A festa do fim do mundo

 

O Fantástico mostrou ontem “baladas clandestinas” em São Paulo que chegam a reunir mil pessoas em ambientes fechados, sem máscaras, nas barbas (e nos bolsos) de quem deveria estar zelando para que não se formassem focos de transmissão do coronavírus, ainda mais quando temos um repique dos casos e mortes pela doença.

Não é só lá, como mostra meu velho amigo e jornalista, nos últimos tempos, dedicado a cobrir a pandemia, Paulo Henrique de Noronha. Ele me escreve sobre sua visita virtual a “outro planeta, onde não há Covid-19”, que fica aqui mesmo, no Rio, onde atingimos, ontem, a marca de 92% de ocupação dos leitos de UTI destinados aos casos graves da infecção pelo Sars Cov-2.

É o planeta das empresas produtoras de festas, com a parceria direta de espaços de eventos, empresas de buffet e DJs e músicos diversos.

Lá, onde não há coronavírus, eles estão organizando dezenas de festas de Réveillon, sem se preocupar com a aglomeração que isso irá causar, com pessoas alegrinhas pelo álcool e a música alta, todo mundo sem máscara e sem distanciamento social. É um criadouro de novos infectados pela Covid-19.

Tudo, provavelmente (e muito obviamente), autorizado pela prefeitura, pela PM, pelo Corpo de Bombeiros, pelas autoridades sanitárias. Se não tiver autorização direta, de papel passado, tem a indireta, pela omissão de atuação e fiscalização, ou via propina para fingir que não sabia de nada.

Alguém aí já deve ter lido na imprensa que a Covid-19 está voltando com força total. Em verdade, ela nem tinha ido embora, apenas estava ali quietinha no seu platô de conforto, segurando a média de novos casos e novos óbitos num patamar alto.

Agora, no fim do ano, constatamos que enorme número de profissionais do entretenimento festivo quer ir à forra depois de vários meses inativos, pouco se importando se colocarão a vida de pessoas em risco.

Acham que eu estou brincando? Essa arte (a do alto do post) eu fiz com festas de Réveillon oferecidas em apenas um único canal de venda de ingressos, o Sympla, um dos mais badalados. E selecionei apenas festas do Rio de Janeiro: há muitas outras em Maceió, São Paulo, Porto Seguro, Amazonas, Floripa, várias cidades do interior de Minas e São Paulo, Piauí, Pirenópolis e Caldas Novas (GO), Pará, Paraná, Salvador, Recife…

É uma crônica da tragédia anunciada. A gente precisando de um novo lockdown para deter essa nova circulação do vírus, e empresários inescrupulosos seguem investindo no lucro a qualquer custo. E, pior, multidões de pessoas loucas para aglomerar fingindo que não existe pandemia vão pagar uma quantia significativa (os ingressos começam sempre em 350 reais, e alguns passam de mil reais) para participar dessas festas do fim do mundo.

A falta de liderança e de governantes íntegros e comprometidos com o bem-estar da população vai custar muito caro a muitos brasileiros.

É claro que, na véspera da eleição e com Prefeitura e Estado dirigidos pelo negacionismo bolsonarista, “vai rolar a festa e vamos ver no que é que dá…”

Isso se a ressaca desta onda não nos engolir antes.

Fernando Brito:
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