Beluzzo: a elite brasileira não reconhece nosso povo

Tempos atrás,  Saul Leblon, na Carta maior, relembrava que Sergio Buarque de Holanda antevia, em 1936, “as raízes de um Brasil insulado em elites indiferentes ao destino coletivo”, onde o engenho “era um Estado paralelo ao mundo colonial”.

Ninguém desfruta 388 anos de escravidão impunemente, escreveu.”Os alicerces do engenho ficaram marmorizados no DNA cultural das nossas elites: nenhum compromisso com o mundo exterior, exceto a pilhagem e a predação; usos e abusos para consumo e enriquecimento”.

O artigo de Luiz Gonzaga Beluzzo, na Carta Capital, faz uma reflexão amarga sobre a ressurgência deste sentimento, quase um apartheid atávico, que nos retira ainda a condição de nação, porque é uma partição interna própria das colônias esta falta de identidade.

Os “dois Brasis”, a “Belíndia”, o “Primo Rico e o Primo Pobre”, o “horror a pobre” podem ser balelas na economia, mas são realidade nas superestruturas ideológicas da sociedade brasileira. E isso contamina, com me ensina o mestre Nílson Lage, até mesmo parte de sua pseudo-esquerda, mesmo diante dos perigos de ruptura da trajetória democrática e inclusiva recente, acha que se deve cuidar das  pequenas vitória das “minorias”, enquanto a maioria se arrebenta.

Um certo Brasil

Luiz Gonzaga Beluzzo, na Carta Capital

Um grande e velho amigo tem o hábito de estender a mão, cumprimentar e conversar com os funcionários ao chegar à sua empresa. Pergunta pela família, quer saber dos filhos, os pequenos, os adolescentes e os crescidos. Brinca com os torcedores adversários nas derrotas de seus times e até mesmo ironiza os fanáticos da sua banda futebolística.

Numa dessas, estendeu a mão para cumprimentar o jardineiro recém-chegado. Ele cuidava das orquídeas e bromélias espalhadas à frente do edifício da diretoria. Diante da mão estendida, o jardineiro mostrou as mãos sujas de terra e sacudiu os braços em um gesto de frustração. Meu amigo não desistiu: abraçou o artesão da natureza. O trabalhador ficou surpreso e no almoço com os companheiros não se cansava de dizer: nunca havia sido tratado “dessa maneira”. 

 

 
“Essa maneira” revela muito mais do que um abraço. O abraço e seu reconhecimento, mais o reconhecimento do que o abraço, revelam as entranhas de um certo Brasil. Os habitantes desse país dentro do País não veem as pessoas.  As pessoas, gente, humanos, eles e elas, aqueles que começaram a aparecer nos aeroportos, nos supermercados, nos shopping centers, percebem que os de cima sentem que “eles não são o que nós somos”. Não conseguem reconhecer o outro. Convivem no mesmo território, mas não frequentam a mesma sociedade. Querem dizer: eles não são nossos semelhantes. São nossos servidores. 

 

Na onda de louvação das virtudes do mundo globalizado, a rejeição ao “nacional” atingiu camadas profundas das almas excelentes. A nova rejeição é mais profunda porque, de forma devastadora, erodiu os sentimentos de pertinência à mesma comunidade de destino, suscitando processos subjetivos de diferenciação e desidentificação em relação aos “outros”, ou seja, à massa de pobres e miseráveis que “infesta” o País. E essa desidentificação vem assumindo cada vez mais as feições de um individualismo agressivo e antirrepublicano. 

A rejeição também foi mais ampla porque essas formas de consciência social contaminaram vastas camadas das classes médias: desde os “novos” proprietários, passando pelos quadros técnicos intermediários até chegar aos executivos assalariados e à nova intelectualidade formada em universidades estrangeiras ou mesmo em escolas locais que se esmeram em reproduzir os valores do individualismo agressivo. Isso para não falar do papel avassalador da mídia. 

Os brasileiros de anedota e champanhota jamais aceitaram o liberalismo político e a democracia dos iguais e diferentes, criações insuperáveis da aurora burguesa. Por isso, quando dizem defender a liberdade de expressão, sinto calafrios. A liberdade de expressão é uma prerrogativa do cidadão e não um monopólio das empresas de comunicação. Esse direito fundamental não está ameaçado. Muito ao contrário. Tem sido exercido nos baixios da ignorância e da manipulação descarada. 

Talvez remanesça a tal ameaça à liberdade de expressão nos esgares dos nostálgicos do golpe de 64, agora embuçados em suas máscaras de pais da pátria e defensores da democracia. Ainda me lembro das proclamações exaltadas contra a subversão e a corrupção às vésperas do golpe de 1964. Foram essas consignas que envenenaram o ambiente político e social. 

As “forças democráticas” nativas estavam arquitetando a supressão da democracia. Da conspirata participavam naturalmente os homens de bem: os senhores da mídia, empresários, parte da classe média ilustrada, semi-ilustrada e deslustrada. Alguns intelectuais preparavam as malas para se juntar aos golpistas e executar seus projetos pessoais à sombra da censura e ao abrigo da escuridão.

Um certo Brasil é o país dos senhoritos arrogantes e presunçosos, sempre convencidos de sua superioridade moral e intelectual. Há tempos recebi interpelações dos que diziam defender a Democracia Esclarecida. É uma boa ideia. Espero que não guarde parentesco com a preconceituosa pretensão de uma Democracia Exclusiva dos que se autointitulam Esclarecidos. Há esperança: os Esclarecidos correm o risco de ser abalroados pelos ardis da razão, trombando com as ideias do projeto do Esclarecimento do século XVIII. Estão também ameaçados de compreender a luta dos subalternos no século XX. Luta que culminou na conquista dos direitos sociais e econômicos do pós-Guerra. O Brasil chegou muito tarde a esse estágio do convívio social e o horizonte já está toldado pelas nuvens negras do retrocesso almejado pelos verdadeiros donos do País.  

A alteridade democrática assenta-se no reconhecimento da diferença e da igualdade. Os totalitarismos da modernidade, à esquerda e à direita, praticaram a violação sistemática do equilíbrio entre igualdade e diferença, mergulhando os cidadãos no igualitarismo manipulador da indiferenciação de massas. 

Fernando Brito:

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  • Triste do país que nunca passou sua história a limpo. Taí , o resultado.

  • Brito, em respeito ao contraditório, quero ouvir sua opinião sobre a entrevista do Delfim ao estadão neste fim de semana. Citou pejorativamente o Brizola e desancou a Dilma!

    • Li a entrevista. Para defender este governo somente sendo um apaixonado pelo PT ou estar recebendo algum pixuleco. Impressionante as colocações do Sr. Delfim Neto a respeito das decisões do governo e suas políticas implantadas. No fundo acho que a Dilma gostaria que a oposição tivesse assumido o poder, para assim, se eximir de responsabilidades. O Brasil levará anos para sair dessa situação; se é que sairá algum dia.

  • Fernando esta elite que Beluzzo aponta é o pai desta direita radical e cheia de ódio que envenena o país.

    O nome do pai é a Aristocracia Rural Escravocrata e Monárquica, estamento social da Elite brasileira que no momento que a Monarquia aboliu a Escravidão ela de pronto se transforma em Aristocracia Rural Escravocrata e faz seu primeiro pacto militar e assim aboliu a Monarquia e assim criam juntos a República Velha, a política Café com Leite e o incremento militar até o final dos anos 20.

    A Mãe da direita brasileira nasceu deste convívio próximo dos líderes militares do início da República com a Aristocracia Rural e Política da República Velha que infundidos por este sentimento elitista a não pertencer a massa da população acabou por atrair os militares da Marinha e Exército dos anos trinta as teses Nazistas. Dele surgiu o que chamo de Nazismo Moreno Militar que propiciou um dos momentos mais obscuros e pouco entendidos da nossa História, os quase dez anos onde várias gerações de oficiais militares se formaram e geraram uma espécie de "MAÇONARIA FASCISTA" que nos próximos 30 anos dominaria quase que completamente os quadros superiores das Forças Armadas brasileiras.
    Pai e Mãe (Aristocracia Rural Política Econômica e o Nazismo Moreno Militar) fizeram seu segundo pacto e "revolução" em 1964 e esmagaram novamente as forças progressistas.
    Sem esta compreensão profunda da relação mútua da elite escravocrata e o seu braço militar, qualquer esforço para entender a evolução histórica do Brasil fica prejudicado e se desvia da realidade e do que efetivamente guiou esta ELITE BRASILEIRA.

  • Numa discussão teórica sobre romance, Lukács afirma que se você tem um amigo, empresário, que enriqueceu pelo seu próprio trabalho, parabéns, mas ele não constitui um personagem de romance. Como afirma Lukács, não configura um "tipo". Nesses casos, a exceção não serve nem para confirmar a regra.

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