Adeus, reeleição. Por Paulo Noguera Batista Jr.

Volto a me aventurar pelo campo minado das previsões econômicas e políticas. As dificuldades são notórias. Há um ditado, célebre em Wall Street:If you have to forecast, do it often (Se você tem que fazer previsões, faça-as com frequência). Em política, as previsões são ainda mais temerárias. Por que fazê-las então? Não é difícil de entender. As decisões de hoje dependem criticamente da visão que se tem do futuro, por mais turva, por mais incerta. Todos tentam, com maior ou menor critério e sucesso.

Vamos lá então. É impressionante, leitor, como mudou o quadro prospectivo brasileiro em apenas dois ou três meses. Tanto para a economia como para a política, com a modificação das perspectivas políticas refletindo em parte a deterioração do horizonte econômico para o que resta de 2021 e para 2022. A decadência do governo federal se tornou mais evidente.

A economia continua se recuperando em alguma medida, é verdade. O nível da atividade vem aumentando, com efeitos positivos sobre a arrecadação tributária. Um crescimento do PIB da ordem de 5% parece factível em 2021, embora se deva ressaltar que a estatística interanual inclui um carry-over expressivo, como já comentei em artigos anteriores. Na margem, isto é, quarto trimestre de 2021 contra quarto trimestre de 2020, a taxa de crescimento será consideravelmente menor. O aumento do PIB ao longo do ano será pouco significativo, próximo de zero em termos per capita.

O ritmo de expansão econômica em curso não é suficiente para melhorar de forma expressiva o mercado de trabalho. O total de desempregados ficou em 14,4 milhões no segundo trimestre, segundo o IBGE. A taxa de desocupação (desemprego aberto) foi 14,1%, acusando alguma diminuição em relação ao recorde do primeiro trimestre. O nível de emprego cresceu, mas o seu efeito sobre a taxa de desemprego é neutralizado em parte pelo aumento da taxa de participação (definida como a relação entre população ativa – empregada ou desempregada em busca de trabalho – e a população em idade de trabalhar). O aumento da taxa de participação se deve, por sua vez, ao arrefecimento da pandemia e, também, à recuperação da economia, que aumenta as chances de que a busca de emprego possa ser bem-sucedida.

O que vem acontecendo em termos de atividade econômica e mercado de trabalho nos meses recentes está mais ou menos dentro do esperado. Houve, porém, surpresas muito negativas em outras áreas. Refiro-me à inflação mais alta e persistente e à crise hídrica e energética. A primeira é causada, em parte, pelos aumentos de preços da energia elétrica decorrentes da estiagem e do esvaziamento dos reservatórios. É verdade que a inflação e a questão energética já estavam presentes como preocupações há alguns meses. Mas o governo e os agentes privados foram pegos de surpresa pelo agravamento desses problemas. Ficou claro que existe risco de racionamento de energia, ainda que o governo insista em negá-lo.

O Banco Central corre atrás do prejuízo e procura recuperar o controle sobre a inflação, intensificando o aperto monetário e elevando mais rapidamente a taxa básica de juro. Isso deve arrefecer a taxa de inflação com alguma defasagem, mas ao preço de derrubar a taxa de crescimento do PIB para menos de 2% em 2021. Ao longo deste ano, a inflação vem corroendo o salário real, somando-se ao desemprego elevado, para reduzir a massa salarial e dificultar a retomada do consumo.

Para completar o quadro de dificuldades, o início do segundo semestre veio trazer sinais de deterioração do contexto econômico internacional, que vinha sendo um dos fatores a impulsionar a recuperação da economia brasileira. A disseminação da variante delta em várias partes do mundo mostrou que a pandemia está longe do fim, motivando revisões para baixo das projeções de crescimento econômico da China, dos Estados Unidos e de outros países importantes. Além de apontar para um ambiente menos favorável para a economia brasileira, as notícias da pandemia no exterior alimentaram também a percepção de que o Brasil ainda tem muitos riscos pela frente no enfrentamento da crise de saúde pública.

Por todos esses motivos, esvaiu-se a expectativa de que a economia poderia se constituir em trunfo importante para Bolsonaro na sua busca da reeleição. O que parecia plausível e até provável para alguns – a recuperação do governo graças ao fator econômico e ao avanço da vacinação – ficou bem mais distante. Quem contava com isso já pôs as barbas de molho. Tanto mais que o governo dá demonstrações seguidas de inépcia e fraqueza na condução da política econômica e das suas pautas no Congresso. Os tumultos em torno da reforma do Imposto de Renda, da questão dos precatórios e da ampliação do Bolsa Família, por exemplo, consolidaram a percepção de que o governo perdeu o rumo.

Cada vez mais isolado, Bolsonaro pode até nem chegar ao fim do seu mandato. A terceira via já percebeu há algum tempo que só é viável. Caso consiga sobreviver, o mais provável é o presidente da República que chegue na eleição desgastado e desmoralizado. É o que se pode esperar com base nas informações que temos.

De toda maneira, vale lembrar a advertência de Keynes: “The expected never happens; it is the unexpected always!” (O esperado nunca acontece; é o inesperado sempre!”).

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Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista “Carta Capital” em 3 de setembro de 2021.Paulo Nogueira Batista Jr. é titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017 e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.
Paulo Nogueira Batista Jr. , colaboração para o Tijolaço:
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