Amarildo: a morte pelas tropas da elite

Esclarecido, e com detalhes, o assassinato do pedreiro Amarildo de Souza, brutalmente torturado numa -as aspas são indispensáveis – “Unidade de Polícia Pacificadora”, seria um primarismo imperdoável culpar apenas aqueles dez policiais militares.

Estes dez são culpados, devem responder por isso e gravemente, porque ao homicídio e a tortura soma-se o fato de estarem agindo, em tese, como representantes da Lei e do Estado.

Mas não se pode perder de vista que poderiam ter sido outros dez, outros cem ou mil outros policiais, porque todos sabem que  sobra material “humano” e tolerância – quando não incentivo – institucional para isso dentro das polícias, a Militar do Rio de Janeiro, sobretudo.

Porque aqui, talvez como em nenhuma outra grande metrópole, criou-se o culto do policialismo, da repressão aos pobres, do “bandido bom é bandido morto”.

Os mais velhos nos lembramos do “Esquadrão da Morte” do período da ditadura, que deixava seus macabros cartazes de caveira sobre corpos de presumidos bandidos na baixada e nos subúrbios.

A democracia trouxe um governo com coragem e humanidade suficientes para enfrentar esta monstruosidade, mas os interesses políticos, perversamente, quiseram mostrar este esforço civilizatório como leniência ou até cumplicidade com o crime.

“Bandido agora é cidadão”, “A polícia não pode subir o morro”, “Brizola não deixa a polícia trabalhar” foram os caminhos, da boca grande da  mídia e da “boca-pequena” da rua que isso gerou, para chegar à despudorada tentativa dos jornais de associá-lo ao tráfico, que teve seu maior exemplo na publicação, em O Globo, em manchete, de sua foto ao lado de um líder favelado tornado traficante apenas por ser pobre, por ser negro e porque assim teria dito um policial.

Os grandes casos de chacina, que chocaram o Brasil, durante o Governo Brizola – Candelária e Vigário Geral – foram promovidos por tropas policiais que sabiam que, politicamente, iriam contar com a cobertura da mídia, porque foram também atos políticos de desestabilização de um governo que “promovia os direitos humanos” e que, por isso, odiavam.

Moreira Franco, Marcelo Alencar e Sérgio Cabral foram governadores que jamais se pejaram de prometer, casa um a seu modo, a acabar com a violência a seu modo, o mesmo modo: mais violência.

As polícias se armaram, generalizadamente, de armas de guerra, armas que passam dali para os próprios criminosos. Depois, adotou-se a idolatria ao Bope, ao seu símbolo idêntico à caveira do Esquadrão da Morte, à “tropa de elite” de uma subintelectualidade sociológica e cinematográfica que, com ressalvas “cult” ganhou dinheiro e projeção com algo que sabia ser, na prática,  a apologia de ação brutal da polícia.

Por último, veio a ideia belicista da “libertação do território dominado pelo tráfico” expressa nas Unidades de Polícia Pacificadora, que justificava o presente de ocupação militar das comunidades com a promessa de dar-lhes a liberdade que o tráfico – e é verdade – lhes tirava.

Qualquer um que saia da Zona Sul do Rio sabe que os criminosos que as UPP desalojaram estão todos nas áreas, como Niterói e São Gonçalo, onde não chegaram tais “pacificadores”.

E quem convive com isso sabe, também, que dentro das comunidades “pacificadas” militarmente, como em pequenos Iraques favelados, a lei e o direito dos pobres é violado a toda hora.

Era inevitável – embora isso em nada releve a brutalidade do crime que cometeram aqueles dez policiais – que logo uma UPP se transformasse em centro de tortura e assassinato, porque tortura e assassinato seletivo não são problema para a mídia se forem feitos com “critério”, “discrição” e nos bairros pobres e distantes.

Só isso explica que este país tenha meio milhão de pessoas presas e toda a discussão seja sobre como prender e condenar mais gente e nunca sobre como parar a fábrica de produzir criminosos que aqui funciona.

Amarildo de Souza “deu sorte” de ser visto na UPP e desta UPP ser na Rocinha, onde atuam muitas organizações sociais de classe média. No Morro do Alemão ou em Parada de Lucas, distantes, talvez nem mesmo dessem por sua falta.

Amarildo também tinha uma família e não possuía uma larga folha criminal. Mas, pergunta-se, fosse Amarildo um traficante seria aceitável pendurá-lo, sová-lo, eletrocutá-lo, matá-lo?

Confere-se ao policial e a seu comandante o poder de julgar e de apenar, além da lei que não prevê tortura ou morte, segundo seus critérios?

Amarildo é apenas uma de centenas e milhares de mortes. É importantíssimo, porque uma vida é sagrada, mas não é, como virou moda dizer, “um ponto fora da curva”.

Amarildo é só um dos pobres, dos negros, dos favelados que o pensamento dominante e neste país – na mídia e até em círculos intelectuais que se dobram à ditadura da mídia – aceita e aplaude ver brutalizado em nome da “segurança pública”.

A barbárie deste crime ultrapassa em muito a tortura e a morte de Amarildo de Souza.

O crime é produto de um caldo social e cultural que envolve exclusão, perda de valores, de objetivos e de códigos de conduta respeitosos ao ser humano e à sua dignidade. O crime em nome da ordem e da lei, também é. E o pensamento dominante deste país, governado pela mídia udenista, é um de seus principais ingredientes.

Fernando Brito:

View Comments (41)

  • Como sempre - e cada vez mais - Fernando honra o pensamento democrático-popular doa qual Brizola, Darcy foram expoentes.

    Arguto e muito bem escrito (novidade!!!), o texto é mais do recomendáve; é obrigatório aos que ao menos tentam abrir rombos no duro casco das empedernidas classes dominantes e seu numeroso e perigoso séquito.

  • Muito bem citado que este batalhão é oriundo da época da ditadura. Mas deveria ter citado que Dilma é, no mínimo, conivente com a leniência da Comissão Nacional da Verdade que, entre outras coisas, nos traria à tona fatos dos grupos de extermínio da polícia militar. Como diria Darcy: “Somos inocentes? Quem, letrado, não tem culpa neste país de analfabetos. Quem, rico, está isento de responsabilidade neste país de miséria. Quem, saciado e farto, é inocente neste país da fome. Somos todos culpados."

  • Não se esqueça, senhor Fernando Brito, que essa investigação só foi adiante graças a insistência daqueles que você chama de "coxinha', porque vocês, idolatras do PT, não tem feito outra coisa a não ser criticar aqueles que estão desde Junho nas ruas, tomando porrada e enfrentando a policia e os politicos, sejam eles do PT, sejam eles do PSDB, enquanto os sindicalistas da CUT estão confortavelmente em suas casas desfrutando do dinheiro do povo. Se o Brizola pudesse ler metade das porcarias que você publica aqui nesse blog, ele se reviraria no caixão.

    • boa noite colega, se me permite:

      coxinhas sao os trouxas "apoliticos" e maria-vai-com-as-outras, contra tudo e contra todas, sem a menor embasamento político mas apoiados em besteiras do feicebuqui que sem nem saber apoiam a ultra-direita. mas se você nao entendeu desde o início não tem explicação que baste.

      • Interessante como a ignorância tomou de conta da mente dos jovens atuais. Como disse Albert Einstein: "Eu temo o dia em que a tecnologia ultrapasse nossa interação humana, e o mundo terá uma geração de idiotas". Hoje, política ou fazer política já é vinculada à Partidos, os quais usam a política, "Entendiam-na - a política - como uma ciência superior, determinante de qualquer organização social e com inquestionáveis reflexos sobre a vida dos indivíduos. Para Aristóteles era a arte de governar a cidade-estado (pólis). " (educaterra), ou outro sentido grego também: "indicava todos os procedimentos relativos à sociedade (geral)", no caso apenas deles próprios (dos partidos). Portanto, compreendi perfeitamente o posicionamento, mais que tendencioso, do autor acima, e o achei bastante pernicioso, quanto formador de opinião. Pois qual diferencia há da mídia televisiva?

        Bem, nem entrarei no mérito de sua hipocrisia, pois eu duvido que você não tenha facebook, ou que não acesse pelo menos uma vez ao mês, fui bem generoso quanto ao tempo. Quero ressaltar, que para afirmar que o Brasil precisa do fim da Polícia Militar, é ser, além de alienado (não gosto dessa palavra, mas encaixa-se bem nessa caso), leviano, o que mostra ser um texto imaturo. (Realmente está bem escrito, e ele sabe defender o ponto de vista)

        Bem, apenas acho ridículo levantarem bandeira de partidos no momento em que o Brasil é a 7 potência mundial e há muitas pessoas vivendo em pior situação dos as que vivem no Haiti. Mas se você acha que o fato de TODOS as "Pessoas Políticas (representantes)" enriquecerem enquanto a maioria se mata por menos de R$ 700 reais, tudo bem. Cada um tem direito à ignorância.

      • Caro Ramon,

        uma pessoa que se auto-intitula tão sábia a ponto de chamar os outros de ignorantes deveria no mínimo saber responder um comentário no local certo. se você é bucha de canhão da tv ou do feicibuqui o problema é teu.

  • Excelente texto. Mas existem outras coisas a considerar, como aqueles que compram drogas e exigem do Estado acoes contra os traficantes. Sem falar nas vitimas do trafico.

      • Acho que a legalizacao resolve a questao de guerra que estamos sofrendo, mas ao mesmo tempo a droga e um grande perigo para saude mental da sociedade.

      • sim, na Holanda (pra nao citar outros) só tem doente mental... tsc tsc

      • Vai nos hospitais psiquiatricos que vai achar um monte. Mesmo na Holanda, que evidentemente nao e o Brasil.

  • Para muitos a faixa de gaza em Israel e um antro de terroristas por isso deve ser mantida isolada - Como um campo de concentração?. Logica do discurso das drogas. Algumas são boas e podem ser comercializadas dependendo do pais e do tempo. Chega de mediocridade. Menos coca cola, mídia e face book. Mas logica e vida.

      • poderia citar quais "drogas" são más e o porque, baseado em artigos cientificos aceitos pela comunidade academica?

    • Existe farto material na internet sobre o assunto. Nao importune as pessoas com esse sofisma pueril.

  • Nunca vi a industria de bebidas, a industria do tabaco, os traficantes de drogas ilícitas se prontificarem ou mesmo serem penalizados a pagarem As imensas contas sociais e as contas dos hospitais que tentam salvar um viciado em álcool, um câncer de pulmão e as doenças provocadas pelas drogas ilícitas e o ônus para aparelhar o poder publico.
    Não venham me dizer que eu, com os impostos que pago, é que tenho de pagar essas despesas.
    O dia em que essa turma assumir essa conta podem começar a solicitar a liberação para uso de qualquer droga. Antes disso, sou terminantemente contra essa liberação.

    • Acho tambem que a liberacao vai transformar as cidades numa grande cracolandia. Pois as condicoes que levam as pessoas as drogas permanecem.

    • Paulo brasileiro, recomendo a urgente leitura da legislação uruguaia sobre o tema. Pode te trazer alguma novidade.

  • Estabelecido por quem? sou contra qualquer pre-julgamento sem presuncao de inocencia, amplo direito de defesa e provas, seja para petistas ou policiais. Estado de direito vale para todos.

  • O Estado perdeu a luta contra o tráfico de drogas. A produção e o consumo de drogas deve ser legalizado e sofrer alta taxação pelo estado. Os impostos arrecadados devem ser direcionados para o tratamento e a propaganda contra o uso de drogas.

    • E o lucro com a tragedia alheia, embolsado por aqueles que comecam a se sentir incomodados com a repressao.

  • Conheci muitos usuarios de drogas durante minha vida. Uns morreram, outros enlouqueceram, outros estao inutlizados por doencas decorrentes. Por isso nao ousaria liberar o uso.

  • "O soldado tem um comandante, que tem um comandante, que tem outro comandante, que tem um governo...", disse Belchior Messias de Rezende. E estes comandantes e comandados cantarolam aquela música que o 'o pessoal do bope' no filme tropa de elite canta (quando em treinamento), olhando para o morro, para a favela.
    Outro detalhe interessante que vem à luz neste momento: o uso da tortura como método interrogatório. Novidade? Não. O interessante é que numa UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA!
    Se não houver mudanças significativas na Polícia como um todo - por quê militar?; reestruturação; formação; respeito e implementação de direitos humanos nela e para o seu uso, dentre outras medidas. O legado da ditadura militar vencerá!

    • O legado da ditadura, foi nos deixar uma Policia despreparada, acostumada a bater em Jornalista e Estudante, enquanto o trafico crescia encoberto pela censura.