Ator que provocou “não vai ter golpe” em BH pede desculpas a Chico e ao público

Da minha colega de cobertura do Palácio Guanabara, há tantos e saudosos tempos, Heloisa Tolipan, no JB:

“No último fim de semana, todas as atenções voltaram-se para o diretor teatral Claudio Botelho, após o espetáculo ‘Todos os musicais de Chico Buarque’ ser interrompido pela plateia por conta de comentários feitos pelo próprio, pronunciando-se contra o governo da Presidente Dilma Rousseff.

Nesta terça (22), Botelho reativou seu perfil no Facebook para fazer um pedido de desculpas oficial pelo episódio. Nele, o diretor aborda o áudio de sua conversa com Soraya Ravele, no camarim da peça, que vazou logo em seguida de ser gravado.

O texto, na íntegra:

Os incidentes do último sábado em Belo Horizonte durante a sessão do musical Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos são do conhecimento de todos, eu suponho. Emiti uma opinião pessoal que causou reação negativa de uma parte da plateia. Mais do que isso, o espetáculo foi interrompido e a sessão não chegou ao final.

Deste acontecimento infeliz que me tem causado enorme desgosto desde então (ameaças à minha integridade física pelo Facebook, telefone, trotes, acusações diversas sobre meu caráter e minha honra, insinuações sobre meu pensamento a respeito de temas delicados como racismo, autoritarismo, censura, entre outros) – desde aquele momento, apenas sofro, penso e repenso, estou muito triste. Porém minha tristeza é o que menos interessa neste momento.

Mas há algo fundamental e definitivo: peço desculpas a Chico Buarque. Nada do que vier de mim, nenhuma palavra, gesto ou pensamento, poderá jamais servir para desagradá-lo. Ele é o autor, o compositor, e estou trabalhando com sua obra. Desta forma, reconheço sua soberania a respeito de tudo que envolva seu nome e sua criação. O simples fato de mencionar qualquer assunto ligado a Chico (citei em entrevistas, equivocadamente, o histórico atentado à peça RODA VIVA nos anos 1960, que não têm qualquer semelhança com o fato do último sábado; citei episódios de repressão pelos quais ele passou, assuntos que não são de minha alçada e que não têm qualquer ligação com o incidente de sábado passado) é inaceitável, não tenho nenhum direito de inferir, pressupor, fazer ilações com nada que se refira ao autor, seja Chico ou qualquer outro artista que me autorize a trabalhar com sua obra. Minha obrigação – por ética e respeito – é ser cuidadoso, reverente, e em nenhuma hipótese atingir a história, o pensamento, a identidade de quem me permite generosamente colocar em cena suas obras. Este é meu dever como diretor, ator, e produtor.

Errei. Erro muito. Sou humano, mas isso não me desculpa. Aos 51 anos, sendo também autor e sendo um homem de história longa no teatro, eu tinha por obrigação preservar o autor e sua obra, não permitir que nada partindo de mim resvalasse nele, seja da forma que fosse. Por ser um admirador apaixonado e mais que isso, um pretenso “buarquiano” de carteirinha, minha responsabilidade é ainda maior. Dirigi e produzi ÓPERA DO MALANDRO, SUBURBANO CORAÇÃO, OS SALTIMBANCOS TRAPALHÕES (peça e filme que acaba de ser realizado com minha direção musical), NA BAGUNÇA DO TEU CORAÇÃO, ÓPERA DO MALANDRO EM CONCERTO, e idealizei TODOS OS MUSICAIS DE CHICO EM 90 MINUTOS como uma maneira de reverenciar o artista, o compositor, o autor. Mas falhei com minha responsabilidade, com Chico, falhei com o teatro e com a música

Um áudio clandestino, gravado em meu camarim, me flagra num momento de enorme nervosismo, de destempero, de raiva. Nada justifica que invadam minha privacidade, considero a gravação um ato criminoso e a divulgação dela pelas mídias sociais é uma agressão à minha intimidade. Portanto, isto está sendo tratado em esfera policial e jurídica. Mas mesmo assim, por ter sido duro, descortês, arrogante e destemperado (o momento era muito inflamado), peço desculpas a todos que ouviram aquele Claudio Botelho sem compostura. E, se atingi alguém, mesmo tendo sido violada minha privacidade, peço novamente desculpas.

Minha exaltação e qualquer menção à obra do autor naquele dia são motivo de vergonha para mim neste momento. De qualquer forma, ouso crer que, por mais desatroso que tenha sido o acontecimento, o teatro ainda é um espaço que pode levantar debates nacionais de extrema relevância e repercussão. O teatro é sagrado e será sempre um espaço livre, de troca de ideias e de respeito às diferenças. Assim espero e por isso torço.

Envergonhado por ferir um estatuto sagrado do Teatro – respeitar o autor e público -, tenho obrigação de invocar novamente a única palavra que me parece oportuna neste momento: perdão.

Duas opiniões, apenas.

A primeira: o arrependimento, quando sincero, é um direito humano que não pode ser recusado a ninguém e bem faria, a meu ver, o diretor se desse por encerrado o episódio, suportando as consequências do que admite serem seus erros com autor e com o público.

A segunda: se não houvesse a reação, indignada e manifesta do público, estes erros jamais viriam a público e a arte de Chico teria sido ferida de morte, porque estaria servindo para insuflar o ódio, a intolerância e o autoritarismo contra os quais sempre foi um delicado guerreiro e que lhe custaram até o sofrimento do exílio.

O perdão que pede não se concede, conquista-se com o tempo e as atitudes.

Fernando Brito:

View Comments (44)

  • Para mim, o que fica desse episódio, é o parágrafo final da matéria.

    • O que esse LIXO deseja é voltar a coletar , via Lei Rouanet, os milhões que terá que ser privado desde então !
      Risível a argumentação de sigilo e reserva da intimidade, quando divulgam criminosamente telefonemas do Presidente Lula, da Presidente Dilma e de autoridades da República, esses fascistas partem pro vale tudo.
      Pimenta só arde nos olhos alheios....C.A.N.A.L.H.A !

      • Não há sigilo algum aqui. Ele estava em um espetáculo público, realizando uma atividade pública e não na casa dele conversando com amigos. É uma desculpa tão esfarrapada que não consegue esconder a falta de razão dele em tentar tapar o sol com a peneira de que o que ele realmente está temendo é o prejuízo financeiro que sua manifestação deselegante, anti-democrática e incoerente (se ele estivesse montando outro espetáculo que não fosse com as músicas do Chico Buarque, quem sabe, usando as músicas do Lobão neoconvertido ao neoliberalismo e ao neofascismo, não teria recebido prontamente o repúdio da plateia que foi ali em busca de outra postura, evidentemente, não a que ele revelou subitamente, surpreendendo o público).

    • Acho que deveríamos perdoa-lo. Afinal ele é humano. Agora, voltar a fazer musical com as músicas do Chico, NUNCA MAIS!!!!!!!!!!
      Por que ele não faz com as músicas do Caetano Veloso.

  • Desculpa pela metade, não vi em nenhum paragrafo desculpas ao seu colega ator negro que foi agredido publicamente.

  • Posso estar redondamente enganado , mas sempre me vem à cabeça (fria) , o arrependimento do bolso , que para o coxinhismo é a parte que mais dói no corpo humano...

    • Acredito que este é um estrago percebido, além da idoneidade moral que se apresenta completamente instável. Lobão sabe bem o que é isto e também já está com muitas dificuldades para promover seus shows.

  • Não me convenceu. Como acreditar em um cara que aproveita do estado com financiamentos de obras questionáveis, deve estar rico, e acha que a presidenta é ladra.

  • Doeu no Bolso, depois que o Chico proibiu a peça, agora o Claudio Botelho fica de mimimi...

  • Mudara apenas nas aparencias. Prefiro nao compartilhar ou asistir trabalho algum deste Senhor de 51 anos. Principalmente porque viveu boa parte de sua vida durante o Periodo Militar.

  • Só está pedindo desculpas porque a casa caiu. Não vejo nenhum arrependimento real, apenas uma forma pensada e calculista de reduzir os danos.
    Está em curso no País uma escalada de intolerância e violência política em níveis inéditos, já há muito atingindo as raias do fascismo. Até mães foram agredidas por carregarem crianças de colo com roupinha vermelha. Não é possível tolerar o oportunsmo e a irresponsabilidade de quem usa de sua posição para incitar o ódio e a violência política.
    O que esse indivíduofez foi usar um espaço onde o público havia se reunido para obter um tipo de entretenimento, para fazer proselitismo político, apologia contra a democracia e discurso de ódio. Não é por acaso que perante a reação mais do que justa da platéia ele revelou-se racista, autoritário e elitista. Era exatamente esse o contudo de sua fala, totalmente oposta aos valores do autor e da obra que estava sendo apresentada.
    Acho que ele não merece perdão, nem desculpas nem ao menos consideração. Está pedindo desculpas da boca para fora por oportunismo e vai repetir o feito quando lhe for possível fazê-lo sem receber resposta à altura. Desculpá-lo equivale a aceitar passivamente essa essa atitude e com isso contribuir para a escalada de intolerância e violência política no País. Claro que não proponho o uso da violêncioa contra ele. Violêncioa só em legítima defesa e em último caso, mas acho que aceitar essa conversinha fiada dele equivale a ser enganado, como trouxas, por um espertalhão que se deu mal e busca uma saída pela tangente. É necessário firmar posição contra esse tipo de atitude. Não agredir o oportunista, mas denunciar e repudiar o oportunismo.

    • Colega, dê um crédito. Não é sempre que se vê alguém pedindo desculpas e admitindo sua própria cagada de forma tão contundente. Foi mais que uma dor de bolso. Até porque, o próprio Lula passou por coisa semelhante recentemente. Pediu voltou atrás (sem pedir desculpas) em relação ao que disse ao Supremo, cinte da besteira que falou e da necessidade não jogar bosta nas instituições neste momento. O que ele falou na gravação, nunca diria em público. No particular, o fígado tem mais liberdade pra expressar bobagens comprometedoras. É assim, ao menos com pessoas responsáveis. É uma regra que não vale pra gente como o Escosteguy (leu o outro post?). Enfim, expressar vergonha por um desabafo feito aos botões, não é pra qualquer um.

      • Edigar, são situações bem diferentes. Lula criticou o supremo em conversa privada. Nunca declarou em público ou em discursos.A conversa veio à público por conta de atitude criminosa do Moro, isso não criticam. O Presidente atual do STF fez o mesmo comentário sobre seus colegas na época do mensalão e ninguém deu escarcéu por conta disso.
        No caso desse Botellho, a notícia que veio foi que ele discutiu nos camarins com uma atriz do espetáculo. Áudio feito por pessoa física no momento do confronto não contém ilegalidade porque pode ser usado como defesa pela pessoa confrontada.
        Mas, muito antes do áudio vir a público, eu vi divulgado no mesmo dia do acontecido um vídeo de um ator que estava assistindo o espetáculo e se disse indignado com o desrespeito do ator fascista para com o público e a obra de Chico Buarque. Ele disse que tinha passado um email para o Chico relatando tudo o que aconteceu.
        Sou mais propensa a pensar que ele está preocupado com o bolso sim. Difícil acreditar que alguém que conheça profundamente e admire a obra de Chico Buarque possa ter essa postura reacionária e fascista no âmbito político.
        Se ele tiver que interromper a tournet vai precisar prestar contas ao patrocinadores captados pela Lei Rouanet.
        Ele não é bobo, Chico dá casa cheia. Apesar desse Botellho ter pensamento afinado com Lobão, não faz espetáculo com obra dele porque seria fracasso na certa.

        • Esses pseudos arrependidos deveriam pedir perdão à Dilma, ao Lula e aos militantes petistas.

  • Valeu mais que anos de dedicação às obras de Chico Buarque. Nunca li um pedido de perdão com tamanha integridade. O episódio só mostra o quanto o ser humano - todos os seres humanos - são permeáveis à massificação do pensamento e susceptíveis a momentos de fragilidade emocional que só fazem aflorar o discurso fácil dos que se apossam do senso comum. Não fôssemos tão permeáveis a tudo isto, não haveria porque estudarem-se as formas de controle social, e estas não seriam eficazes. É pra isto que elas existem: pra nos tirar do sério, nos induzir ao erro, nos forçar a descer ao fundo do poço da irracionalidade, sem que nos demos conta de que fomos manipulados. A responsabilidade por isto, claro, sempre será conferida à vítima, nunca aos manipuladores. Crápulas sempre dizem: "a culpa é tua que foi fraco, eu só tirei proveito". Não há outra forma de combater tal discurso e retomar a autonomia mental senão arrepender-se, pedir perdão e, sobretudo, perdoar-se. Desumano é quem tem tanta consciência do que faz e porque faz, que não faz outra coisa senão pensar em como fazer que os outros façam por ele as coisas que ele jura que nunca faria na vida (ufa!). É de gente assim que devemos ter medo. São estes os verdadeiros inimigos. Não porque queiramos que sejam, mas porque é assim que este tipo vê a todos a sua volta.
    As ilusões criadas pelos que se dedicam exclusivamente ao poder pelo poder despencam-se como flor de outono quando aprendemos a recusar as enganações. Os crápulas mostram sua crueldade ilimitada quando recebem o primeiro não. Deixam de ser cordiais, derrubam a máscara na primeira negativa e jamais se arrependem de algo. É quando seu teatro de sombras perde a lona que revela apenas seus contornos, que o perfil do monstro se revela.
    Respostas como a deste Homem trazem à frente do palco a verdade. Um momento revelador - em que podemos entender o que estão tentando fazer conosco - sim, com todos nós! - e ficamos cientes das decisões e da natureza daquilo que proferimos como sendo nosso, mas que não é.
    Acredito que com a consciência do que está se passando, a virulência dos ataques à nossa integridade - mental e física - irá se acirrar. O desespero diante da verdade não deixará alternativa aos golpistas senão a imposição pelo medo. Algo tão ilusório quanto o discurso democrático de Sérgio Moro. Embora o risco seja real, a vitória golpista só se dará se todos se curvarem. Talvez, seja o momento de lembrarmos também de Milton: "Sem polícia, sem a milícia, sem o feitiço, cadê o poder?"

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