Ainda existe bom humor no país do mau-humor e dos ódios.
Ontem, no G1 do Amapá, publicou-se esta preciosidade.
Coisa mesmo do tempo em que brincávamos com o “laicá, nóis laica, mas money que é gud nóis num have“.
Quando a gente comia na barraquinha ou no trailler, e não no “foodtruck” e os bares da faculdade, na Praia Vermelha, eram o “Moscão”e o “Sujinho”.
Tempo em que ter um Fusca era a suprema felicidade e o chamávamos carinhosamente de “caidinho”.
No tempo em que ostentação era coisa de babaca e nosso amigo “rico”, o Robertão, como na música, dizia ter um barracão, à feição do Chão de Estrelas, um barracão no Morro do Salgueiro, onde o “cantar alegre do viveiro” era um grande escudo do Botafogo posto na parede.
Quando comer era um prazer, não um ato de exibição de linhos, louças e lugares, mas de fatura e satisfação em ver parentes e amigos saciados, até levá-los à “desfeita” de recusar mais um pouquinho.
Não porque fôssemos ricos, mas porque éramos generosos.
Foi isso o que fez a Dona Keila Cardoso abrir o Pobr’s, lá em Macapá, numa brincadeira com o “Bob’s”, primeiro fast-food do Brasil, criado pelo grindo Robert Falkenburg, que se apaixonou por uma Mayrink Veiga e veio morar no Brasil.
A ideia do Pobr’s veio de uma cena que, afinal, todos nós já vivemos.
“Fui convidada para um evento chique e com pessoas importantes da sociedade aqui em Macapá e ao chegar lá só me serviram coquetel. Eu estava com muita fome mas só tinha isso. Logo depois meu telefone toca e um amigo me chama para ir no aniversário da mãe dele em uma área periférica. Fui na hora, cheguei e só tinha três balões, mas tinha macarronada, risoto , bolo, torta, tanta da comida que até levei para casa”.
Lembrei-me da mesa do Iapi de Realengo, do cozido, das carnes e dos salgados fumegando, minha avó a reencher o prato dos recalcitrantes que teimavam em dizer que estavam “satisfeitos”, nem sempre com esta sofisticação.
A gente até sabia que carne tinha proteína, mas não fazia a menor ideia do que fossem ômega 3, radicais livres, gordura trans ou o tal do carboidrato que hoje me leva às lágrimas de saudade pelo diabetes.
Éramos uns privilegiados, sabíamos, até porque meu avô havia deixado – para desespero de minha avó – uma bolsa de frutas e verduras comprados na feira para as meninas do vizinho, uma delas sua afilhada, que tinham mais dificuldades.
Pobres, mas não miseráveis, nem mesmo no sentido da mesquinhez que torna tantos ricos miseráveis e os faz achar que os pobres são uns preguiçosos, vadios, e que só por isso seriam “inferiores” e nem precisam comer o que eles próprios comem, em suas “gourmetices”.
Não que não houvesse imbecis, havia. Mas eles acabavam envergonhados de sua própria imbecilidade, até com a ajuda da gurizada, que se encarregava, como se diz hoje, de “zoar os metidos a grande coisa”.
E “zoar” a nós mesmos, porque assim também não nos achávamos melhores do que ninguém.
Como Keyla “zoa” nos nomes dos sanduíches que serve: “Fome Zero”, “Bolsa-Família”, “Pobreza Suprema”, este o mais avantajado. Ainda bem que não apareceu nenhum “politicamente correto” para reclamar….
Não nos ofendíamos com a nossa pobreza “remediada” e estávamos mais perto dos que não tinham nada do que daqueles que tinham tudo.
E ríamos, ríamos, ríamos do prazer de estarmos vivos e vendo os garotos crescendo, indo à escola, aprendendo as letras que os velhos sabiam tão pouco e sonhando em ser “Presidente da República”, que era o grau máximo de sabedoria que se podia imaginar.
Ríamos tanto que ríamos até de nossas desgraças, porque não eram ódios, não eram desprezo pelas outras pessoas como nós, eram a afirmação de nossa felicidade em sermos o que podíamos ser e éramos, com todos os defeitos e vicissitudes de cada um: essencialmente bons, como todo ser humano nasce e devia viver.
View Comments (13)
Caro blogueiro.
Porque vários blogs agora tem que fazer cadastro para comentar? Querem colaborar com a NSA?
Vão perder leitores....
Estão se tornando igual ou pior do que o PIG.
Muito blogueiros podem ser ótimos jornalistas mas não entendem nada de internet e de privacidade e suas implicações.
Por favor discuta isso com seus colegas blogueiros.
Aqui fora muita gente briga para trazer leitores aos blogs.... e não é fácil.... compramos brigas, e não ganhamos nada com isso.
Ani, não entendi bem a que se refere. Quando diz cadastrar-se, quer dizer doar algum dinheiro?
Se for, é opcional. Uma pessoa que deixe de beber 3 cervejas ao mês -ao mês!-, poderia doar 10, 15 reais. Minha doação é de 25 reais e acho pouco. Mas se eu pensar assim e não doar nada, como fica? Mais: se todos pensarem que doar 5 reias, 10 reais e nada dará no mesmo, enganam-se redondamente.
Mas, repito, ninguém obriga ninguém a doar nada. Mas seria ótimo se o fizessem.
Peço perdão se entendi errado.
Estive em passeio pelo interior do Ceará, que melhorou muito pós governo Lula, e vi uma casinha pequena do lado de uma lancheria com os dizeres: "-Casa de força". Pensei, a principio, tratar-se de algo sobre energia elétrica, era o banheiro! O nordeste sempre teve muito bom humor, sempre foi, seu povo, muito criativo. Hoje, depois da dignidade que aquela região adquiriu durante o governo Lula, sem dúvida, até moraria naquele estado, antes, pensamento e possibilidade impossível, devido a miséria que lá imperava com a corrupção da coronelada. O NE teve muita coragem em madar pro inferno seus coronéis, so que atrasavam aquela linda, e possível de bem estar, ,região. Não a toa, está superando até a região sudeste, o atraso atual, em muitas coisas que ajudam a erguer esse país.
Fantástico Fernando !
Tava querendo mesmo comentar algo neste sentido, mas , óbvio, faltam as palavras. Lembrei de um livro do Prata, também muito bom e que retrata , mesmo sem ter esta intenção o que você escreveu.
Várias pequenas estórias, mostrando que ele - o Prata - mesmo já sendo autor de novelas da platinada, mesmo escrevendo algumas peças , muitas vezes se via numa dureza que hoje , nos padrões ostentativos, poderia ser motivo de chacota pela pobreza.
Mas apesar da dureza, era sim uma vida feliz e muito.
Tristes tempos, em breve algum imbecil vai escrever uma coluna e dizer que no Brasil já há problemas demais para reebermos refugiados e que no nordeste, mesmo sem jamais ter ido por lá, existe mais fome ( tsc tsc ) e falta de água ( sic ) que na Síria.
Sr.Fernando.Lindo texto.Contudo convém ressaltar,que são SAUDADES DA INFÂNCIA E JUVENTUDE.Já naquela época,existia a UDN,o PSD,OS PAULISTAS DA INTENTONA DE 32,então tenho também memórias da meninice e da adolescência,mas não esqueçamos jamais,os canalhas de quase todos os tempos.Dos nossos e dos outros!Saudações e parabéns,por me evocar coisas boas!
Tirou o dia para ser piegas?
Na verdade, na verdade, é pura e simplesmente uma ofensa gratuita a quem não faz ode à pobreza.
E para não faltar nada, o exemplo de dar um pouco a quem tem menos é só mais uma forma chorona de querem mais estado. Todo mundo precisa ganhar uma sacolinha, não?
Tempo bom! Tínhamos revólveres de brinquedo e nem por isso nos tornamos assassinos! Chamávamos os nossos amigos gordos de gordos mesmo. Negro era preto e nossos amigos se orgulhavam de ser preto! E todos eles se tornaram adultos felizes e bons pais de família.
A gente "roubava" goiaba da casa de um velho vizinho que ameaçava pegar um por um e fingia que ia soltar um pastor alemão (que ele nunca soltava, até que todo mundo saísse correndo). Depois de muito tempo, mais crescidinhos e abandonando a mania de pegar goiabas, o velho perguntava pra gente se a gente não gostava m ais de goiaba.
Durante as férias de verão passávamos o dia inteiro sem almoço, andando de bicicleta, de skate (a gente adaptava rodas de patins em tábuas), de jogar pião, andar de perna-de-pau, jogar bola, jogar bolinha de gude, jogar taco...
As nossas casas tinham apenas de eletro-eletrônicos uma geladeira sem freezer, um fogão quatro bocas (na maioria das vezes comprados usados), uma tv preto e branco, um rádio de pilha e um liquidificador. E um ferro de passar. A batedeira, em dia de festa e fazer bolo, a mãe pegava emprestada da vizinha! A máquina de costura (a mãe fazia as próprias roupas da família) não tinha motor.
Faria tudo de novo...
O meu fusca caindo aos pedaços chamava "jerimum" porque tinha uma cor abóbora de doer. A casa da minha mãe era aberta - se chegasse alguém na hora do almoço, sentava e comia o que tinha e se não desse para todos, dividia o que dava. Se chegasse alguém fora de hora, lá ia minha mãe para a cozinha bater (gente, tinha esquecido, veio à mente agora) um liquidificador cheio de leite com banana, que ela dizia que alimentava bem e é verdade. Um dia ela resolveu que era muito triste alguém passar Natal sozinho e, como já era desquitada, passou a arrebanhar todos os sozinhos conhecidos para o seu Natal. E também resolveu que Natal não tinha que ter aquela ceia 'padrão' e como era meio natureba, começou a incluir no Natal purê de abóbora, arroz integral, e coisas assim, mas como cozinha bem era tudo muito saboroso e todos gostavam bastante. Meus amigos davam um tempo no Natal da família deles e a certa hora avançada baixavam lá em casa. Eles não esquecem que minha mãe sempre dava um jeitinho de colocar um disco com poesias do Fernando Pessoa. Podiam não gostar muito à época, hoje falam com saudade e que nunca esqueceram dessas poesias, declamada por um ator português com voz profunda, rs. Na rua abaixo da nossa entrava água toda época de chuva, as paredes das casas já tinham marcas do nível a que chegavam as águas. Então todo mundo da rua de cima ia para a rua de baixo para ajudar a puxar a água de dentro das casas, subir os móveis para o andar de cima, etc. Uma vizinha que tinha um quintal imenso, quando as amoreiras ficavam carregadas, abria os portões para a vizinhança ir lá com balde catar amora pra fazer geleia, era amora que não acabava mais. Enfim, Brito e colegas, estou com quase 60, e os velhos costumam relembrar :) boas lembranças, no entanto.
Sensacional, Brito!
Excelente texto e iniciativa dos donos da lanchonete!!! Aqui no Guará, entorno de Brasília, temos vários quiosques de lanche, simples mas com tanta qualidade quanto nos bairros mais caros. O sandubão bomba é o ilustre pedido. Botar os nomes do Pobr's foi uma grande sacada pra quem não tem frescura coxinha e, ainda que tenha grana pra comer no gourmetizado, tem orgulho do simples. Abs.
Fazer ¨ humor¨ a favor de que se encontra no poder tem mais haver com o medo de levar uns tapas