A lista

Revelo, hoje, um segredo meu, porque  nele há um sonho e uma preocupação com meu país, tão dividido e intolerante pelos ódios que se formaram, de uns anos para cá e que parecem ter chegado ao paroxismo.

38 anos atrás, ainda uns guris – na maioria, porque havia mais velhos – 40 jovens se encontraram numa sala da Escola de Comunicação da UFRJ, um prédio antigo na Praia Vermelha, de pé-direito enorme e um pequeno jardim, com uma fonte no meio, num prédio que D. Pedro II, talvez por antevisão, havia usado como sanatório para loucos.

Éramos diferentes, nunca agimos ou pensamos todos igualzinho, ainda mais que naqueles tempos roupas e cabelos eram tudo, menos padronizados.

Com um mês de aulas, fomos surpreendidos pelo “Pacote de Abril”, ao ato de Geisel que fez o que muitos que não conheceram aquela época inconscientemente pede: fechou-se o Congresso.

Participando ou não do chamado “movimento estudantil” , naquele microcosmo de uma turma de faculdade, todos nos amamos e amamos nossa juventude.

Não havia, óbvio, internet, mas demos um jeito.

Fizemos na sala um mural onde – genial – a turma se dividiu em dois partidos jocosos. O MAU – Movimento Anarquista Universitário – e o BEM, genial criação de meu  bom amigo Álvaro, precoce e dramaticamente morto, que vinha a ser o “Bloco de Extermínio ao MAU”.

Ali, aprendemos a escrever,redigindo manifestos, poesias, delírios e asneiras, sem a menor preocupação de sermos “politicamente corretos”.

Como é natural, algum tempo depois nos separamos: havia o trabalho, as crianças vieram, com elas as fraldas a trocar – não era essa moleza de descartáveis, naquele tempo – e a busca pelo que seríamos. Procura, muitas vezes, distante, porque, pelo trabalho ou pela necessidade ou pela origem, espalhamo-nos do Uruguai à Alemanha.

Então, veio a internet, ainda sem feicibuquis e tuíteres, eram simples e-mails em uma “lista”.

Há uns 15, 16 anos, servimo-nos dela para nos reunirmos, não naquela “festa” anual – nada contra, as fazemos também – mas no dia-a-dia, com as possibilidades de cada um.

Um de nós – o mais discreto, o mais gaiato e o melhor texto entre nós, ainda que nunca tenha sido jornalista profissional – tomou a frente e foi juntando a “boiada”.

Nada fácil, a princípio, porque, como disse, não havia esta interação universal das redes.

Embora a procura fosse difícil e incluísse até o além: um de nós só foi localizado porque, com artes de jornalismo e espionagem, localizamos sua mãe, que nos contou de sua morte. Quando nos encontramos, ela fez questão de nos levar a última garrafa de uísque que ele abrira para ser tomada com os amigos de quem sempre falava, com consequências que me dispenso de detalhar, porque descambam para o espiritismo.

Robertão, com seu sobrenome aristocrático, seu Puma (um must, na época), suas botafoguenses incursões  no Morro do Salgueiro…

Nunca mais cometemos o erro de nos afastarmos e volta e meia fazemos nossos encontros, bem difíceis de compreender para os que não sejam psicanalistas ou generosos.

Num deles, em minha casa, meu filho então adolescente me puxou num canto e, falando do fundador da lista, falou-me: pai, esse cara não pode ser diretor de multinacional. Era…

Depois, pediu licença para nos escrever dizendo que tinha sido muito legal perceber que seu pai “já tinha sido jovem”, porque já era “velho” quando ele nasceu…

O exercício da leveza, da delicadeza, da diferença, entre nós, nunca foi um sacrifício, é um prazer.

Quase todos os dias nos falamos, comentamos e compartilhamos coisas, agora no Facebook, num grupo “secreto” de 33 “membros e membranas” como gaiatamente nos definimos , que nem pode ser achado em pesquisas.

É nosso, só nosso, com apenas duas exceções para integrantes da “turma inferior”, gozação que fazemos sobre os colegas que entraram no segundo semestre.

Quanto mais envelhecemos e mais entendemos o “sic transit gloria mundi”, mais nos aproximamos.

Planeja-se até, para quando chegar a senilidade, um “asilo” em comum, estranho e delicioso retorno ao ex-sanatório onde a juventude nos reuniu.

Há gente de direita, de esquerda, gente que votou na Dilma e votou no Aécio. Gente que acredita no capitalismo e gente que segue socialista. Algumas vezes, por coincidências terríveis, alguns de nós nos vimos metidos em situações que nos opuseram fortemente.

Mas não há e nunca houve selvageria, ódio, intolerância.

Podemos odiar o preconceito, a injustiça, a maldade, as idéias.

Não às pessoas. As pessoas devem ser amadas, sejam como forem.

É perfeitamente possível sermos diferentes e sermos uma comunidade.

É possível praticar a democracia, que parece ser algo que estamos desdenhando.

Por isso, hoje, divido publicamente esta minha experiência e, com toda a sinceridade, uma das melhores coisas de minha vida.

Nestes dias de intolerância, que bom poder sentir e viver a fraternidade, ao menos na grandeza simples da nossa miniatura de país.

Fernando Brito:

View Comments (25)

  • Muito bom Fernando, a mídia ajudou muito a produzir esse ódio entre as pessoas.

  • Eu entendo(?) a intenção do texto de pregar a tolerância, mas soa inocente e "bobinho" para os dias de hoje.

    As pessoas são fruto de seus interesses,das suas experiências de vida,próprias da sua geração.

    Vejo hoje pessoas de mais de 50 anos,que sempre foram despolitizadas pregando a mesma intolerância e ódio de jovens que também são analfabetos politicos.

    Se igualam pela ignorância.

    Faltou "ensinar" política,e sobrou somente a exploração generalizada do que há de pior nela,e pela sua parte na omissão o pt está pagando seu preço .

    A intolerância e ignorância são irreversíveis, foi criado um exército de zumbis, velhos e jovens, eles são o retrato da banalização dos fatos via redes anti-sociais,da despolitização generalizada.

    Nem o senso de humor caracteristico do brasileiro comum em tratar suas dificuldades e problemas esta sobrevivendo, sobrou somente um lampejo "émeuszovo".

    O Brasil está se dividindo e nunca mais será o mesmo.

    Eu já vivo o novo tempo,em que em vez de procurar antigos conhecidos e amigos,não vejo a hora de me livrar deles,tão insuportável se tornou carregar estas malas.

    Que Deus permita que hoje ou no futuro o país não descambe para a violência generalizada, o caos é o que desejam os alienígenas que sempre se apropriam dos restos depois dele.

    • Eu também entendo o que você diz, mas aprendi que esconder os bons exemplos e exaltar a selvageria, tarefa á qual nossa mídia se entrega diligentemente, ajuda a mover o processo que você relata. Eu faço a minha parte, aliás, meu dever, de dizer que é possível não ser assim.

    • Sou um privilegiado por ter acesso aos seus escritos no seu site, Fernando.

  • É bom deparar com um texto tão significativo, tão leve num dia em que parece estarmos entrando na divisão típica dos tempos sombrios. Turquia, Egito, Venezuela, UcrÂnia. Tudo inflado pela CIA, propaganda maciça, mídia golpista e corrupta, dinheiro sujo para provocar a cizânia. Como Brancaleone tivemos nossa 6a feira corajosa, pacífica, sem cobertura espetaculosa de televisões, sem especialistas para inflar nosso lado nem para criticar. Hoje, mais do que nunca não darei IBOPE para a mídia golpista tupiniquim, mergulhada até o talo na lista do HSBC, internacionalmente conhecida. Embora já tenha passado no portal de notícias em que fico sabendo que a oposição resolveu se descabelar de vez e unida, pedirá o afastamento de Dilma com base nas declarações do bandido mais sujo que Al Capone ou o traficante mais temido da AL. É o dia do desabafo, da vingança, dos frustrados - humanos, é verdade, mas profundamente egoístas e inconsequentes. Já vimos esse filme antes, capitaneado pela mesma GLOBO que sonega, impõe autoritarismo sobre nossas políticas cotidianas, rouba nossos sonhos e nossas almas. Quero viver só para assistir, caso, ela ainda continue a exercer esse maldito poder, como vai dividir os lucros com seus parceiros midiáticos, seus intelectuais fakes e seus súditos midiotas. A divisão no palácio do Imaginário já começou ao atingir o Dines e a Folha, publicando parte da lista e Dines revidou. Estou começando a acreditar que não teremos vencedores desta vez.

  • O protesto "pró-impítimão" está acontecendo agora com mais pessoas do que o "pró-Dilma". Fácil entender: o pró-Dilma foi realizado fora das periferias, longe das pessoas que recebem os vales e as bolsas; não poderia ter muita gente mesmo. Já o pró-inpítimão está sendo realizado em frente aos prédios de luxo das várias capitais do País. Vai sair bonito na telinha da TV. Os pensadores???? do PT agora vão ter que correr atrás do prejuízo. Proponho novo ato pró-Dilma, mas nas periferias, nos bolsões em que Dilma foi grande maioria, é só analisar os dados do TRE.

  • Existe esse lugar chamado mundo,onde as pessoas se acostumaram em acumular bens,como se fosse o maior objetivo da vida...serei feliz rico !
    E existe um outro mundo,dentro,um lugar
    onde o tempo não passa,um lugar onde alguem se encontra e em todas as situações estará tudo bem,independente
    do que acontecer no mundo afora...
    e assim,passei por várias etapas e nunca encontrei esse mundo construido em um estilo de vida que fizesse alguem feliz,passam os dias as estações os amigos e eu não passei,continuo existindo no agora e a cada manhã o sol vêm em minha vida....simples.

    • Pietro, qui ed adesso e dentro. Não há paisagem além do que somos (Fernando Pessoa)

  • Só peço que todo esse ódio não resulte em uma gerra civil. Isso já aconteceu no Líbano e destruiu o país.

    • E se não acontecer, seremos explorados e aniquilados como nação, que um dia, almejou a grandeza no concerto das nações!
      O Brasil vive a Transição Demográfica e se não acontecer, atingir um elevado estágio de desenvolvimento nos próximos 15 anos, estará perdido para sempre e seremos uma nação de velhos e miseráveis, a definhar no florão da América!
      Forças poderosas agem para atrasar o Brasil e não permitir que a promessa não se realize de sermos o Pais do Futuro e uma potência mundial.

    • Reproduzo a frase que li neste ou outro blog: Com o tempo, uma imprensa cínica, medíocre, demagógica e corrupta, formará um púbico tão vil quanto ela mesma" Joseph Politzer

      • Há outra:

        "Se você não tomar cuidado a imprensa faz você amar o opressor e odiar o oprimido"

        Malcolm X

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