As mortes anunciadas, para as quais ninguém liga

É famosa a história do sujeito que, ao cair do 30° andar de um prédio, à altura do 10° diz “até aqui, tudo bem”.

Há semelhança na forma com que os dois maiores centros de propagação da pandemia do Covid-19, Estados Unidos e Brasil, estão se comportando ante a expansão da doença, embora a perda de vidas agora esteja muito longe de permitir um “tudo bem”.

Números da seriedade da situação: os dois países respondem por 40% de todos os casos registrados no planeta, embora juntos representem perto de 6,8 % da população mundial. Portanto, uma incidência sete vezes acima da média global.

Na proporção de mortes – 191 mil somados – os dois países ficam com 37% do total.

Em ambos, o isolamento social, nunca praticado nos níveis necessários, praticamente acabou e o que se vê nas cidades é apenas a vida normal decorada com máscaras cada vez menos disciplinadas.

A Universidade de Washington já prevê – numa projeção em que, com a “flexibilização” em curso, a mortalidade diária não supere 8 por milhão (a nossa anda em 5 e a dos EUA em 2) – as mortes nos dois países atingirão valores semelhantes: 175 mil lá e 165 mil aqui até 1° de outubro.

Porém pode – e há fundado receio de que seja possível – acontecer o pior e cairmos num cenário, calculado pelos especialistas, de absoluto terror:

O primeiro cenário alternativo, chamado de “flexibilização de restrições” em nossa ferramenta de visualização , mostra o que aconteceria em cada local se o padrão atual de flexibilização de mandatos de distanciamento social continuar e novos mandatos não forem impostos. Em outras palavras, isso pode ser pensado como um cenário de pior caso, onde, independentemente de quão alta seja a taxa de mortalidade diária, os mandatos sociais não serão reintroduzidos antes de 1º de outubro. Em locais onde o número de casos está aumentando, leva a previsões muito altas até 1º de outubro.

Altas quer dizer o quê? Nos Estados Unidos, com as restrições já fortemente abolidas, o número de mortes não varia muito. Aqui, porém, as mortes dobram e, dizem os cálculos, ficariam em 340 mil até aquela data, com uma situação próxima do colapso que a Folha esboça hoje ao afirmar que 12 capitais já voltaram a ter taxas de ocupação limite em seus leitos de terapia intensiva, mesmo com a ampliação que estes sofreram.

Não se trata, como se vê, de “catastrofismo” ou de, como dizem os fanáticos do bolsonarismo, de “torcer pelo vírus”. São dados objetivos assustadores, ainda mais tendo-se em conta que não sabemos o tamanho – exceto pelas mortes – da epidemia, pelo fato de termos uma quantidade ridícula de testes: 14,4 por mil pessoas, dez vezes menos que países com severo grau de expansão do Covid-19.

O “amor à ciência” nos governadores que dissentiram da loucura bolsonariana do “abre tudo” não resistiu mpor mais de mês e meio à pressão de um empresariado suicida, porque estão cometendo um imenso erro de se exporem a uma nova interdição total que será avassaladora. Historinhas de termômetro na porta das lojas podem funcionar aqui e ali, nas áreas mais ricas, mas não na periferia, onde as taxas de infecção crescem a mais de o dobro das registradas nas zonas mais centrais.

Há, porém, o “pequeno” problema do efeito pingue-pongue: a mais de 47 mil novos casos por dia, é inevitável que a contaminação volte para as áreas onde amenizou-se, porque não há imunidade razoável com uma estimativa de menos de 5% de pessoas já terem tido contato com o vírus.

Estamos correndo – ao menos por parte de nossos dirigentes – para mortes anunciadas, previstas, assumidas como “necessárias” para que se salve o deus supremo, o dinheiro.

Fernando Brito:

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