A longuíssima entrevista que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos integrantes do grupo que assessora a presidenta Dilma Rousseff, deu à Folha pode ter duas leituras.
Ou o professor Belluzzo entrou em rota de colisão com os demais integrantes desta assessoria ou, ao contrário, prenuncia uma mudança de rumos no alinhamento desta política.
É fato o que Belluzzo diz sobre termos ficado reféns de uma obsessão “inflacionista” que acabou por provocar um desequilíbrio no câmbio, que desequilibrou nossas trocas internacionais e o próprio funcionamento da economia industrial.
É fato também que ele, como integrante do seleto grupo com acesso a este nível de discussão com a presidência da República não dissentiu disso.
E ninguém saiu em defesa quando, no início do ano, ela disse que recusaria medidas de combate inflacionário que resultassem no fim do crescimento econômico.
Outros, como o economista Amir Kair, o faziam, há muito.
Mas Belluzzo, agora, “chuta o balde” em relação ao mercado financeiro.
E, mesmo reconhecendo que Dilma fez um imenso esforço para enfrenta-lo, sustenta que é preciso uma reação mais forte ao seu poder dominante.
Pela posição – ainda que informal – que todos sabem que ele ocupa junto à Presidente, o que Belluzzo diz ou é desafio ou é anúncio de mudança de postura.
Nem com uma imensa ingenuidade política poderia achar que aquilo que disse não vá ter repercussão.
Haverá efeitos políticos disso, para um lado ou para o outro.
Leiam um trecho da entrevista e tenham uma amostra de seu teor explosivo:
Dilma é desenvolvimentista?
A Dilma é desenvolvimentista só que não está conseguindo se livrar desses constrangimentos que vêm dos anos 1970 para cá. Ela recebeu a taxa de câmbio valorizada. Fez um esforço para desvalorizar. Porém, a inflação bateu no teto da meta. O que o BC fez e tinha que fazer? Subiu a taxa de juros.
Tinha que fazer?
Tinha. É preciso avaliar o que custa mais. Não tem regra. Se se perde o controle da inflação, ela vai para 7%, 8%, o risco de ela ir para 10% é muito maior. Não dá para num país que teve essa experiência hiperinflacionaria dar a sensação de que se está largando mão da inflação.
Depois de verbalizar uma posição mais firme em relação ao sistema financeiro, Dilma recuou? Ela foi enquadrada pelo sistema financeiro?
Não é que ela foi enquadrada. Essa palavra supõe…. Há um problema de relação de força. Não é saber quem razão. É saber quem tem mais poder de fogo, mas quem tem mais força.
Quem tem mais força: o mercado financeiro ou Presidência da República?
O mercado financeiro. No mundo inteiro. Ou se acha que os europeus fazem isso porque acham engraçado? É por que eles entregaram a rapadura!
Entregaram a rapadura para o mercado financeiro?
Sim, porque não se pode mexer naquilo que é essencial.
O que é essencial? Não deveria ser emprego, salário, bem-estar da população? É o sistema financeiro?
O essencial é o emprego, a renda, o bem-estar das pessoas. Mas estou dizendo que, nesse caso e depois de uma crise dessas proporções, houve uma inversão nas relações de poder se se comparar com os anos 1930. Porque nos anos 1930, o [Franklin] Roosevelt…Pam! Deu um murro na mesa, limpou e disse chega. Assim mesmo a economia foi devagar. O [Adolf] Hitler não só disse chega, como, no fundo, ele estatizou o crédito. Criou a Mefo, uma empresa privada para escapar do financiamento direto do tesouro das obras. O desemprego na Alemanha chegou a 43%; nos EUA foi 27%. Roosevelt sofreu oposição de todos os lados, inclusive da corte suprema.
Perdeu várias questões na corte suprema, sobre as primeiras instituições do New Deal. Ele foi costurando pelas beiradas. Hitler, não. Falou, é o seguinte: vão reconstruir a economia alemã. Criou essa Mefo, e um sistema de controle de preços duríssimo. No fundo, fez um acordo com empresários: querem sair dessa? Então vamos fazer assim. Eles emitiam papéis privados. Isso é a superpolitização da economia e a superautonomia do Estado em relação à sociedade civil. A economia do nazismo foi a estatização? Não. Foi, na verdade, a superprivatização da economia, com as forças do Estado, para preservar aquele bloco de empresas que estava ameaçado de destruição.
O que fazer agora?
Estamos discutindo uma questão crucial no capitalismo hoje, que é a autonomia do Estado. Um economista chinês disse outro dia que a diferença é que o Estado chinês é autônomo. Se pode fazer o que quiser na China: comprar, vender, montar empresa, quebrar. Só não se pode dar palpite na política do governo.
O Estado chinês é autônomo porque tem o seu próprio sistema financeiro?
Ter o seu próprio sistema financeiro está entre os elementos da autonomia. Em segundo lugar, ele controla o comércio exterior e regula o câmbio.
No Brasil o Estado não é autônomo?
Não, nunca foi. Houve momentos de uma certa autonomia. Com Getulio Vargas; com JK [Juscelino Kubitschek], menos. Getulio fez uma coisa: instituiu o confisco cambial, passou a mão nos excedentes de divisas do setor exportador para financiar a industrialização. O grande estadista brasileiro chama-se Getulio Vargas. Com todos os defeitos e qualidades que um estadista pode ter. Quem criou o Estado moderno brasileiro chama-se Getulio Vargas. O resto é tudo conversa mole.
Hoje o governo está de mãos atadas em relação ao mercado financeiro?
O governo está perdendo a batalha para o mercado financeiro. Perdendo a batalha ideológica e política para o mercado financeiro. Porque as pessoas estão convencidas de que é fundamental se ter essa liberdade do mercado financeiro e dos bancos. O que é o mercado financeiro? É uma espécie de sistema nervoso da economia capitalista, porque recebe as informações e as transmite. O que ele faz hoje, não só no Brasil, mas em outras partes do mundo?
É um setor que é autorreferencial. Como diz o papa, ele se voltou para os seus próprios motivos e não tem nada a ver com o resto. É um setor macroeconomicamente importante, mas cujo funcionamento está voltado para o enriquecimento de suas próprias funções ou dos seus participantes. Virou autorreferencial.
Ele já não tem a função de irrigar a produção?
As transformações no mercado financeiro fizeram com que ele deixasse de fazer a intermediação banco/empresa/investimento. Montam produtos que são do interesse deles. Por que eles resistem à intervenção no câmbio? A volatividade cambial é boa? É péssima para a decisão de investimento. Mas para eles é ótimo, porque ficam arbitrando.
É um setor vital e intocável? Dilma, com seu capital político, não pode mexer?
Não é um setor intocável. É que precisa ter base política nessa correlação de forças. Como Roosevelt teve no New Deal.
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Se o capital não servir para transformar o sociedade com justiça e igualdade servirá apenas para o enriquecimento de elites.
... e aí, Marx é quem terá razão!
Difícil confiar em discursos pré-eleitorais. O PT está há 11 anos no poder e com maioria no congresso. Se não fez nada é porque sente favorável à cartilha neoliberal. Ponto.
Eduardo Campos está captando nomes progressistas e isso pode mudar o rumo de 2014. Dilma manteve durante seu mandato nomes neoliberais em peças chaves na economia do país (empresas de economia mistas e estatais). Dilma tem entre seus conselheiros o nome Gerdau participante do Instituto Millenium).
Maioria no Congresso, cara pálida? O PT tem 88 deputados e mais uns 20 e mais uns 20 aliados de verdade. O resto o PIG continua elegendo Brasil à fora... PMDB PTB,PDT.. Onde está a maioria?
Pô, o Eduardo Campos e a Marina estão sendo bancados pelo Itaú.
A Globo também está por trás deles. Tem um time de comentaristas raivosos, que influenciam na taxa de juros sempre. Quando o governo a reduziu, foi o "caos" e teve que voltar a subir, por pressão de seus "analistas financeiros".
Então, que forças progressivas você está se referindo?
Vejam vocês, com "aliados" traidores deste jeito, o poder sempre continuará com o núcleo mais torpe do capitalismo, o mercado financeiro.
São esses falsos "aliados" que mantêm sempre uma maioria conservadora no congresso. elegendo "progressistas" como os que apoiam o Dudu Campos.
Pelo Itaú e pela Natura! Gente de peso!
Progressistas? Tipo André Lara Rezende? Eduardo Gianetti da Fonseca, conselheiros de Marina....Ah, Ta.
Só que não existiriam mercado financeiro e Estado sem povo com emprego e renda. E aí?
A melhor coisa que se tem a fazer com uma coisa autorreferencial é deixar ela se enrolar em si mesma. Esta atitude de confinamento, de enquadramento, trará consequências, mas a vida não é fácil mesmo. É como a condição chamada de "a louca da casa". Um louco é a própria definição de autorreferência. Uma parente louca, digamos uma cunhada, há que se tolerar dentro de casa, mesmo porque os hospícios não a aceitariam, e de vez em quando, de forma incontrolável e imprevisível, ela surta, quebra tudo, se autoflagela, é um risco para os outros. Mas o que se há de fazer. Não tem conserto. É esperar morrer. Enquanto isso um governo que não se deixa capturar pela loucura do capital e do mercado, usa-o como mecanismo do dia a dia das tarefas e vai tocando o barco, cumprindo as metas maiores e submetendo o capital aos seus princípios políticos e ideológicos. Terá a Dilma capacidade de fazer isso? Esta entrevista aponta sombriamente para um não.
Se nao me engano, o Beluzzo é primo da Zélia,aquela do Collor,e dava conselhos prá ela(se nao me engano!).
Acho também que ele era presidente do Palmeiras quando o time caiu para a segunda divisao(acho!)
Será que nos dois casos(se nao me engano! ou acho!)eu tenho razao!
De qualquer forma cuidado com o que diz o Beluzzo.
José Emílio Guedes Lages-Belo Horizonte
Enfrentar o sistema financeiro é necessário e urgente, mas, só vai ocorrer, se ocorrer, em 2015.
Não foi bem assim. O governo, PT e aliados, pegou o Brasil com uma taxa de juros de dois dígitos e foi diminuindo-a gradualmente, até ponto há muito tempo não visto no pais. No meio do processo, teve a crise de 2008. Segurou mais um pouco, mas os estímulos que valeram ao Brasil passar sem recessão esse período, abalou um pouco as contas públicas, o que por sua vez, suscitou uma relaxada na taxa. Mesmo assim, nosso nível de reservas cresceu, e a dívida em divisas é praticamente inexistente. Não vejo assim, como pinta Beluzzo, essa submissão inexorável à banca. Tanto é que ainda reclamem. A taxa de câmbio, mesmo administrada pelo governo, no entanto sem intervenção extemporânea e extra mercado, no entanto, deve sua formação basicamente a fatores externos.
Nunca consegui compreender como funcionavam exatamente as "Contas Mefo".
Parece coisa tirada da cartola.
Tá aí bem explicado o por quê de o governo dever ser o poder maior, é que cada um dos representantes do capital trabalham ferozmente na defesa dos seus próprios interesses enquanto o governo olha e trabalha por todos. Dá--lhe Dilma, a maioria tá com você.
My God!!! De onde surgiram esses comentaristas?????? Devem ter ido para o Uruguai e experimentado alguma coisa legalizada, piraram. Eduardo Campos cooptando os progressistas do banco Itau, bob freire e sua turma, bomhausen, agripinos??? Tenha paciência. Os argumentos do José Emidio, então.....Pela parte da entrevista aqui publicada, nada de mais, é queda de braço, quem pode mais chora menos, é a tal da correlação de fôrças. Não vi Belluzzo se contrapor a ninguem, disse que, quem tem fôrça manda. Dilma não iria arriscar nada no fim de mandato, enfrentou, se impôs, se recolheu. No segundo mandato, aí o bicho vai pegar, na campanha vamos poder sentir. Ela preparou o caminho, os leilões da Petrobras, das rodovias, dos aeroportos, ela é foda. Vamos ver a campanha, o programa, eu acho que o PT vai para cima, vai ter que ir. A guerra vai ser braba, pior que Leningrado. É bom nos preparar, a coisa vai ser feia. Se na campanha estiver LULA, Belluzzo, Leandro Fortes, Franklin, mais alguns, vai ser de arrebentar.