos aceitaram como crença única.
A realidade está revelando que eles, esses homens do Mercado, são maus, desumanos, impiedosos com os pobres, os velhos, os doentes, com os que devem ser sacrificados.
Como se mandassem Isaque matar Abraão como prova de fé.
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Pra melhor ajudá-lo a voltar pro mundo real. REFLITA sofre o dilema Tostines, com certeza não lhe fará mal.
SINCERAMENTE ..hoje não tá havendo muito espaço pra dialogar e contra argumentar, pois corremos o risco de ferir suscetibilidades, ou de atropelarmos interesses inconfessáveis.
FATO é que pela vaidade, muitos sofregamente, diariamente, lutam por seus vaticínios a fim de transformá-los em profecias auto realizáveis.
Assim não dá, enquanto dum lado sobram palpites, noutro rareiam raciocínios exequíveis. Dito isso:
..particularmente estou vendo exagero dos dois lados ..duns, vejo um catastrofismo que beira ao pânico da “fuga das galinhas” ..doutro, uma frieza que nos remete a psicopatia dum “sexta feira 13”.
PRA MIM, nem um nem outro ..nem crise de 29, nem gripinha ..mas a UNICA certeza de que com BOZO tudo fica muito, muito, MUITO mais difícil, em verdade, um CASTIGO ..castigo de tão grande que, a mim, parece DIVINO, castigo divino.
O que é o dilema Tostines?
"vende mais pq é fresquinho, ou é fresquinho pq vende mais ?" ..no paralelo : "o trabalho gera riqueza, ou a riqueza gera o trabalho ?"
ajudou ? ..se sim, então agora dá um pontinho positivo pra eu fazer valer meu vaticínio ..se não, deixa pra lá ..KKK, abçs
em tempo - TOSTINES é a marca dum biscoito (ou será bolacha) muito famoso até os anos 90, marca brasileira que posteriormente foi comprada por estrangeiros, pra variar.
Nada na vida se faz direito, meu caro, se não há princípios. Há um princípio: a vida humana. Este não pode ser violado e cada uma delas só não deve escapar da morte se isso for inevitável. Prefiro Camões a Tostines: cesse tudo que a antiga musa canta, que outro valor mais alto se alevanta. Tudo o que puder parar, deve parar. Há tigres invisíveis na rua e eles são, até agora, invulneráveis. Saiamos apenas o indispensável, e com cuidado. O resto se arruma depois, se as pessoas não morrerem. Protejam o seu semelhante como protegem a si mesmo. a seus pais e a seus filhos, não achando que a vida deles vale menos que a sua, que a fábrica, que a loja.
Esse é o Fernando Brito....Show
Muito triste.
Ótimo texto, caro Brito .
Os governos Lula e Dilma deixaram centenas de bilhões de reservas. Podem ser usados.
bozo e guedes não param de queimar as reservas pra "conter" a alta do dólar. E nunca há qualquer menção por parte da imprensa golpista da origem dessas reservas
Não estão contendo alta do dólar, estão distribuindo para os amigos de forma que não tenham que pagar muito mais caro. Vão raspar o caixa.
Fernando Brito...Bela aula de Economia, Humanidade e Fé.
Obrigada.
Triste reflexão, mas muito oportuna. Depois do sujeito da Havan, o do Madero e das pérolas de Justus tentarem lavar os cérebros menos atentos, precisamos estar atentos. Quero todo meu enfado lendo o Tijolaço.
Magnífico Fernando Brito.
Todavia como ateu posso recorrer ao livro dos crentes para dizer que o dilúvio do covid-19 deve separar num ilha distante e inóspita os senhores de tão degradada natureza humana a total falta de solidariedade.
Veja, não desejo-lhes a morte, mas que convivam entre eles com seus zilhões e egoismo.
Pra reciclar e não ter que jogar fora, poderiam ser enviados para colonizar Marte. Seria cada um por si, como gostam, vence o mais forte.
Eu na verdade imaginei somente não expressei um pequena ilha cheia de dragões de Comodo esfomeados há anos e cada um lutando uns contra os outros.
Coitado de Marte!
Tem também o Planeta 9. Há quem diga que lá já seria o destino programado para os que não conseguem viver em harmonia com a Terra.
Estes empresários e empregados economistas defensores do mercado acima de tudo, sabem que numa guerra o Estado vai ter que garantir a vida das pessoas, pintando dinheiro se for preciso. O problema é que tem consciência de sua grande virtude empreendedora não decorre da tal meritocracia que tanto alardeiam. A crise vai levar muitos à falência e não terão como se levantar, pois aí sim valerá o lema que lhes é tão caro: quem não tem competência não se estabelece.
Esta é a grande oportunidade do povo criativo e capaz tomar o lugar desta escória. Passada a crise tem uma grande oportunidade de termos gente empreendendo.
Para defender o Deus Mercado, chega a ser uma desfaçatez o comportamento da grande mídia. A explicação nunca vem de um professor renomado da UFRJ, de um economista renomado da esquerda, mas sempre de um economista-chefe do Itaú, da XP etc. Não há um contraponto.
Bom dia, Fernando!
Muito bom contar com o seu Jornalismo. Adoro suas pedradas que, com poucas palavras, dizem tudo.