A mistificação sobre ‘juízo de garantia” é a prova da onipotência dos juízes

As ações judiciais das associações corporativa de juízes – contra a lei que criou a partição dos processos entre “juízes de garantias” – os que acompanham a investigações policiais e/ou do Ministério Público – e os juízes que, depois de acolhida a denúncia, fazem o julgamento propriamente dito estão cheias do autoritarismo que, desde há muito tempo e muito mais, nos últimos anos – tomou conta de boa parte da magistratura brasileira.

A história de que, por haver dois juízes atuando num mesmo caso, se exigiria o dobro de juízes para dar conta das demandas judiciais é algo sem pé nem cabeça.

O número de processo não aumenta, mito menos aumentam as etapas do processo. Apenas se divide entre dois magistrados a jurisdição que antes era de apenas um. É como argumentar que, passando de 500 g para um quilo o tamanho das embalagens de café teríamos de ter o dobro da produção do grão.

Se um juiz, hoje, “cuida” de mil processos, hoje, do princípio ao fim, de mil processos, cuidando de metade de cada um poderá cuidar de 2 mil. Digamos, atuuando como juiz de garantias em mil e de julgamento em outros mil. Basta que haja um pareamento de varas, dentro da mesma comarca ou com comarcas vizinhas que este processo será automático e, se dentro das regras, absolutamente simples.

E há uma exceção, importantíssima, excluindo deste sistemas os casos submetidos a Juizados Especiais Criminais, onde são apreciados casos de menor potencial ofensivo, com pena máxima de dois anos de detenção que, na prática, terão sua execução suspensa pelo famoso “sursis”, a suspensão condicional da pena. Nestes, as duas fases do processo, simplificadíssimas, correm à conta do mesmo juiz.

Não há alteração hierárquica, mas processual: as duas funções serão exercidas simultaneamente por todos os juízes, evitando-se apenas que o juiz, ao supervisionar – o que se transformou, em muitos casos, em comandar a etapa da investigação (inclusive seus atos de busca e apreensão, prisões preventivas, limitações liminares à liberdade, etc) – a apuração de possível crime seja o mesmo que avalie o resultado da apuração que dirigiu e, assim, possa deixar que aquele processo o torne naturalmente parcial.

É mais um aperfeiçoamento da figura jurídica dos “checks and balances”, os famosos “freios e contrapesos” que, desde Montesquieu, são regra clássica no Estado Liberal: “o poder é quem freia o poder”.

O outro argumento, o de que se trataria de uma invasão de proposição de mudanças na estrutura do Judiciário é igualmente frágil: não se cria instância, não se modifica competência, apenas cria-se um novo item de impedimento judicial: juiz que investiga não pode julgar, juiz que julga não pode investigar.

Claro que, no curtíssimo prazo dado para a mudança, alguns problemas podem surgir, mas nada que não se resolva rapidamente, com meras instruções normativas dos tribunais.

Mas por que, então, tamanha reação corporativa? Simples e compreensível para a maioria dos que conviveram com ações judiciais: muito juízes se tornaram “donos” do processo e passam a conduzi-lo apenas segundo as suas convicções ou orientações político-ideológicas e isso sofrerá limitações: um juiz “mão pesada” na instrução criminal poderá ser limitado por outro, mais equilibrado, na fase de julgamento e, ao contrário, uma investigação desidiosa poderá ser suprida na fase de interrogatório, com a produção de provas pelas partes.

E, claro, vai reduzir em muito o que todos sabem que existe, mas ninguém admite: a “panelinha” que acaba se fformando, em muitos casos, entre juiz e promotor(es).

Se ambas as situações foram vestidas como carapuças pela Lava Jato, mais uma razão para a mudança ser um passo à frente na administração da Justiça.

Fernando Brito:

View Comments (38)

  • A casta togada ,partícipe necessária no criminoso GOLPE,não quer perder ou compartilhar seus desejos de semi-deuses.
    Esta deformação precisa ser corrigida ,mas, não nos iludamos ,não existe garantía de que esta composição, irá eliminar OS DELINQUENTES SIMILARES A QUADRILHA DE PROCURADORES ,JUIZ E DESEMBARGADORES montada na farsa-jato.
    Na Argentina existe a figura do juíz de instrução e é quem comanda o processo investigativo,mas,não julga.
    Ainda assim o lawfare contra opositores políticos (sempre os mesmos,os tal de progressistas) foi praticado abertamente.

    • Perfeito. Os judiciários da América Latina, com seus palácios de mármore bregas e suas togas cheirando à naftalina, são dignos da seus antepassados, os Tribunais do Santo Ofício ibéricos. Como vampiros em suas capas negras, suas ações obscuras e casuísticas não inspiram respeito e segurança jurídica, mas, medo. E tem pavor da luz do sol.

  • PIMENTA: MORO É JUIZ DE "GARANTIAS" PARA O QUEIROZ E A FAMÍLIA BOLSONARO!

  • Em caso de ação trabalhista, quem recebe mais de R$ 2.300,00/mês terá que contratar advogado.
    Sem o "Mais Médicos", consulta com médico, só na grana
    Quantos novos juízes serão contratados depois desse pacote?
    Com o Golpe de 2016 esse remerdiados tinham certeza que se dariam bem. Aconteceu isso?
    Os consultórios estão cheios?

  • Vai dificultar a negociação , ao invés de compra um juiz , terá de comprar dois , não vai ser tão fácil . O grande problema é o relator no STF , o Fux , até seus pares sabem o que ele fez nos verões passados . Ele sempre " matava no peito e corria pra fazenda ".

  • A coisa só vai funcionar quando o povo puder julgar essa turma, e nem se reclame pois o poder emana do povo e por ele será exercido, nesse caso o povo o exerceria em prol da sociedade...

  • RESUMINDO, BRITO: O pior presidente da história do Brasil por larguíííssima margem, um ser escroto, tosco, primevo, ao admitir obliquamente que sim, é um criminoso, assim como um dos seus filhos, na ânsia de se defender de futuros processos criminais, impetrou a maior evolução processual que o Direito brasileiro teve no século XXI? Às vezes acho que tudo o que precisamos é de meia dúzia de canalhas com a corda no pescoço...

    • Perfeito.
      Nunca esse ditado esteve tão verdadeiro: "a males que vem pra bem".

    • Meia dúzia é muito pouco. Vide a tomada da Bastilha. Se você observar o0 que acontecia na França verá que estamos igual ou pior. Reis, Rainha , príncipes,banqueiros, etc e etc. Tudo igual ou pior.
      Se for pra dar uma melhoradinha só, vocês verão: faltarão postes para pendurar picaretas pelo pescoço
      Mas, enquanto não se varrer da face da terra gente como Bolsomerda e Trump, vão demorar a melhorar um tiquinho só.

  • Mesmo que efetivamente adotado, a probabilidade do juiz de garantias não garantir nada é muito alta, especialmente se a solução for mesmo esse simples compartilhamento e não a criação de um corpo exclusivo de juízes, como são os juízes de instrução na França e, creio, na Espanha também.
    Somos especialistas em burlar essas coisas, na base do você quebra o meu galho e eu quebro o seu. Exemplos: Nepotismo cruzado; pacto da mediocridade nas universidades; ajustes entre parlamentares do tipo “você assina na minha que eu assino na tua” (quase um filme pornô); juiz de piso bate, segunda instância abre a barreira, STJ desvia e STF engole o frango.

  • esse chororô dos "capa-preta" é jogo de cena pra enganar a patuleia. nada mudará, a cadeia continuará sendo destino dos pobres, pretos, putas e petistas. tome o caso da lava jato, alguém acredita que exista um único agente honesto naquela orcrim pra exercer o juízo de garantia?
    lá naquele esgoto fedorento e corrupto, metade dos processos seriam conduzidos pelo marreco, com a juíza copia-e-cola como "juiz de garantia"; a outra metade seria o inverso.
    o judiciário precisa passar por uma enorme reestruturação, a começar prendendo um número enorme de juízes, promotores, etc. não tenho a mínima dúvida: o judiciário é, de longe, o poder mais corrupto da república, muito além do executivo e do legislativo.
    ou o Brasil coloca muitos desses bandidos na cadeia ou seremos eternamente esse pais segregado.

    • Wagner, ninguém até hoje descreveu melhor minhas convicções a respeito do judiciário, parabéns!

  • Juízes estão numa encruzilhada, e podem consolidar ou perder o respeito da "sociedade" (o povo brasileiro) neste momento crítico, dependendo de suas atitudes. Quando Pinochet institucionalizou o golpe no Chile, tirou do povo todos os direitos, mas teve o cuidado de conservar todos os privilégios para os militares. Aqui, diz-se que houve uma nova forma de golpe, um golpe judiciário. E os juízes, como lhes parece justo, estão a esperar a aprovação pelo Congresso da sua lei da magistratura. Esta lei, como se já admitisse o fim do ensino público, concede aos filhos de juízes auxilio educação para pagar ensino em escolas e universidades privadas até os 24 anos de idade. Também consagra o auxilio moradia equivalente a 20% do salário, auxílio transporte quando não houver carro oficial, reembolso por despesas médicas e odontologicas não cobertas por plano de saúde e licença para estudar no exterior com remuneração extra. Como se vê, parece que os juízes se julgam merecedores do dobro daquilo que o povo vai deixar de ter. E logo deverão ser seguidos pelo Ministério Público, que também vai querer pular para o andar de cima, e não vai se conformar em ficar abandonado na planície poeirenta do Mad Max bolsonariano.

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