A trapizonga

As cartilhas de economia têm, lá no capítulo do be-a-bá, a lição de que subir os juros é o remédio para conter inflação, porque retira dinheiro de circulação – reduz demanda, favorece poupança financeira, aperta o crédito – e ajuda, assim, a evitar disparada de preços.

Estamos vivendo, proporcionalmente, um imenso choque de juros, que saíram de 2% ao ano para 12% (11,75% agora e ainda pelo menos um ou dois aumentos no curto prazo). Um salto de seis vezes, quase, o que se explicaria pela inflação de 10% no mesmo período.

Ocorre que, ao mesmo tempo em que se eleva o preço do dinheiro (os juros), injeta-se R$ 150 bilhões no mercado, pela via do pacote de bondades eleitorais destinadas à obra ciclópica de devolver as chances de vitória a Jair Bolsonaro. Parte por antecipação de despesas (antecipação do 13°), parte por subsídios, parte ainda pela ampliação do crédito consignado.

Embora uma parcela deste dinheiro não vá ser absorvido em consumo efetivo (e, portanto, produção e comercialização) e vá fluir direto da mão dos beneficiários para bancos, financeiras e concessionárias de serviços (água, luz, telefonia etc), pela redução da inadimplência que angustia milhões de família, outra vai para despesas cotidianas e, assim, dar corda aos aumentos de preço que a queda na renda, em tese, deveria estar contendo.

Mas não é assim e, na Folha de hoje, vê-se a inflação do mínimo essencial (a cesta básica) superar a inflação geral.

É evidente que não se está advogando por uma política que “mate de fome” (até porque já está matando) a população mais pobre. O problema é que isso se faz sem qualquer projeto que torne mais estruturada a economia, que amplie a geração de renda e emprego, que induza à elevação da qualidade de vida e tudo o que, além de aliviar o hoje, torne mais sólido o amanhã.

Não temos uma política econômica, temos uma “fatalidade inflacionária” que eleva o custo do dinheiro (e, claro, os ganhos do capital, inclusive o externo, que vem ganhar com taxas baixas lá fora e altas aqui) e que se amplifica com o argumento do choque de preços externos, como o preço do petróleo, a alta do valor das commodities que exportamos batendo nos preços internos e que tira com esta mão as bondades que, com outra o que o governo distribui, graças à alta da arrecadação provocada pelos preços mais altos.

Há uma palavra, embora não muito conhecida, adequada a descrever a gestão de nossa economia: trapizonga.

Diz o dicionário que é um “conjunto de coisas confusas, desordenadas” ou um “conjunto de trastes de pequeno tamanho”. Servem ambas para nossa suposta política econômica.

É uma trapizonga, consome energia, gasta recursos e produz exatamente nada, senão a continuidade da crise.

Ou pior.

Fernando Brito:
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