Com a lucidez de visão que a montanha do tempo dá a quem observa o Brasil há tantos anos, Janio de Freitas volta de suas férias na Folha com um artigo magistral: estamos metidos numa triste viagem ao passado, ao país onde o golpismo latente ou expresso transformou a política e as instituições em ferramentas de destruição da democracia e, por isso, em travas e desvios que nos atravancaram o desenvolvimento.
E a explicação para este golpismo é, em sua raiz, a dificuldade da classe dominante deste país em conseguir apresentar-se com um projeto nacional mínimamente deglutível pela população, o que explica sua sensacional capacidade de ser derrotada em eleições.
Há ainda pior que este clima percebido por Janio: a intolerância e a selvageria com que se tratam as opiniões políticas. Passou a ser frequente e “aceitável”, também fora dos noticiários de jornal, da televisão e das redes sociais, o exercício da intolerância, da violência verbal e da ideia de expulsão e extermínio que marcaram a noite autoritária do Brasil.
Começar mais uma vez
Janio de Freitas, na Folha
Férias sem viagem não desligam, logo, não são férias. Mas, a bem da verdade, se não pude viajar no planeta, fui levado a viajar no tempo. Com ótimas e péssimas companhias nos 204 milhões transportados a bordo do Brasil de volta ao século 20.
O século que, para nós, começou antes de chegar. Uma linha de historiadores considera que o século 20 só começou para o mundo em 1914, com o fecho brutal da “belle époque” pela irrupção da Guerra Mundial. No Brasil, o novo século começou em 1889, com o golpe de Estado que expulsou o Império e impôs a República. E que não mais se dissociou dela ainda naquele e no decorrer do século 20, como golpismo latente, como inúmeros golpes tentados e frustrados, e como consumados e numerosos golpes ora brancos, ora em seu clássico verde oliva.
“A democracia brasileira está consolidada” não é mais do que uma ideia generosa com o (mau) caráter da política brasileira, produzido e disseminado pela mentalidade primária e gananciosa, além de alheia ao país, da classe dominante com seus poderes maiores que os dos Poderes institucionais. O golpismo é um recurso natural dessa mentalidade. Por isso está aí.
Se não, por que a exibida indignação dos oposicionistas com Dilma por suas práticas opostas às que propalou na campanha? É só falsidade. Oposição honesta, se não for imbecil, não tem como não estar satisfeita com a adoção de política econômica e medidas antissociais que são autenticamente suas, e de sua conveniência. E satisfeita ainda com a derrota final dos que a repudiaram nas urnas. Um só motivo para tanta indignação exibida: o golpismo.
Alberto Goldman delatou a tática em texto na Folha de 24.2.15. “Como levar adiante uma transição (…) sem ter de aguardar quatro anos” é “um desafio” que “só acontecerá se o agravamento das condições econômicas e política persistirem [o plural é dele] a ponto de mobilizar o povo e os partidos para uma solução que, de qualquer forma, ainda que legal e democrática, não deixa de ser traumática”.
Ou seja, berreiro acusatório total contra “as condições econômicas e políticas” até conseguir clima para derrubar a presidente: (…) “Dilma Rousseff e seu partido não têm condições políticas e morais para conduzir o país por mais muito tempo”.
Pequenos trechos a meio do noticiário confirmam a continuidade do propósito e da prática. Assim, nos últimos dias: “Não se trata de sangrar, a degradação econômica e política pode levar ao impeachment, não se deve ter receio” (Carlos Sampaio, irado líder do PSDB na Câmara). Ou a referência ao governo como “o que não deve ser salvo”, feita por Fernando Henrique. Ou ainda as reuniões da direção peessedebista com delegados e advogados à procura de meios de incriminar Dilma, e por aí em diante.
As negativas de adoção do golpismo feitas pelos oposicionistas vociferantes são apenas falsidade política. Até porque, lá atrás, antes que lhes parecesse inconveniente se mostrarem golpistas, deixaram claro o seu objetivo de forçar o impeachment, cuja falta de fundamentação constitucional não projetou mais do que um golpe baixo.
A falsa indignação com a economia e o uso da Lava Jato contra Dilma não bastam para aproximar o golpismo do êxito. Há muitos motivos políticos para que, no Congresso, uma tentativa forçada de impeachment seja derrotada. No Supremo Tribunal Federal de hoje em dia não há possibilidade de aceitação, ainda que conte com uns três votos, de impeachment que não esteja fundamentado com muita solidez factual e em segura constitucionalidade.
O que entrou e continua no século 21, na vida institucional brasileira, não pode ser esquecido. A proteção das Forças Armadas aos militares acusados de crimes na ditadura impediu a atenção para esta presença. Aos recém-substituídos comandantes general Enzo Peri, brigadeiro Juniti Sato e almirante Júlio Moura é necessário reconhecer que asseguraram, ao longo do governo Lula e no de Dilma, uma conduta exemplar dos militares.
Nem uma só voz de militar da ativa veio agravar qualquer dos vários períodos de conturbação. O homem das casernas tornou-se o exemplo de civilização e civilidade, ao lado da degradação paisana. O antigo troglodismo armado está restrito, inofensivo, aos bolsonaros de pijama no Clube Militar.
Além de torcer para que esse exemplo perdure, é preciso batalhar outra vez contra os ressurgidos obscurantistas.
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Esqueceu-se de mensionar a a sorrateira presença dos interesses internacionais a manobrar essa elite corrupta historicamente, e entreguista, alimentada por uma midia laranja como a rede Globo.
Muito bem lembrado.
Se houvesse um golpe no Brasil jornalista ( este sim, um Senhor Jornalista) como Janio de Freitas seria um dos primeiros a sofrer com a repressão. Foi isto que se viu em 64. Por isso viva a Democracia e abaixo os golpistas.
Cada vez mais sou convicto dos meus princípios democráticos e não é uma cambada de riquinhos que vai me convencer do contrário. Viva a nossa democracia!
Acho oportuno uma leitura, ou releitura, do Faoro, Os Donos do Poder.
O nosso andar de cima, escravista até a medula, é tratado com um estado maior de intermediação, totalmente dependente de interesses das metrópoles.
Logo, é inerente à sua natureza a impossibilidade de existência de um projeto nacional.
Fernando, o problema reside nas instituiçoes p[ublicas que se prestam ao nome da "justiça" desse país. MPF, PGR e muitos do STF advogam contra a democracia e contra os interesses nacionais, porque agasalham "pessoas" e "interesses" inconfessáveis.
Esses órgaos acima nao resistiram a uma análise séria e isenta, aliás,produtivo seria perguntar quem ou que órgao os fiscaliza para evitar desvio de funçao? A resposta é: ninguém. Isto porque sao um meio e um fim em si mesmos.
É a concentraçao de um Estado-juiz e Estado-acusador resumido num só ente público, que, sem isençao, sem contraponto, sem freio nem respeito, decide como, quando e qual é o alvo a ser aniquilado. Isso é uma ditadura judicial.
O povo é está sob o cárcere da mídia[a ditadura dessa mídia] sem saber das grandes questoes que necessitam ser resolvidas, e, ao que parece, assim será mantida a estrutura de poder no Brasil.
Desde a constituiçao de 1988 essas brechas toleradas, mas que poderiam ter sido sanadas, é que permitem a contradiçao e distorçoes no Poder.
Agora, nao havendo mais a disposiçao para acordos de conveniencias, "essas brechas ou distorçoes" serao invocadas e impostas à sociedade para resguardar os interesses "dos de sempre", e pior - travestida em nome da "justiça" e da legalidade.
Igorancia, manipulaçao e Poder é a receita para o sucesso da ditadura branca - o exercício do controle total sobre os interesses da maioria.
Estou pessimista em relaçao ao páis. A justiça do país foi coopatada e está aparelhada para legitimar o golpe civil que está em curso.
E o povo?? Bem, esse povo, como sempre, nao saberá da onde veio o tiro mas será o principal afetado de toda a desgraça que desabará sobre a sua cabeça - o desmonte total da economia do seu país e suas consequencias.
Pobre Brasil. Oa ladroes tomarao conta de tudo e os "responsáveis" pela entrega vao gargalhar da ignorancia e servidao do povo brasileiro.
Até quando??
O golpismo no Brasil é comandado pela mídia vil e manipuladora aliada a elite canalha. A última canalhice foi a afirmação do sr. FHC de que a corrupção é uma "mocinha" talvez um "bebê". Na historia da humanidade há relatos de corrupção desde os Faraós no Egito, no Império Romano (Calígula e Nero), nos Evangelhos (Judas foi corrompido por 30 moedas), na Igreja Católica (Papa Borgia) e de vez em quando, nos últimos 50 anos, surge um escândalo financeiro envolvendo a Cúria Romana.
No Brasil, na Serra da Moeda em Minas Gerais, por volta de 1720, foi criada uma casa clandestina de fundição de moeda, distante 100 Kms, de Ouro Preto. A Lei do Quinto determinava a cobrança de um quinto (20%) do ouro cunhado com o selo real. Daí a expressão "quinto dos infernos". Na casa clandestina de fundição da Serra da Moeda cobrava-se 15%, e, qualquer aproximação de pessoas não autorizadas era rechaçada a tiros de trabuco. Na construção de Brasília, falava-se da duplicação do faturamento dos caminhões de cimento que eram contabilizados duplamente nas obras. Na época da ditadura militar, nas chamadas obras faraônicas (Ferrovia do Aço, Ponte Rio-Niterói, Transamazônica, etc)falava-se numa sobretaxa de 10%. Em um artigo Ricardo Semler, filiado do PSDB, afirma que sua empresa nunca conseguiu furar o bloqueio do cartel da Petrobras. O jornalista Paulo Francis, ainda no governo FHC, denunciou em programa de televisão, que diretores da Petrobrás tinham contas na Suíça, provenientes de desvios financeiros. Finalmente, mesmo delações da operação "lava jato" mencionam propinas na década de 90.
A pergunta que fica no ar é: Como pode um sociólogo, ex professor da USP, dizer que a corrupção é mocinha, talvez um bebê?
Será falta de honestidade intelectual? Será mau-caratismo militante? será excesso de cara de pau? Será o rebaixamento pessoal, ao final avida, à prática da politicagem rasteira?
Seja lá o que for, lamentavelmente, isso não contribui em nada para a democracia.
esse sabe que quando o povo sai nas suas, como contra a Gloriosa e Collor, só acaba fazendo imundice e gerando políticos bilhões de vezes para corruptos. Assim como, tal qual ele, também acho que o certo faz é Fidel e turma. Basta uns três saírem juntos nas ruas para levarem porradas
Estamos vivendo uma era, época da "santa" inquisição. Sob os tacões da mídia e do judiciário.Tempos sombrios. Hora de luta.
Meus parabéns Jornalista Jânio de Freitas! Perfeita analise. Os militares estão dando total demostração de respeito a constituição, civilidade não são como estes ALOPRADOS, DOIDIVANAS que foram as ruas dia 15 pedindo a volta da ditadura.