Anita não é negra como os cubanos. Médica e brasileira, ela “não serve” para o CFM

Como a nossa elite é racista e desumana, para mostrar a monstruosidade do corporativismo médico e das dificuldades que impõe aos profissionais que se formam fora do Brasil,  o acaso trouxe uma brasileira, loura, formada em Medicina na Inglaterra, experiente a ponto de ter chegado ao mais alto grau como “consultant” em Ginecologia e Obstetrícia no hospital da Universidade de Oxford, o que significa dirigir e orientar estudantes e médicos nesta área.

Anita Makins Huxley cresceu em São Paulo, mas se formou em Medicina na Universidade de Nottingham e tornou-se Mestre em Saúde Pública em Países em Desenvolvimento, pela London School of Hygiene and Tropical Medicine.

Anita quis voltar ao Brasil e atender pacientes brasileiros.

Mesmo tirando as melhores notas entre todos os que tentaram o “Revalida” na USP, por duas vezes, não conseguiu ser considerada capaz para exercer a medicina no Brasil.

Para seguir sua vocação de cuidar da saúde de mulheres e crianças carentes, teve de ir trabalhar na República dos Camarões, em Cabo Verde e em Moçambique, através da ONG Solidarmed.

Deixemos que Anita conte a sua história, como fez ano passado à seção de cartas do Estadão fui buscar os dados sobre sua carreira profissional, para que possamos nos envergonhar mais do corporativismo abjeto que tomou conta desta questão:

Parece-me lógico que o país precise se defender da entrada de médicos mal qualificados no sistema de saúde, o que não entendo é por que médicos brasileiros competentes, formados pelas melhores instituições internacionais, com ampla experiência, estão sendo barrados de exercer a sua profissão no seu país.

Sou brasileira com 2º grau completo em conceituado colégio paulistano.  Estudei Medicina na Inglaterra, onde adquiri 12 anos de experiência no sistema de saúde do governo (National Health System), chegando ao mais alto nível dentro da hierarquia de Consultant Obstetrician and Gynaecologist no prestigioso John Ratcliffe Hospital, hospital da Universidade de Oxford. Também trabalhei nos Camarões e durante um ano na Serra Leoa com os Médicos Sem Fronteiras.

Tentei por duas vezes revalidar meu diploma pela USP, gastei uma fortuna em documentação e viagens, mas o exame, que levaram seis meses para corrigir, foi feito para ninguém ser aprovado. Fiz mestrado em Saúde Pública no London School of Hygiene and Tropical Medicine.

Também sou membro do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists e fiz parte do International Executive Board dessa Instituição.

Não estudei Medicina para ganhar dinheiro, mas para ajudar os outros.

Como meu país não quer aproveitar minha formação e experiência, estou atualmente trabalhando para uma ONG suíça numa região muito pobre do norte do Moçambique, encabeçando um projeto em Saúde Materna e Neonatal. Sinceramente não entendo por que a minha experiência não é levada em consideração neste processo de revalidação, e é muito pretensioso afirmar que todos os médicos formados no exterior são incompetentes.

Por favor, Doutora Anita, não descreia definitivamente de seu país, por conta disso.

É que gente que estudou Medicina para ajudar os outros, como a senhora diz, envergonha os dirigentes das corporações médicas e de parte dos círculos acadêmicos.

É que gente com solidariedade, disposição, vontade, ganas de usar seu trabalho para melhorar a vida e o mundo passou a “não servir”.

É porque equipamentos complexos, hospitais com hotelaria, congressos financiados pela indústria farmacêutica, coisas assim, são essenciais.

Não essencial são as crianças, como o garoto de três anos que vesti para ser enterrado, morto por meningite porque um médico que não olha direito para os pacientes e manda embora rapidamente o devolveu ao lar pobre e distante na zona rural de Niterói, para voltar às pressas, horas depois, numa madrugada de domingo de Carnaval, com cianose e quando já nada se podia fazer.

Vivi os minutos mais tristes da minha vida ali, porque o pai e a mãe – ele servente de pedreiro, ela caixa da padaria proximo à minha casa – estavam inválidos pela dor.

Um garoto mulatinho, tão bonito quanto o seu pequeno Frederico – que vi com vc, toda orgulhosa, no Facebook- e tão bonito quanto tantos negrinhos assim que a senhora cuidou aí na África.

Faça ele crescer amando a vida e as pessoas, e não os títulos e os preconceitos.

Faça isso por ele e por todos os meninos e meninas daqui, daí, do mundo inteiro, que não precisam de um “Revalida”, de uma certidão, de um papel para que os reconheçamos seres humanos  independente de que cor tenham, de que língua falem, de que seus pais sejam ricos ou pobres, de que tenham ou não o cartão de um plano de saúde.

E que, por isso, faz com que eles sejam sagrados.

Faça isso para que ele creia que ainda somos seres humanos, por favor.

Fernando Brito:

View Comments (11)

  • Sem palavras!

    Parece que vivemos tempos muito difíceis. Estamos formando cidadãos mesquinhos e medíocres em nossa sociedade. Aonde estão os valores fundamentais da humanidade. Solidariedade, compaixão, amor ao próximo? Num mundo destes a vida perde todo o sentido. Bens materiais e $$$ no banco não enchem minha alma. Parabéns para a médica brasileira que não foi aceita no Brasil por conta do " DR CRM " e trabalha em Moçambique na ajuda dos desvalidos. Honra sua profissão! Merece o nosso respeito. Parabéns mais uma vez.

  • Na escala de mundos evoluídos, nós estamos entre os primeiros. Por isto temos aqui tantos com moral tão baixa e que causam tanta dor ao seus.
    Estes um dia evoluirão, mas antes terrão de reparar todas as mazelas que foram responsáveis.
    A lei da ação e reação é uma lei universal.
    Infelizmente se aprende mais com a dor do que com o amor, quando não se tem o espírito evoluído.

  • Pois é não somente os políticos, a mídia(PIG) perderam ou nunca tiveram amor ao próximo e honestidade.
    Mas eles esquecem que jornalistas, políticos e médicos também ficam doentes e morrem.

  • Fiquei emocionada com a história e a forma como foi contada , comovente. Chorei.
    Felizmente ainda existem pessoas com sensibilidade e espírito de solidariedade como essa brasileira. Que retorne ao nosso país para ajudar nosso povo tão sofrido! Bem-vinda, Drª Anita.

  • Campanha REVALIDA para TODOS!

    Formados no BRASIL e no MUNDO!

    Vamos ver o que acontece. Nos moldes da OAB, somente 10% dos formados passam........

    • Acho quem nem 10%, considerando a gênese desse exame.

  • Admirável a garimpagem do Tijolaço. Mata a serpente e mostra o objeto contundente.
    Parabéns, Brito!

  • Não são canalhas os medicos irresponsaveis e preconceituosos mas os homens e mulheres que estudaram medicina pois se fossem advogados, engenheiros contadores e outras profissões teriam os mesmo comportamento vil e usariam a profissão unicamente para ganhar dinheiro.

  • Esta é uma reportagem maravilhosa, sensível, humana!
    Obrigado e Parabéns!
    Que o Brasil possa superar suas mazelas, em nome da fraternidade e solidariedade humanas!

  • Tenho vergonha da medicina praticado nesse país,onde a côr da pele e o bolso são critérios para se ter um bom atendimento nesse país.Ou com planos de saúde caros que a população pobre não pode pagar,ficando mendigando nas portas do sus, upa e hospitais público.Porque nossos médicos só querem ter 2 empregos: um fantasma comendo o dinheiro publico e atendendo no particular em suma são um a vergonha os médicos brasileiros.Que além de tudo são racista e mal educados.