Minha juventude foi cheia de heróis.
Os de verdade, não os dos quadrinhos e seriados.
Ho-Chi-Min, o cozinheiro de navio que escrevia poesias e enfrentava o maior exército do mundo no Vietnã.
Fidel e Che Guevara – mataram Guevara, todos sussurravam, eu fantasiava a dúvida de que aquilo pudesse ser verdade…
Depois vieram o Arafat, o Samora Machel, o Agostinho Neto, todos guerreiros sensíveis, capazes de baixar a pistola e pegar o ramo de oliveira ou a pena de poeta.
Havia – não se podia falar seu nome, exceto na casa de meu avô – o Prestes, sim o Velho, o Cavaleiro lendário.
O cárcere – escutem isso, meus amigos mais jovens – era uma espécie de privação sagrada, os 40 dias de Cristo no deserto …
E havia Nelson Mandela, o estóico Nélson Mandela, preso há uma década, decada e meia, duas décadas, quase três…
Duro, silencioso, invencível.
Nos tempos de maturidade, vocês não sabem que privilégio foi o de ver alguns dos meus heróis em carne e osso, a oportunidade que tive por estar ao lado de outro “maldito”, Leonel Brizola.
Os que viviam, encontrei.
É estranho encontrar-se com uma figura mítica.
Estar com Mandela, mais estranho do que com qualquer outra, porque era inevitável, mesmo a um ateu encardido como eu, deixar de ter um comportamento reverencial, um impulso de abaixar a cabeça teimosa e algum medo de olhar os olhos apertados e brilhantes.
Brecht podia, como europeu, dar-se ao luxo de dizer que era triste um povo precisar de heróis.
Os povos oprimidos, dominados, escravizados, negros ou mestiços como nós, precisamos deles, sim.
Eles são uma bússola, um Norte que alinha milhares, milhões de forças minúsculas como um imã, tornando-as imensas.
E quando eles se vão, continuam em nós, por nós, por todos.
Que bom poder perder seus heróis, porque esse é o preço do imenso privilégio de tê-los tido.
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Belo texto, camarada!
Belo texto, camarada!
Belo texto, camarada!
Belo texto, camarada!
Notável é perceber que nem mesmo a tristeza da despedida tira o brilho de uma vida como foi a de Mandela e de todos nominados aqui e outros que não foram citados. Bom saber que fomos contemporâneos desses heróis. A gente entende herói como alguém que avançou além de seus limites e além de si mesmo. Demasiados humanos foram esses homens.A Mandela, com carinho.
Falando do FHC e a notícia da morte do grandíssimo Mandela:
Brasil, o Apartheid continua aqui. Em pleno século 21.
Mandela nunca guardou rancor. Já o FHC e o Joaquim Barbosa são um poço de mágoas, ódio pessoal e RESSENTIMENTOS... O Joaquim Barbosa envergonhou a raça; o outro (Mandela) libertou a raça. FHC guarda um puta RESSENTIMENTO do Lula, já o Mandela PERDUOU aqueles que o mantiveram preso por 27 anos!! O Brasil continua sendo a verdadeira África do Sul do século 21!!
Carlos MT
Essas pessoas não morrem, brilham feito estrelas
Os bons sempre morrem cedo, não importa quanto tenham vivido, né não?
Muito, muito bonito! Grande privilégio de ter estado com gente dessa grandeza. Belíssima homenagem.
Também já sou maduro,velho,digamos pois me escuso aceitar Idoso,que se refere ao que está indo,e eu,pretendo ficar por mais um tempo!Também tenho meus heróis,que são quase os mesmos do autor dessa bela crônica,contudo também cometi pecados ao longo da adolescência e juventude.Quais sejam,aplaudi John Waine matando índios,espiões estadunidenses,matando russos,e por ai se vai...Entretando o que mais pesa,é ir vivendo com heróis do tipo,constatar que os de hoje,que heróis tem?Constatar que nossos heróis se vão indo,e as coisas não prosperam da direção que eles propunham,que a lusitana roda,como sitam os blogs,e a canalha,que não tem além do lucro individual,seu herói único,continuam dando as cartas,e pra todos nos outros,do lado de cá,somente conseguimos pegar,as mais baixas do baralho dos acontecimentos.Parabéns contudo,sr.Britto...linda evocação...