A vida parece ter algum convênio com a ironia.
Coube a Vera Magalhães – cuja antipatia por Lula é conhecida de todos – ser protagonista do melhor efeito que Lula poderia esperar no pós-debate, que tira o foco do seu desempenho fraco no confronto e atraiu toda a atenção para a misoginia grosseira de Jair Bolsonaro.
Como um escorpião, não é capaz de evitar que sua natureza peçonhenta venha à tona, como uma confissão de estupidez.
Todos os analistas de política e 11 entre 10 pesquisas definem o eleitorado feminino como o ponto mais fraco da performance bolsonarista e foi exatamente aí que Bolsonaro sangrou.
Menos pelo debate em si, que teve, como se previa, menos da metade da audiência das entrevistas do Jornal Nacional e, com muitos candidatos, deixa mais lembranças de momentos que provoca adesão consistente a algum candidato.
No caso de Bolsonaro, porém, o incidente foi a cereja do bolo de uma atuação agressiva, típica de quem precisa “animar sua tropa” e que, desastrosamente, levou à “overdose” contra Vera e a outros erros, menores, mas também evidentes, de atacar quem não é seu adversário: Ciro e Simone Tebet, afinal, tiram votos de Lula e o afastam de formar, já no primeiro turno, maioria absoluta.
A candidata do MDB, aliás, foi mais esperta que Ciro, que teve a melhor bola do jogo, pois cabia a ele comentar a fala de Bolsonaro, mas deixou que o antipetismo que lhe domina a mente deixar o que estava evidente para reclamar das bandeiras na entrada do estúdio, antes de “lacrar” sobre a misoginia que, popularmente, é o famoso “bater em mulher”.
Ciro, aliás, poderia ter crescido mais se não perdesse a mania de apresentar-se como político local, falando o tempo todo em Sobral e no Ceará, aliás governado pelo PT nos últimos anos e de onde está ausente, administrativamente, há quase 30 anos. Alguém resumiu o que consegue Ciro focando o discurso assim: “Ciro foi o maior político que já ocupou a Presidência do Ceará”.
Tebet, ao contrário, foi inteligente ao focar em Bolsonaro e deixar apenas em rápidas menções os ataques ao PT. Conseguiu exposição positiva, essencial para quem é desconhecida e pode se valer de um campo ainda em branco no julgamento público.
Para a equipe de Lula, fica a advertência de que não dá para tratar na base do “paz e amor” as acusações de corrupção. A frase de William Bonner – “o senhor não deve nada à Justiça” – podia, pode e devia ser usada, porque evidencia que – goste ou não a direita – o ex-presidente deixou para trás esta questão.
É melhor que ele próprio traga o assunto – e possa falar – do que se deixar bater, sem chance de reagir à altura, como ocorreu ontem, quando a Band lhe negou o direito de resposta a Bolsonaro.