Recebi ontem à noite, como comentário, o texto escrito e postado em seu blog pelo jornalista, editor e amigo – a quem mais de uma década de ausência física não nos afastam – Luiz Augusto Erthal sobre os bastidores que descrevi aqui do histórico direito de resposta de Leonel Brizola no Jornal Nacional, em 1994.
Passei alguns minutos de constrangimento.
Não publicar, publicar como comentário ou trazer para um post?
Não publicar seria uma sacanagem com meu bom amigo: escreveu para que fosse lido, é obvio. Quase o mesmo publicar como comentário, abaixo de dezenas de outros e lá, numa página atrasada pela voragem publicista minha e de Miguel do Rosário, que atira lá para trás um texto de três dias.
Trazer para um post, como faço, tem certo risco de cabotinismo, embora, no essencial, Erthal trate do tema como eu tratei e é a verdade: não era eu quem escrevia, era Brizola, do qual eu era um mero intermediário mental.
Mas tem dois aspectos dos quais eu não posso fugir.
O primeiro é enriquece a narrativa factual, porque lhe empresta a emoção, sem a qual os fatos são coisa alguma.
O segundo, é que retira dela a essência: a da lenha “guarda-fogo”.
Aquela que separa os que são vencidos daqueles que são apenas derrotados.
Agora já somos (ele mais do que eu, apesar dos cinco dias mais novo que é) homens de cabelos encanecidos, dos que já podem olhar para trás sem nunca tirar os olhos do que está adiante.
Há 20 anos no Jornal Nacional
Luiz Augusto Erthal
O relato de Fernando Brito sobre “o tiro que acertamos no cu de um mosquito” – no dizer de Leonel Brizola, a improvável vitória judicial que obrigou Cid Moreira a ler o seu direito de resposta contra a TV Globo, há exatos 20 anos – abre um baú de recordações e revelações que não se pode mais deixar fechado.
Aquela foi sem dúvida uma das mais espetaculares façanhas políticas e jornalísticas da qual tive o privilégio de participar – modestamente, é verdade – ao lado de um dos mais competentes e íntegros profissionais de imprensa que conheço. Durante uma boa dúzia de anos vivi a aventura de colaborar com Fernando Brito, como seu fiel escudeiro, na assessoria de imprensa do Brizola, dentro e fora de seus dois governos no Estado do Rio.
Partilhamos lutas e sonhos numa posição da trincheira difícil de se estar, lutando contra inimigos poderosos, tentando romper, mesmo que em pequenas brechas, a muralha de cinismo, hipocrisia e mau jornalismo erguida pela grande imprensa ao longo desses últimos 50 anos para tentar impedir o reencontro do povo brasileiro com a sua história. Na esteira dos anos de chumbo, a mídia e as elites criaram os anos de silêncio, cassando a palavra de líderes como Brizola (lembro de um casuísmo do TSE nas eleições estaduais de 1986 que chegou a proibir a presença dos governadores – leia-se Brizola – na propaganda eleitoral gratuita, quando Darcy Ribeiro disputava o governo fluminense contra Moreira Franco).
Aí entraram os tijolaços e as nossas quixotescas tentativas de buscar pelas vias judiciais os espaços que nos eram negados na mídia. Estas, na maioria das vezes, esbarravam no facciosismo do judiciário, depois de nossas respostas serem solenemente ignoradas dentro das redações. Eu mesmo cumpri algumas vezes o papel – apenas formal – de entregar pessoalmente na redação de O Globo textos que dali iam diretamente para a cesta do lixo, antes que os enviássemos aos tribunais.
Cabia ao Brito compor esses textos, ora ao lado do Brizola, mas muitas vezes a duas mãos apenas. E não só os tijolaços e os pedidos de direito de resposta, mas muitas peças de campanha e manifestações políticas que levavam a assinatura do Chefe. O processo era exatamente como descrito por ele em seu artigo. Uma sintonia perfeita com o estilo discursivo e o pensamento político de Brizola o levava a incorporá-lo. Sem qualquer insinuação metafísica, parecia mesmo ser tomado por ele.
Brito não apenas redigia, com o nosso auxílio, pois nesses momentos preferia discursar, cabendo-nos a tarefa de transcrever, com um ou outro debate sobre algum ponto do texto. Ele o sentia. Gerava-o sofregamente. Experimentava a dramaticidade daquela argumentação empírica, como o próprio Brizola a definia, às vezes até às lágrimas.
Recordo que, às vésperas da eleição presidencial de 1989, naquela que nos parecia, e era, a última grande encruzilhada histórica deste país, ele vomitava um artigo para ser publicado em O Dia na própria data do pleito. Lembro da última frase, que fechava o artigo mais ou mos assim: “Hoje, quando saíres de casa, olha para os olhos de teus filhos, de teus netos, me dê a tua mão e vamos juntos em busca do nosso destino…”. Na sala do Edifício Orly, onde ficava o nosso bunker, nossos olhos marejavam enquanto Brito corria, soluçando, para o banheiro.
Não, ele não era um ghost writer qualquer. Era, na verdade, a única pessoa capaz daquilo. E, a meu ver, por três razões conjugadas: primeira, por seu grande talento de redator; segunda, e mais importante, pela incorporação do pensamento, da identidade e da fidelidade política do próprio Brizola; e, terceira, sem a qual as duas anteriores de nada serviriam, por merecer a confiança absoluta do Chefe. Coisa para bem poucos dos que serviram a Brizola ao longo de sua trajetória.
Vivemos e choramos até hoje os nossos fracassos. Naqueles idos de 89 sentíamos como se fôssemos a última linha de defesa da histórica bandeira política do povo brasileiro – o Trabalhismo. Vi o grande Doutel de Andrade prantear, pouco antes de morrer, repetindo insistentemente: “A nossa geração fracassou!” Vi Darcy, também antes de partir, confessar os seus fracassos: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Muitos de nós, como eu, ficamos em determinado momento desesperançados e ensimesmados. Precisávamos encontrar nossos caminhos, e para jornalistas como eu, Apio Gomes, Osvaldo Maneschy e outros companheiros da mesma trincheira de Fernando Brito, dificilmente eles poderiam passar novamente pelas redações dos grandes jornais. Mas ao olhar para o que ajudamos a fazer há 20 anos, fica a sensação de que aquela fenda na muralha de cinismo continua aberta, minando essa estrutura iníqua até que ela um dia caia de podre.
Os vários arquivos que reproduzem no YouTube o direito de resposta conquistado por Brizola contra a TV Globo em 1994 somam centenas de milhares de exibições e continuam sendo visualizados a cada dia por mais pessoas. E quantas das muitas mentiras da Globo levantadas contra Brizola naquela época ecoam ainda hoje? Foram sepultadas para sempre no limbo da história.
Ao rever a cara de bunda do Cid Moreira passo a pensar menos nos nossos fracassos e mais em uma das grandes imagens do Brizola, o único talvez que nunca admitiu o fracasso – a da lenha guarda-fogo. Ele dizia que nós, trabalhistas, somos como aquela tora mais grossa da fogueira do gaúcho no pampa, que guarda uma centelha de chama no seu interior mesmo quando não se vê. Durante a noite, a fogueira parece ter-se apagado. Mas, pela manhã, o gaúcho se levanta e assopra as cinzas, fazendo rapidamente levantar novamente o fogo necessário para a sua jornada.
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Bom Dia
Mesmo sendo um bom dia, isso é covardia...Assoprar esta brasa em nossos corações, assoprar esta brasa de nossas memórias, é como fazer viver de novo. Talvez seja esta a sua vontade e do Sr. Erthal, mostrar que se vive apena uma vez e então temos de fazer desta vida algo melhor que alimentar ódios, curtir ressentimentos. Ora senhores, estamos vendo todos estes anos depois a prova de aquele dia não acabou. Os ressentimentos aí estão; gente destilando ódio pela vergonha de nada ter feito pelo seu país, pelo seu povo, quando tinha um poder sem limites. E pouco ou nada fez. Melhor seria cultivar o ódio pelo populista, pelo caudilho; assim não haveria o ônus da consciência. O "medo da liberdade", diria Erich Fromm, o mesmo medo que levou a apoiarem o nazismo e seguir um sanguinário, desandou a massa em ódio. Nada se fez, até mesmo aqueles que se envergonhavam da baixeza da tortura, nada fizeram, ou preferiram cooptar.
O velho guasca não tinha medo, não fugia a peleia.
Inspirou muitos, e muitas também, ora vemos.
O mínimo que posso dizer esta manhã é dizer, oigalê.
Vamos riscar o caminho, lutar a luta que se aproxima, ou já está aí aguardando os velhos, os dispostos a defender a nossa querência.
Obrigado Brito, por mais um grito.
A cidadania nao se conquista em uma, duas ou tres geracoes. Vitorioso e quem se embrenha na selva da iniquidade abrindo a estrada. Do futuro.
Esse texto soprou minha brasa. Lutemos por um Brasil mais justo.
Brito, sem constrangimentos!...
Você, em sua grandeza, merece cada parágrafo, cada linha, cada vírgula do relato de seu amigo.
Abração, e obrigado por tudo!
Puxa, Tina! Era exatamente isto o que eu gostaria de dizer. Obrigado.
Ele tem razão o Fernando tem um texto maravilhoso, é mordaz e poético ao mesmo tempo.
Esta brasa está em Dilma. Quem vai soprar? Quem sabe Carlos Araujo...
Parabéns!
Mais uma pérola do Tijolaço, agora, através do sr. Luiz Augusto Erthal.
Cada vez que eu leio esse blog, lamento, cada vez mais, a ausência que o Brizola faz nos tempos atuais...
Verdade. Nunca fui pedetista, mas impossível não sentir saudade do velho Briza. Muitas vezes penso "o que Brizola diria ou faria diante de tal coisa?". Acho que foi daí a simpatia imediata com o "Tijolaço" e seu autor. Algo ficou do Brizola no estilo do Brito, aliás, como não ficaria? Mas não só no estilo, nas ideias também. É ótimo que seja assim: através do Brito e de seus amigos, esses grandes brasileiros, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, continuam conosco um pouco ainda. As mentiras continuam sendo despejadas pelos mesmos jornais e tvs, mas tb vão sumir no limbo. Graças a todos os lutadores que vieram antes de nós, graças aos que seguem lutando apesar das mentiras, das baixezas espantosas, estamos mais espertos, não fomos derrotados e nem seremos, apenas aconteceu que eles, Brizola e Darcy Ribeiro, tiveram de partir mais cedo.
Esses são os motivos de estarmos aqui diariamente, realimentando nossas chamas...
Brito e Erthal, estou escrevendo com os olhos marejados. Vocês me fizeram voltar aos meus tempos de militante pedetista, numa época em que valia a pena militar no PDT. Lembro-me de quando fui apresentado a Brizola, levado pela mão de Jackson Lago, grande figura.
Hoje, embora não milite mais, procuro manter acesa em mim a chama do idealismo e do amor ao Brasil e ao seu povo, que eram as marcas registrada do grande Briza. Textos como os de vocês ajudam muito nisso. Obrigado.
Vai ser ótimo assistir o PiG quando a Dilma se reeleger pois quando ela ganhou a eleição de 2010 os comentaristas do G1 disseram: “É… parece que vai continuar esse governo”. O William Waack tava com uma cara que parecia que tinha feito totô nas talças e o Willian Bonner piscava num tique nervoso de dar dó.