A ideologia dos brasileiros, segundo a Folha

“No Brasil, há uma quantidade bem maior de eleitores identificados com valores de direita do que de esquerda. O primeiro grupo reúne 49% da população, enquanto os esquerdistas são 30%.”

Assim tem início reportagem da Folha publicada há alguns dias, comentado o resultado de uma pesquisa do Datafolha (íntegra aqui) sobre o perfil ideológico dos brasileiros. Puro wishful thinking, o que em bom português significa: auto-enganação, ou tomar seus próprios desejos por realidade.

É evidente que os resultados são polêmicos e urge que as universidades intervenham nesse debate, oferecendo parâmetros mais consistentes do que os usados pelo Datafolha. O instituto admite que está usando o paradigma norte-americano, do Instituto Pew, o que é, obviamente, questionável.

No caso do Brasil, os números do Datafolha apresentam inúmeras contradições.

Os eleitores de esquerda, em sua maioria (56%), são eleitores de Dilma, segundo o instituto. O mesmo Datafolha, em outra pesquisa divulgada semana passada, informa que é na esquerda que Dilma obtém os melhores índices de aprovação (47% de Ótimo/Bom).

Ainda segundo o mesmo Datafolha, o PT é partido, de longe, preferido pelos brasileiros que admitem alguma preferência partidária: 18% dos entrevistados preferem o PT, contra 6% PSDB, e 0% DEM.

Me parece claro que os parâmetros usados para definir o “direitismo” dos brasileiros são um tanto artificiais. O artificialismo ganha ares de farsa quando aplicados indistintamente a diferentes classes sociais e a pessoas com níveis de instrução muito distintos.

As questões oferecidas na pesquisa foram as seguintes:

(clique na imagem para ampliar).

A distorção é gritante, para dar só um exemplo, na pergunta: “Acreditar em Deus torna as pessoas melhores”. Segundo o parâmetro do Datafolha, quem responde sim é de direita, quem responde não, é de esquerda. Isso não tem sentido. Eu mesmo, que me considero de esquerda, poderia responder sim a esta pergunta, após uma tarde relendo Espinoza, para quem Deus é um princípio filosófico fundamental, ligado à própria vontade humana.

Revendo os detalhes da pesquisa, na verdade, eu chegaria a conclusão oposta: a grande maioria dos brasileiros é de esquerda.  Veja essa pergunta:

68% dos entrevistados apoiam a vinda de trabalhadores pobres de outros países e Estados, contra apenas 25% que acham isso um problema. Isso é uma posição de esquerda.

Além disso, o questionário oferece respostas binárias que, além de não alcançar a complexidade dos temas, sequer estabelecem uma polarização coerente. Por exemplo, a pergunta sobre sindicatos:

47% de apoio aos sindicatos é um índice fenomenal. Quanto aos 48% que acham que sindicatos “servem mais para fazer política”, temos uma confusão semântica na própria pergunta. Por acaso, “fazer política” é negativo? Considerando que o sindicato é o único meio pelo qual um trabalhador tem chances de conquistar uma posição política, não tem sentido considerar “fazer política” uma coisa negativa.

Para mim, o melhor critério para se identificar a preferência do eleitor é o voto. Primeiro porque é universal. Não são 2.000 pessoas entrevistadas, mas 150 milhões de eleitores. Segundo porque não implica em abstrações filosóficas ou morais altamente complexas. Nesse sentido, a polarização nas últimas eleições tem sido saudável e cristalina como água: a maioria dos brasileiros votou na esquerda.

Fernando Brito:

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  • Alguem poderia me explicar o que vem a ser "valores de direita" e "valores de esquerda". Seram o dolar e o yuan?

    • Se explicassem que valores de direita são, dentre outras coisas terríveis, governar para as elites, revogar direitos trabalhistas, não criar e extinguir os programas sociais que existem, promover o desemprego, o arroxo salarial, comprar a grande imprensa e roubar na casa dos bilhões, etc., o resultado da pesquisa seria bem outro.

  • Critérios ridículos, típicos do debate enviesado lá dos Estados Unidos, que querem transplantar para cá.

    Eu sou de esquerda, roxo, doente, e tenho as seguintes posições em relação a algumas das perguntas listadas:

    - Acredito que ter uma arma legalizada deveria um direito. Votei NÃO no plebiscito de 2005. Acredito que o trabalhador deve ter o direito de ter uma arma para se defender, se assim o desejar, desde que comprove ter condições psicológicas de possuir uma arma, atestadas em laudo profissional.

    - Acredito que a maior causa da criminalidade não seja nem "a falta de oportunidades", e nem "a maldade das pessoas". A causa da criminalidade está nos valores sociais que preconizam o individualismo, a busca por "se dar bem a qualquer custo", combinada com a certeza da impunidade, o que leva um número elevado de pessoas a buscarem "se dar bem", conseguindo dinheiro para comprar aquilo que querem, sem terem que "ralar" feito "manés", a partir do momento em que percebem que o "custo/benefício" da atividade criminosa compensa, já que percebem que a impunidade prevalece no país. Resumindo tudo na letra de um funk "Ai meu deus, como é bom ser vida loka!"

    - Acredito que adolescentes que cometem crimes devem ser punidos como adultos, até porque é assim que acontece na Escandinávia, onde a maioridade penal plena acontece aos 15 anos de idade (na Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia). Tem que ser muito mané para acreditar que hoje em dia um garoto de 15 anos tem alguma diferença para um de 18. Hoje em dia não tem mais nenhuma criança aos 15 anos, todos sabem perfeitamente o que estão fazendo, e entendem muito bem a diferença entre certo e errado.

    E aí? Essas minhas posições, que poderiam até coincidir com a do Datena,, me tornam um "direitista"?

    Meio difícil, pois nesse caso eu seria um "direitista" que é a favor do casamento gay, a favor do Bolsa Família e outros programas de assistência social, a favor da intervenção do Estado na economia e contra a ideologia privatista que diz que o "mercado" tem que resolver tudo, a favor da liberdade sindical e do direito de greve, e a favor da descriminalização total de todas as drogas, incluindo a cocaína.

    Estranho tipo de "direitista" eu seria, né?

    E não, o fato de eu responder algumas perguntas de uma forma, e outras perguntas de outra forma não me torna um "centrista". Eu sou de esquerda, assumido, e luto ativamente contra a direita.

  • Dentro da cultura religiosa brasileira, muitos respondem ser de direita porque, além de lembrar o que é relacionado com o certo, correto, esquerda faz lembrar o símbolo do mal, o "coiso".

    Se explicassem o que é ser de direita e esquerda, no contexto político, essa pesquisa daria resultados bem diferentes. Se, por exemplo, explicassem de forma bem resumida que esquerda é Lula e direita é FHC, alguém duvida que o resultado da pesquisa seria outro?

    E, no mais, essa pesquisa só serviu para mostrar que nem eleitor de direita gosta da direita política! O povo não é bobo.

  • Acho que estão confundindo conservadorismo com "ser de direita". Conservador, o brasileiro médio é...

  • No caso há um erro crasso: a pesquisa em si. Logo qualquer conclusão será submetida a erro.
    Em matéria de comportamento há liberais (de esquerda) e conservadores (de direita).
    Em matéria de economia há liberais/ do "tripé" (de direita) e intervencionistas/desenvolvimentistas (de esquerda).
    A tal 'pesquisa" não infere nenhum quesito econômico para determinar o campo das idéias.

  • Minha Saudosa Mãe (saudades) sempre afirmava: "Quem desdenha quer comprar". Fato.

  • Minha Saudosa Mãe (saudades) sempre afirmava: "Quem desdenha quer comprar". Fato.

  • Rafael Látaro. No seu rol de reinaldos e jabores, inclua também o PHA do conversa fiada. Todos defensores da privataria do petróleo e do leilão de amanhã. São jornalistas e não Trabalhadores como nós. PETROBRAS 100% estatal!!!!!!