A vida dura de um blogueiro de “vida fácil”

Louvor em boca própria, dizia o D. Quixote de Cervantes, é vitupério.

Como texto de blogueiro é pessoal e intransferível, sempre constrangido pela velha (e, parece, ultrapassada) máxima de que “jornalista não é notícia”, tento fugir desta maldição.

Hoje, porém, na solidão típica do dia de Natal (o Natal, festa, é a noite da véspera), não quero falar do que fiz, neste blog, mas no que vocês, leitores, fizeram por mim.

Um filme, dolorosamente lindo, Johnny vai à Guerra, de Dalton Trumbo (um dos hollywodianos perseguidos pelo macartismo) que conta a história de um soldado que, no último dia da Primeira Guerra, é atingido por um morteiro e perde pernas, braços, visão, audição e fala.

E que aprende a se comunicar apenas pela sensibilidade do que resta do seu corpo. Num delírio final, Johnny sonha em ser exibido nos circos de “aberrações” da época por uma razão prosaica e profunda: “eu quero ser útil para as pessoas”.

Sem melodramas, a história de uma geração de jornalistas e militantes políticos guarda certas semelhanças com a de Johnny.

O pragmatismo – necessário e detestável, a um só tempo – da política partidária e social de alguma forma nos amputou os membros. A “imprensa alternativa”, dos anos 70 e início dos anos 90, definhou e morreu.

E o “pensamento único” que se assenhoreou da comunicação acabou, na mídia tradicional, tirou-nos visão, audição e, sobretudo, a fala.

A sociedade pós-moderna, massificante, trouxe, porém, suas contradições benditas, como as que Neruda resumiu nos versos sobre a guerra civil espanhola: “de cada buraco de Espanha sai Espanha”.

E um punhado de loucos resolveu expor-se no circo de aberrações da Internet.

Incrivelmente, milhares de mãos, milhões de dedos nos tocaram e quiseram e puderam perceber o que sentimos e temos a dizer.

Nos fizeram úteis.

O título original do filme – Johnny got his gun – dá melhor ideia do que quero dizer.

Ele, afinal, pôde pegar sua arma.

Embora ditos “malditos” e “sujos”, mesmo ouvindo que vivemos das benesses de governo (mesmo quando não recebemos dele um tostão), mesmo quando somos tratados como leprosos no mercado publicitário, conseguimos sobreviver desta utilidade, como o Cego Aderaldo pôde viver angariando trocados com seus versos.

E por isso, neste dia, só o que tenho a dizer é obrigado, muito obrigado por me fazerem ver a que é que se destina a minha vida pequenina.

Fernando Brito:

View Comments (91)

  • Fernando, a luta continua, contamos com a tua valiosa participação
    força e abraços

  • Fernando, muito obrigado!
    Você existe e resiste. Sua "fábula" sempre nos deixará uma bela mensagem de reflexão e respeito.

  • Um dia a história reconhecerá a força e importância desse movimento que fez frente aos barões da mídia. E teu nome estará lá.
    Forte abraço.

  • Nós, o Brasil e a democracia é que temos a agradecer. Simples assim.

  • FERNANDÃO, no livro do Piketty Pg. 76- ele conclui, em relação à evolução dos Países que se propuseram -através principalmente de seus Governos- a saírem do atraso e do Colonialismo dos Países Desenvolvidos, entre eles o Brasil:
    "- Esse processo de difusão do conhecimento não cai do céu: muitas vezes ele é acelerado pela abertura internacional e comercial (a autarquia não facilita a transferência tecnológica) e, sobretudo, depende da capacidade desses países de mobilizar os financiamenos e as instituições que permitam investir vastos montantes na formação de seu povo, tudo isso sob as garantias de um contexto jurídico para os diferentes atores. Ele está portanto , intimamente relacionado ao processo de construção de uma potência pública (um governo) legítima e eficaz. Essas são as principais lições, brevemente resumidas, que podem ser extraidas da investigação histórica da evolução do crescimento mundial e da desigualdade entre paises."
    O inverso deste pensamento é o que a Ditadura Militar, e a Rede Globo fizeram e ainda tentam perpetuar no Brasil.
    Lutar contra isto é ser "Jhonny" pelo BRASIL!
    Parabéns e saúde!

  • Eu agradeço em nome de Milhões de leitores Fernando, minha dependência em relação aos blogs sujos é semelhante ao de um viciado em álcool ou qualquer outra substância, não consigo mais ficar sem. Como educador transmito e passo adiante essa trincheira de resistência ao pensamento único da mídia nativa é preciso seguir lutando.

    Grande bj!

    • Faço minhas as palavras do Paulo.Gostava muito da visão do Brizola Neto mas vc entrou,com informações precisas do vazamento de óleo...disse quem,disse como e disse quem era.Sua apresentação foi brilhante.E para um jornalista brilhante nossos agradecimentos.Feliz Natal Brito e vc não está só!

  • Fernando, velho de guerra, o meu muito obrigado!!! Desejo a você e pessoas queridas um feliz natal.

  • Fernando, nós é que temos que te agradecer pelos constantes esclarecimentos naquilo que insistem em nos ofuscar.

  • Feliz Natal pra voce e sua familia, Fernando.

    E muito grato por sua imensa contribuicao para a manutencao e expansao da democracia e da justica social no Brasil; pela bela vitoria alcancada contra o barbarismo manifestado pela direita troglodita brasileira durante a copa do mundo e, principalmente, durante as eleicoes.

    Forte abraco, e que Deus o abencoe assim como a todos os que trabalham e tornam possivel a existencia deste blog; e a todos os que o leem.

Related Post