Não tinha visto antes, teria sido mais duro no post anterior, onde falo do comportamento da imprensa no caso do desmoronamento das barragens. Não que tenha passado a crer num complô. Mas porque a incapacidade da imprensa brasileira de tomar a causa das vítimas – e não de explorar superficialmente a sua dor – é, também, de doer fundo.
E é assim, profundamente que se expressa a dor que Luiz Carlos Azenha, ontem à noite, sente em seu post sobre os desdobramentos da catástrofe da pobre Bento Rodrigues, povoado de Mariana, e de todo o trilho de destruição que os rejeitos da mineradora Samarco foram deixando.
Porque olhamos assim, num retrato borrado a lama, o que fica de uma exploração predatória de nossas riquezas que, da privatização para cá, trocou de mãos, das públicas para as privadas, sob o argumento de que estas eram mais capazes, eficientes e que deixariam pingar de entre seus dedos ávidos, riqueza bastante para fazer da vida dos pobres algo menos ruim. O que os economistas neoliberais chamam de “trickle-down economics”, na sua imensa capacidade de fazer parecer lógico o que é absurdo.
Qual nada! Não é difícil.
Simplesmente não é desejado.
Bastidores de uma tragédia: Os relações públicas da Samarco dão uma surra no Estado brasileiro, que sucumbe ao poder econômico
Luiz Carlos Azenha, no Viomundo
A mineradora Samarco, joint venture da Vale com a australiana BHP Billiton, teve um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões em 2014. Ou seja, limpinhos!
Como se sabe, o Brasil é uma “mãe” para as mineradoras. A Agência Pública fez uma reportagem interessante a respeito, quando Marina Amaral perguntou: Quem lucra com a Vale?
O “pai” das mineradoras é Fernando Henrique Cardoso. Em 1996, com a Lei Kandir, isentou de ICMS as exportações de minerais!
O que aconteceu com a Vale, privatizada a preço de banana, é o mesmo que se pretende fazer com a Petrobras: colocar a empresa completamente a serviço dos acionistas, não do Brasil.
O que isso significa?
Auferir lucros a curto prazo, custe o que custar.
A questão-chave está no ritmo da exploração das reservas minerais.
Num país soberano, o ritmo é ditado pelo interesse público. É de interesse da população brasileira, por exemplo, inundar o mercado com o petróleo do pré-sal, derrubando os preços? Claro que não.
Quem lucra, neste caso, são os países consumidores. Os Estados Unidos, por exemplo. Portanto, quando FHC privatizou parcialmente a Petrobras, vendendo ações na bolsa de Nova York, ele transferiu parte da soberania brasileira para investidores estrangeiros. Eles, sim, querem retorno rápido. Querem cavar o oceano às pressas, até esgotar o pré-sal. É a dinâmica do capitalismo!
O Brasil é um país sem memória. Não se lembra, por exemplo, do que aconteceu na serra do Navio, no Amapá. Uma das maiores reservas de manganês do mundo foi esgotada porque interessava aos esforços dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Ficamos com o buraco e a destruição ambiental…
Obviamente, não é um problema brasileiro. Fui pessoalmente às famosas minas de diamante de Serra Leoa, na África, que mereceram uma visita da rainha Elizabeth. Investiguei o entorno. O local de onde sairam bilhões de dólares em diamantes não tinha rede de esgoto, nem de distribuição de água.
O mesmo está acontecendo neste exato momento com o coltan, do Congo, um mineral utilizado pela indústria eletroeletrônica. A exploração do coltan financia uma guerra interminável de milicias, que exportam o mineral para a Bélgica praticamente de graça!
Serra Leoa, Congo, Brasil…
Infelizmente, estamos no mesmo nível.
Como denuncia seguidamente o Lúcio Flávio Pinto, o ritmo da exploração do minério de ferro de Carajás é um crime de lesa-Pátria.
Por que haveria de ser diferente nas reservas de Minas Gerais?
A economia do estado, tanto quanto a brasileira, ainda é extremamente dependente da exportação de commodities. À Vale interessa produzir rápido, derrubar o preço a qualquer custo para apresentar lucro no balanço.
Infelizmente, a elite brasileira até hoje se mostrou incapaz de formular um projeto soberano de país. Isso vale para PSDB, PT e todos os outros, como ficou evidente na tragédia de Mariana.
Não podemos culpar a mineradora Samarco pela tragédia antes de uma investigação independente e rigorosa. Mas, será que ela vai acontecer?
Do prefeito de Mariana ao senador tucano Aécio Neves, passando pelo governador petista Fernando Pimentel, todos deram piruetas para salvaguardar a Samarco. Pimentel deu uma entrevista coletiva na sede da mineradora!
Enquanto isso, milhões de metros cúbicos de lama desceram o rio do Carmo e chegaram ao rio Doce.
A Samarco diz que a lama é inerte, ou seja, não oferece risco à saúde.
Numa situação ideal, não caberia à Samarco dizer isso — com reprodução martelada em todos os telejornais da Globo.
O familiar de um desaparecido comentou comigo que, na Globo, as vítimas da tragédia não tinham rosto…
A Vale, afinal, é grande patrocinadora.
Espanta é que os governos federal, estadual e municipal, que em tese deveriam atuar de forma independente — em nome do interesse público — não o façam.
A primeira providência em um país civilizado seria uma análise de emergência na lama, para determinar se ela oferece algum risco à saúde.
Afinal, milhões de brasileiros podem entrar em contato com os rejeitos, seja nas margens dos rios, seja através da água consumida.
Além disso, o tsunami de lama carregou corpos humanos e de animais por uma longa extensão, de centenas de quilômetros.
No entanto, a não ser pelo esforço de relações públicas da Samarco, as pessoas afetadas, como testemunhei pessoalmente, estão totalmente no escuro.
Mais adiante, outras questões importantes vão surgir.
O rio do Carmo foi completamente destruído, de ponta a ponta. Quem vai pagar a conta? O Estado brasileiro ou a Samarco?
A Samarco fez o que se espera de uma empresa privada, que pretende minimizar os impactos sobre si do desastre ambiental que produziu.
De forma competente, acionou seu esquema de relações públicas para deixar no ar a ideia de que o rompimento de duas barragens foi consequência de um terremoto.
Transferiu os desabrigados para hoteis, evitando a ebulição de centenas de pessoas que, conjuntamente, poderiam conjurar contra uma empresa da qual sempre desconfiaram.
Conversei com os sobreviventes de Bento Rodrigues: todos sempre acharam um exagero o crescimento vertical, contínuo, da barragem, para guardar mais e mais lama.
Segundo eles, a Samarco começou a comprar novas áreas de terra porque pretendia construir uma outra barragem, mais próxima do povoado, para dar conta do armazenamento dos rejeitos.
Que a Samarco cuide de seus interesses é parte do jogo.
O espantoso é ver a captura do Estado brasileiro, em todas as esferas, pelo interesse privado.
Basta uma consulta às pessoas comuns, que vivem sob as barragens de rejeitos — que se contam às centenas em Minas — para que elas denunciem: as empresas aumentam indefinidamente as cotas, sem transparência, sem qualquer consulta pública, sem planos de resgate de emergência, sem um básico sinal sonoro para dar o alerta em caso de acidente.
É bem mais barato que construir uma nova barragem, certo? Lembrem-se: estas empresas estão a serviço do lucro de seus acionistas e a maioria deles não mora em Mariana, provavelmente nem mora no Brasil.
Minas Gerais, acossada pela crise econômica, sucumbe à lógica das mineradoras: como denunciou o leitor Reginaldo Proque, está tramitando na Assembleia Legislativa um projeto para simplificar o licenciamento ambiental, de autoria do governo Pimentel.
Em resumo, os desabrigados das margens do rio do Carmo fazem o papel, em carne e osso, da crise de representação da política brasileira.
Ninguém os ouve, nem consulta.
Quando muito, são sobrevoados por helicópteros que “representam” um Estado servil ao poder econômico.
PS. Se é fato esta história dos “terremotos” estar sendo insuflada aos ouvidos pela assessoria da Samarco, é a triste repetição do caso, há exatos quatro anos, em que a Chevron, pelos mesmos meios, tentava minimizar o vazamento de óleo no Campo de Frade, dizendo, em nota, que era uma “exsudação natural” de petróleo do leito marinho. Foi preciso gente teimosa para mostrar que o rei estava ridiculamente nu.
View Comments (17)
FOI A MESMA COISA QUE ACONTECEU NO PINHEIRINHO E SÃO PAULO. Enquanto o FHC ANIVERSARIANTE recebia uma carta quase de AMOR da presidenta os habitantes do pinheirinho eram jogados ao lixo. No caso dessa barragem, era o seguinte, 1º. Prender os diretores, convocar os técnicos, isolar com a polícia para todos da empresa e se ainda houvesse risco, isolar para todos, convocar o conselho de crises e procurar salvar o máximo de vítimas. Fizeram nada, simplesmente a SAMARCO expulsou o governo e ainda usou a polícia para cercar patrimônio público. OS BANCOS JÀ SÃO DONOS DO BRASIL, AGORA DESCOBRIMOS QUE EMPRESÁRIOS MALDITOS TAMBÉM MANDAM EM TUDO. VERGONHA...VERGONHA
Prender diretores ? Meu caro, tragédia maior ainda que esta de MG é o que o Joaquim Levy está fazendo com a economia brasileira, jogando milhares de pessoas na rua imunda do desemprego, tudo com o aval de Dilma Rousseff, aquela que votamos para não deixar o psdb do Aécim voltar ao poder...
O PT traiu mais uma vez a confiança e esperança do pobre povo brasileiro, faz quatro eleições que votamos no menos danoso, mas até quando isso será o bastante ? Parece que o modelo morde-assopra faliu !
Óbvio que a histeria do Fora Dilma soa ridículo, mas a verdade é que existe uma possibilidade real e absurda dela entregar o País em uma situação extremamente pior do que encontrou.
Um Governo medíocre até então, onde eventos como o dessa mineradora é apenas a ponta da Cunha que corrói nosso futuro !
Será que Datena, Marcelo Rezende e os outros programas semelhantes irão se interessar por mostrar esta tragédia ao Brasil ? A Veja, a Época, a Isto É, como serão suas respectivas capas ?
Vargas estatizou o subsolo e Fegacêrraecim desestatizaram. Meio complicado voltar atrás, pois mexer no meio mineral é mexer em Vespeiro e com risco de vida.
É por isso que Vargas foi suicidado.
Minas Gerais e o Norte e NE, são o Brasil Colônia para envio de minérios estratégicos aos mesmos colonizadores do passado em troca de "espelhinhos".
Quanto Nióbio, Níquel, Ferro, Alumínio, Ouro, Tântalo, Manganês e muitos mais ( inclusive pedras preciosas ) saem do país como "areia" e voltam a preço megafaturado e o povão contente pagando por isso ? Quantos carros, telefones, componentes saem como areia e voltam para os mesmos lugares manufaturados ?
Bom dia,
vai dê Novo um alerta: FIQUEM DE OLHO EM PARACATU - MG!! Lá é só mercúrio.
A Vale/Samarco já acionou o seguro no valor astronômico de 1,2 bilhões.Se livram do lixo que teriam de cuidar por décadas,ferram Minas,Espírito Santo e o Oceano Atlântico e ainda recebem uma bolada...
E uma área para a nova represa novinha e totalmente já legalizada.
Já desconfiava que esta barragem era uma P35 com roupa diferente. É o "acaso que vem ao caso".
Se a empresa de Seguro for conivente, pagam a bolada, se forem "idôneos" ao menos vão a Justiça e o processo vai longe, já que existe um documento apontando fragilidades na estrutura.
"O desastre ambiental provocado pelo desmoronamento das duas barragens da Samarco em Minas Gerais abre uma investigação pela indústria de seguros, incluindo corretoras, seguradoras, resseguradoras e especialistas em regulação de sinistros. Segundo executivos entrevistados pelo blog Sonho Seguro, a corretora é a Willis, a apólice de property tem como líder a ACE, com 80% do risco, e a apólice de responsabilidade civil está com a Allianz. Os limites de indenização dos contratos não foram confirmados pelos executivos entrevistados, mas a partir de segunda-feira mais detalhes deverão ser fornecidos pelas empresas.
Segundo nota na coluna de Sonia Racy, no jornal Estado de São Paulo, o valor seria de R$ 1 bilhão. O que, se confirmado, seria para a apólice de property. Poucos acreditam que a apólice de responsabilidade civil, a que mais deve ser acionada neste acidente, tenha um limite desse, considerado elevado demais para a cultura empresarial do mercado local. E mesmo que seja confirmado, o valor de US$ 250 milhões de limite máximo indenizável, é considerável mas não afeta a solvência das maiores seguradoras do mundo envolvidas neste acidente. Além disso, elas tem programas de resseguros para dividir a conta. Sonia Racy também cita a seguradora Fairfax, não confirmada ao blog Sonho Seguro."
A PRIMEIRA coisa que um juiz sério deveria fazer é mandar imediatamente levantar estes seguros e BLOQUEAR seus prêmios para indenização das famílias e para as ações de recomposição ambiental decorrentes do crime ambiental.
Se fosse na China ou no Japão. Já tinha gente presa.
Pior que não, tem alguém preso pelo acidente nuclear de Fukushima ????
Fernando fico pensando o seguinte, como o governo Dilma se posicionará em frente a três fatos paralelos:
Este sobre as vítimas do acidente da Samarco e as ações sobre a empresa,
A 'greve' dos caminhoneiros sem pauta que querem derrubar o governo brasileiro.
E a GREVE do funcionários da Petrobrás contra o plano de Desinvestimento/Privatização da Economista Roussef, Ministro Levy e seus prepostos o Bendine do Banco do Brasil (?) e o Murilo Ferreira Bi presidente da Vale e do conselho de administração da Petrobrás tomado de assalto de representantes do "Mercado"...
As diferentes reações do governo e a forma de reagir mostrará para onde está indo o Governo Dilma...
Pior é que nao vai dar nada para os responsáveis.
Até quando o Brasil vai ser o país da impunidade para maus brasileiros e estrangeiros irresponsáveis???
Lembran-se daquele vazamento de óleo que provocou um dano ambiental e matou milhares de animais no oceano??? Entao, ninguém até hoje foi punido.
A vida dos brasileiros vale pouco no Brasil, entao, por que os estrangeiros vao se apiedar de nós?
Nota ZERO para a "JUSTIÇA BRASILEIRA". Ela tem lado e nao é o nosso, nao..
"SÃO PAULO (Reuters) - A apólice para cobertura dos prejuízos à Samarco decorrentes do rompimento de duas barragens de rejeitos de mineração na cidade de Mariana (MG), na semana passada, supera em muito a cifra de 1 bilhão de reais, disse nesta segunda-feira uma fonte a par do assunto.
"É muito maior que 1 bilhão de reais a apólice de properties", disse uma fonte com conhecimento do assunto e que pediu para não ser identificada, porque os contratos não são públicos.
A apólice de properties cobre prejuízos de danos materiais causados pelo acidente à companhia, uma joint venture entre a Vale e a australiana BHP. A fonte não soube dizer se o contrato inclui eventuais perdas de receitas devido à paralisação da unidade."