As mãos que estrangulam podem ser limpas, mas matam igual

Excepcional o artigo de Humberto Saccomandi no Valor Econômico de sexta-feira, que só hoje me caiu às mãos.

Na nossa réplica tupiniquim da “Operação Mãos Limpas” da Itália, no início dos anos 90, muitos têm dito que os prejuízos econômicos e políticos que ela trará ao país, em matéria de saneamento das relações entre empresas e governo e moralização da política, têm, como advertência, o que se passou naquele país.

Parece bonito, “democrático”, como alguns tolamente viram as tais “jornadas de junho” de 2013, hoje claramente identificáveis – para além, até, da vontade de alguns de seus participantes – como o ponto de partida da selvageria política e da intolerância que dominam o Brasil, agora.

O descrédito na política é o melhor caminho para o desastre, seja com aventureiros ou tecnocratas.

 

Itália mostra que escândalo não purifica

Humberto Saccomandi, no Valor

Há uma tese corrente no Brasil que diz que, apesar dos escândalos e da corrupção, as instituições brasileiras estão reagindo bem e o país sairá fortalecido desta crise. Infelizmente, essa tese é frágil: a própria proposição sobre o desempenho das instituições é questionável e nada garante o panglossiano final feliz fortalecido. Basta olhar para a Itália: 23 anos depois, o país ainda sofre com as sequelas do seu grande escândalo.

A operação Lava-Jato é frequentemente comparada à operação Mãos Limpas, que abalou a Itália no começou dos anos 90. Há realmente muitos elementos em comum, mas também circunstâncias e características distintas. O que ocorreu por lá não necessariamente acontecerá por aqui, mas o caso mostra como os riscos são grandes.

A operação italiana, que começou em 17 de fevereiro de 1992, apurou o escândalo conhecido como Tangentopoli (algo como Propinópolis ou Subornópolis). Assim como a Lava-Jato, a Mãos Limpas começou investigando uma denúncia localizada de corrupção, mas acabou desvendando um gigantesco e disseminado esquema de financiamento político ilegal.

Itália ainda sofre com sequelas de seu grande escândalo

Os números da Mãos Limpas, operação tocada sobretudo por um pool de procuradores de Milão, impressionam. Mais de 5.000 pessoas foram investigadas, segundo o levantamento do livro “Mani Pulite, la Vera Storia”, de Marco Travaglio e Peter Gomez. Cerca de 3.200 foram denunciadas e 1.254 foram condenadas (mas, atenção, as denúncias contra 424 acusados prescreveram).

Não há um cálculo de quanto dinheiro foi desviado, pois a investigação italiana não estava focada numa empresa, como no caso da Lava-Jato com a Petrobras. A corrupção – basicamente o pagamento de propina para a venda de bens e serviços ao governo – estava disseminada pelos mais variados setores, em todos os níveis da administração pública. Houve até propina para venda de medicamentos hemoderivados. Alguém acredita que no Brasil seja diferente?

O mais impressionante, porém, foi o impacto político-institucional do escândalo. Em menos de dois anos, após uma sangria de eleitores, os cinco partidos (de centro-direita) mais atingidos tinham desaparecido. Foram dissolvidas siglas históricas, como a Democracia Cristã, que conduziu a Itália no imediato pós-guerra, e o Partido Socialista Italiano, que tinha mais de cem anos. Será que o PT vai igualmente acabar?

Uma geração de políticos desapareceu de cena junto com esses partidos. O líder socialista Bettino Craxi, por exemplo, que fora premiê de 1983 a 87, fugiu para a Tunísia, para não ser preso. Acabou morrendo no exílio, no ano 2000.

Essa implosão do sistema político (a esquerda italiana já estava em crise desde a queda do Muro de Berlim) teve desdobramentos perversos. Emergiram duas forças políticas altamente disruptivas: o partido populista Forza Italia, do bilionário Silvio Berlusconi (que entrou na política para salvar a si e a seu império, após a queda de Craxi, o seu protetor político), e a Liga Norte, um grupo conservador, separatista e xenófobo, de caráter territorial, isto é, presente somente no norte da Itália. Com isso, as coalizões de governo no país se tornaram mais difíceis e menos eficazes. E o debate político foi sendo aos poucos tomado pela intolerância.

Esse sistema político disfuncional, que sobreveio ao escândalo, degradou o governo, o Estado e boa parte das instituições italianas pelos 20 anos sucessivos. Executivo e Judiciário passaram anos em guerra aberta. O Parlamento legislava descaradamente em benefício pessoal de Berlusconi. Outros escândalos, menores, se sucederam. A esquerda, quando chegou ao governo, foi vítima de suas próprias divisões internas, mas também de golpes sujos, como quando o grupo de Berlusconi comprou um senador para tirar a maioria parlamentar do governo do premiê Romano Prodi, que foi obrigado assim a renunciar.

Mais recentemente, os últimos três premiês da Itália (Mario Monti, Enrico Letta e Matteo Renzi) não disputaram e não foram eleitos para o cargo. Assumiram em manobras parlamentares, num claro déficit democrático.

O resultado desse imbróglio, em termos econômicos e sociais, foi desastroso para a Itália. A economia italiana foi a que menos cresceu desde então na União Europeu (descontado o colapso recente da Grécia). O investimento estrangeiro minguou. A dívida pública explodiu. Há hoje somente uma universidade italiana entre as 200 melhores do mundo, segundo o ranking QS, o Politécnico de Milão, em 187º lugar (o Brasil tem duas, a pequena Holanda tem 12).

Nesse período, a Itália perdeu credibilidade e virou motivo de piada na Europa. Ficou célebre uma entrevista coletiva em 2011 na qual a premiê alemã, Angela Merkel, e o então presidente francês, Nicolas Sarkozy, não conseguem conter o riso ao falarem de Berlusconi.

Resumindo: o escândalo e seus desdobramentos não foram a única causa, mas foram determinante para fazer a Itália mergulhar numa enorme crise política, institucional e econômica da qual o país só agora, mais de 23 anos depois, começa a vislumbrar uma saída.

Se alguém acha que um populista caricato como Berlusconi não chegaria ao poder no Brasil, pense duas vezes. Não fosse pela Justiça da Suíça, o deputado Eduardo Cunha poderia muito bem ter alcançado a Presidência, num eventual afastamento da presidente Dilma Rousseff.

Assim como a Mãos Limpas não gerou uma política limpa na Itália (havia essa expectativa, mas ocorreu o contrário), a Lava-Jato certamente não vai lavar os nossos defeitos institucionais.

A tese de que o Brasil sairá fortalecido desta crise está, portanto, imbuída de um otimismo moralista e sem justificativa. A Lava-Jato não garante que seremos melhores no futuro. Garante só que éramos piores do que pensávamos no passado. O problema não da investigação, claro. É a expectativa em relação a ela.

Ou seja, cuidado com a crise supostamente purificadora que você deseja para o Brasil. O caso italiano mostra que o resultado pode ser altamente disruptivo, marcar a vida do país por décadas e gerações e ter um custo econômico altíssimo.

Fernando Brito:

View Comments (18)

  • Penso que aqui poderá até ser pior. Não entendo como alguém pode achar que as instituições estão funcionando se elas estão claramente perseguindo uma corrente politico/ideológica.
    Já dá para ver que sairemos bem piores do que entramos.
    Alguém esperava que havia tanto ódio de classe entre os brasileiros?
    Quantas décadas levará para ser superado, se for?
    A corrupção vai acabar? Só um idiota acreditaria nisso.
    Vivemos hoje, uma ditadura até pior do que aquela entre 64 e 85. A de hoje não prende e mata porque ficaria feio perante o mundo, mas prende e condena a prisão perpétua na tentativa de matar psicologicamente o indivíduo.

  • E olha que o autor não fala de uma diferença brutal entre Itália e Brasil: lá a operação Mãos Limpas pelo menos pegou Chicos e Franciscos. No Brasil, descaradamente, bandidos demo-tucanos são sistematicamente protegidos pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e pela Justiça Federal.

  • ANTES DO GOLPE, A TENTATIVA DE DESMORALIZAÇÃO DO [ETERNO] PRESIDENTE LULA!
    Até quando continuaremos a ser assaltados dentro - e fora de - casa pelo PIG mancomunado com os estamentos incrustados nas instituições do estado brasileiro?!

    Os golpistas agem articulados!
    Perdão pela obviedade!
    As tramas ardilosas precisam ser contidas!
    Mas, não!
    O nosso [nosso?!] sinistro - perdão, ato falho - 'miniSTRO' da Justiça com aquela cara de fauna Tucana!
    Ô RRRAAAIIIVVVA!
    O 'Zé' apostando irrestritamente no nosso [nosso?!] republicanismo de araque, na isenção dos prepostos das instituições do Estado brasileiro.
    Até quando seremos assaltados pela covardia das mentiras, factoides seletivos e distorções?!
    Os golpistas sabem que é preciso forjar manchetes e comentários capciosos dos(as) infaustos(as) e moleques/molecas 'penas amestradas' a $oldo IMUNDO dos nazifasciterroristas patrões barões do PIG...
    Entenda...

    ZELOTES: PF FAZ BUSCAS NA EMPRESA DO FILHO DE LULA

    A Polícia Federal realizou buscas, nesta manhã, na LFT Marketing Esportivo, empresa de Luis Cláudio Lula da Silva, um dos filhos do ex-presidente Lula, na nova fase da Operação Zelotes; nesta etapa, foram presos o lobista Alexandre Paes dos Santos e o consultor José Ricardo Silva, conselheiro do Carf, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais; operação conta com o apoio de 100 agentes federais para dar cumprimento a 33 mandados judiciais nos Estados de São Paulo, Piauí, Maranhão e Distrito Federal

    26 DE OUTUBRO DE 2015 ÀS 08:46

    (...)

    FONTE: http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/202406/Zelotes-PF-faz-buscas-na-casa-do-filho-de-Lula.htm

    • Não sei quem está no comando da Polícia Federal, se a CIA, se o George Soros ou se o senador McCain, mas com certeza não é ninguém que tenha nascido no Brasil. Nem mesmo se fosse o pior dos reacionários.

  • Exatamente isso o que eu tenho dito aos "não facistas": Essa Lava Jato não é a solução pros problemas de corrupção do Brasil que já vêm desde Cabral!

  • Mas a maior diferença entre essa palhaçada tupiniquim e a Mani Poluti: Lá foram enfrentados os bandidos de verdade e os juízes pagaram com a vida a coragem que tiveram! Acho até uma desonra à Giovanni Falcone compará-lo com Moro. Se Moro estivesse lidando com bandidos de verdade e não com patetas deslumbrados pelo poder, ele já teria ido pelos ares.

  • o que esperar que se siga a Lei se nem quem as representa não se sente obrigado a segui-la! por isso nem Operação Mãos Limpas e Lava Jato são ou serão o que os movidos por outros cérebros esperam.

  • Errar é humano, incorrer no erro duas vezes é burrice. Copiaram literalmente, como os piratas copiam uma bolsa de grife. Pois a lava jato é cópia pirata, sem tirar nem por. Burrice pura, espetáculo danoso.

  • A operação "lava - jato" é bem diferente da operação "mãos limpas". A operação "mão limpas" não tinha predileção, buscava prender os criminosos e corruptos independentemente da linha partidária. A operação "lava-jato" tinha outros objetivos quais sejam: impedir a reeleição de Dilma Russef, destruir a Petrobras e criminalizar o PT. Importante lembrar que mais de um delator confirmou que o Presidente do PSDB Sergio Guerra recebeu R$10 milhões para melar a CPI da Petrobras e,ainda assim, o tesoureiro desse Partido nem ao menos foi intimado para prestar informações. Portanto o pseudo combate à corrupção é seletivo e tem lado. Atualmente a "lava jato", por ter fracassado em seus objetivos, já citados, busca perseguir Lula e os seus familiares, na tentativa de impedir a sua candidatura para 2018. Em relação à Petrobras, os promotores salvacionistas citam cifras baseados em expetativas, mas de concreto o que foi efetivamente apurado não chega a R$2 bilhões, valor esse que não chega a 5% do escândalo mundial da multinacional estatal Volkswagem e, nem por isso, o governo alemão corre risco de ser desestabilizado, sendo que a imprensa fala discretamente do assunto. Aqui todo esse carnaval midiático é manipulado para promover os fanfarrões justiceiros e, também, busca diariamente enfraquecer o governo apoiando descaradamente a oposição golpista, corrupta, oportunista e sem moral.

  • "Moralistas sem moral", como denunciou a presidenta Dilma, constituem uma ameaça a qualquer país pela sua histórica intolerância em relação a tudo e pela disseminação do ódio político, religioso e pela perseguição às minorias como fez Hitler, um típico moralista sem moral. Esta seletivíssima lava-jato (uma piada) só está de pé pela fraqueza de nossas instituições ditas "republicanas" que existem mais para proteger os interesses da plutocracia do que para promover a justiça, proteger os fracos ou combater os corruptores. E o mais grave, há cada vez indícios maiores de que esta ridícula e politizada ação da "república do Paraná" está a serviço de interesses econômicos estrangeiros. Além do partidarismo político de nossas instituições "republicanas" lamentavelmente o Ministério da Justiça está vago, o que agrava ainda mais o quadro, pois a milícia tucana (antiga pf) age à solta sem qualquer controle de Brasília.

  • A bandeira ética fez parte da história do PT por muito tempo. Acho lamentável que um blog progressista se posicione contra uma investigação como a Lava Jato. Curioso também é a escolha seletiva de artigos do chamado PIG para publicação aqui. Se o blog serve de aglutinador de argumentos para os petistas defenderem o Governo, ok. Mas se o blog pretende captar a atenção de parcela "não coxinha, nem petralha" da população, não acredito que este seja o caminho.

    • Robson, para começar, não sou nem jamais fui do PT. E ética, pra mim, não é bandeira, é prática cotidiana, o "não faz mais que a obrigação" que aprendi com meus avós. Vc tem razão quanto ao PT ter feito da ética discurso de campanha, tanto que o velho Brizola cansou de chamar setores do PT de "UDN de tamancos. Não é por ser de esquerda "da boca pra fora" que alguém há de ser honesto e nem todo direitista é sem vergonha. A escolha é seletiva porque sempre o é e por isso, eu faço um blog, para difundir o que penso e o que acho interessante.Nem poderia haver a obrigação - ou a pretensão - de publicar tudo, porque é feito por uma única pessoa, que busca ser útil ao debate. Os textos "do outro lado" têm farta difusão, não dependem de minha ajuda. Não tenho tamanho, estrutura e alcance para pretender atingir áreas despolitizadas da internet, até gostaria de possuir uma grande redação, mas mal consigo sobreviver. Nem mesmo um jovem estudante, para ler e liberar comentários que, por alguma razão do sistema ficam retidos, como ocorreu com o seu, tenho condição de contratar, porque o blog vive de pequenas contribuição dos leitores e da contagem de acessos e cliques nos anúncios do Google que veiculo. Gostaria -e em outras épocas já o fiz, de publicar outros assuntos, mais amenos. Creia que gosto de literatura, de pintura, das peripécias e originalidades da vasta fauna humana na qual me incluo. Mas, sinceramente, não está dando. Sabe, estamos numa luta de vida ou morte pela sobrevivência da democracia a que dediquei minha juventude a recuperarmos. Não vou me fingir de blasé no meio da batalha e, por isso, às vezes a gente acaba sendo, sem intenção, algo brusco. Dê-nos tempo de paz e verá como nossa índole é pacífica.

      • Prezado Fernando, obrigado pelo seu comentário. Tenha certeza que valorizo o seu trabalho, tanto é que todos os dias passo aqui para ler os novos posts, e formar a minha opinião sobre as coisas que acontecem em nosso país. Acredito na democracia e na construção de uma sociedade de viés progressista. Blogs como o seu são úteis para fazer pensar, apenas acho que não devemos tornar o Lula e o PT sinônimos de esquerda, e acredito que possa haver caminhos mais éticos além daquele que foi trilhado, independentemente dos benefícios sociais conquistados. Há mais no Brasil do que "coxinhas e petralhas", e creio fortemente que blogs como o seu podem nos ajudar a encontrar esse caminho independente, se assim vc acreditar, se assim vc o quiser (P.S.: terceira via não é sinônimo de candidato ou partido, apenas a possibilidade de sair desse Fla-Flu em que estamos presos. É pegar o melhor de cada um dos lados, e seguir em frente, pra construir coisas novas).

        • Robson!
          Boas colocações, e quero te dizer que por certo tempo militei no PT, pois na cidade tinha muito poucos comunistas. E, em apoio ao articulista deste blog, cito que, quando era estudante, em 65, fui preso e torturado na PE de Porto Alegre (Policia do Exercito), e nem ali menti sobre meu posicionamento político. Só não entreguei os companheiros de partido, como os PSDBs criticam a Dilma por estas mentiras. Disse que era COMUNISTA LINHA PEQUIM!!! Um "MILITAR", me chamou de cretino no seu interrogatório no papel, porque disse isto. Interessante a visão do MILICO!! Devia dizer que era da UDN OU ARENA), por acaso? Agora eles negam que torturavam. Eu digo, se dependesse de mim, enviava eles para MIAMI!! A NADO. Tropa de cretinos. Quantos COMUNISTAS estão envolvidos nas maracutaias? Em Cuba, seriam fuzilados ou passariam a vida trabalhando num presidio. Muitos mandaram matar camponeses, estes deputados direitistas.

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