Mariana Agunzi e Karime Xavier, na Folha, e Felipe Pereira, com fotos de André Porto, no TAB/Uol, na contramão do economês, mostram como a fome está gritando enquanto nos círculos do poder se discute tetos e orçamentos.
Mariana escreve sobre como nos bairros periféricos de São Paulo – sim, fala-se de São Paulo, não de um cafundó remoto do Brasil – pessoas pobres estão transformando em rotina, a única possível, comer o que vai para o lixo.
Maria Lúcia Monteiro, 59, moradora do Jardim Papai Noel, come com doações e restos de lixo:
“Quando eu acho feijão ou arroz no lixo, eu trago para comer. Ontem encontrei mortadela mofada; raspei, fritei e comi. Tem coisa no lixo que tem até bicho”.
“Já aconteceu de eu comer lixo e passar mal, mas agora é mais difícil. O organismo já está acostumado”, diz Tiago de Santana.
Felipe vai aos postos de Saúde da mesma periferia, e ouve médicos e médicas relatarem de que doença padecem muitos de seus pacientes: fome.
Relato sobre relato, somam-se histórias dramáticas até de grávidas que não comiam havia dois dias.
Médica da UBS Jardim Campinas, também na região sul da capital, Daniela Silvestre viu entrar em seu consultório, em junho, uma grávida de 30 anos que cambaleava. Olhos fundos, boca seca e muita magreza. Ela perguntou se a paciente usara drogas ou se havia bebido. Arregalou os olhos com a resposta da mulher. “Não. Você não tem nada para eu comer? Eu preciso comer.”
Se na economia estamos na base de tetos e PECs, na política, os agentes mais importantes ficam nas discussões de um moralismo mais do que falso, porque carregado de segredos e ambições, nas beiradas das metrópoles, o que ronca é a barriga e, mesmo para quem tem algo dentro dela, dói nos olhos.
Essas cenas irão para a campanha eleitoral e não faltará aos indiferentes rotulá-las de demagogia.
É bom lembrar, porém, que a fome vota.