Celso de Mello: “fui exposto a uma brutal pressão midiática”

Hoje, na coluna Painel, da Folha, o ministro Celso de Mello abriu o verbo contra o que a mídia tentou fazer sobre ele para que recusasse o voto pela admissibilidade dos embargos infringentes. Ele diz que ” em 45 anos de atuação na área jurídica (…) nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação sociais buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a consciência de um juiz.”.

Leia, abaixo, o desabafo do decano do STF,  tanto a um jornal de sua cidade natal, Tatuí (SP), quanto a Monica Bergamo, da Folha, e, claro, espere em vão algum meia culpa do jornal e dos outros meios que fizeram essa “brutal pressão midiática”:

O ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), fez um desabafo no começo da semana a um velho amigo, José Reiner Fernandes, editor do “Jornal Integração”, de Tatuí, sua cidade natal. Em pauta, críticas que recebeu antes mesmo de votar a favor dos embargos infringentes, que deram a réus do mensalão chance de novo julgamento em alguns crimes.

“Há alguns que ainda insistem em dizer que não fui exposto a uma brutal pressão midiática. Basta ler, no entanto, os artigos e editoriais publicados em diversos meios de comunicação social (os ‘mass media’) para se concluir diversamente! É de registrar-se que essa pressão, além de inadequada e insólita, resultou absolutamente inútil”, afirmou ele.

Mello parece estar com o assunto entalado na garganta. Na terça-feira (24), ele respondeu a um telefonema da Folha para confirmar as declarações acima. E falou sobre o tema por quase meia hora.

“Eu imaginava que isso [pressão da mídia para que votasse contra o pedido dos réus] pudesse ocorrer e não me senti pressionado. Mas foi insólito esse comportamento. Nada impede que você critique ou expresse o seu pensamento. O que não tem sentido é pressionar o juiz.”

“Foi algo incomum”, segue. “Eu honestamente, em 45 anos de atuação na área jurídica, como membro do Ministério Público e juiz do STF, nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação sociais buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a consciência de um juiz.”

“Essa tentativa de subjugação midiática da consciência crítica do juiz mostra-se extremamente grave e por isso mesmo insólita”, afirma.

E traz riscos. “É muito perigoso qualquer ensaio que busque subjugar o magistrado, sob pena de frustração das liberdades fundamentais reconhecidas pela Constituição. É inaceitável, parta de onde partir. Sem magistrados independentes jamais haverá cidadãos livres.”

“A liberdade de crítica da imprensa é sempre legítima. Mas às vezes é veiculada com base em fundamentos irracionais e inconsistentes.” Por isso, o juiz não pode se sujeitar a elas. “Abordagens passionais de temas sensíveis descaracterizam a racionalidade inerente ao discurso jurídico. É fundamental que o juiz julgue de modo isento e independente. O que é o direito senão a razão desprovida da paixão?”

O ministro repete: não está questionando “o direito à livre manifestação de pensamento”. “Os meios de comunicação cumprem o seu dever de buscar, veicular informação e opinar sobre os fatos. Exercem legitimamente função que o STF lhes reconhece. E o tribunal tem estado atento a isso. A plena liberdade de expressão é inquestionável.” Ele lembra que já julgou, “sem hesitação nem tergiversação”, centenas de casos que envolviam o direito de jornalistas manifestarem suas críticas. “Minhas decisões falam por si.”

Celso de Mello lembra que a influência da mídia em julgamentos de processos penais, “com possível ofensa ao direito do réu a um julgamento justo”, não é um tema inédito. “É uma discussão que tem merecido atenção e reflexão no âmbito acadêmico e no plano do direito brasileiro.” Citando quase uma dezena de autores, ele afirma que é preciso conciliar “essas grandes liberdades fundamentais”, ou seja, o direito à informação e o direito a um julgamento isento.

O juiz, afirma ele, “não é um ser isolado do mundo. Ele vive e sente as pulsões da sociedade. Ele tem a capacidade de ouvir. Mas precisa ser racional e não pode ser constrangido a se submeter a opiniões externas”.

Apesar de toda a pressão que diz ter identificado, Celso de Mello afirma que o STF julgou o mensalão “de maneira independente”. E que se sentiu “absolutamente livre para formular o meu juízo”. No julgamento, ele quase sempre impôs penas duras à maioria dos réus.

Fernando Brito:

View Comments (14)

  • Os autointitulados ganhadores de dinheiro nesse Pais, sentem um profundo desprezo por quem e profissional. Se ferraram ao topar com eles no Judiciario.

  • Colheram, inclusive o ministro Mello, o que plantaram durante o justiçamento da AP 470. Inventaram, pressionaram, foram contra o direito e a justiça, etc. Resultado: a mídia golpista se sentiu à vontade para pautar "sua excelência".

  • Tenho profundo respeito pela justica desse Pais. Tenho fe que a Corte ira analisar e ajustar ,se for o caso, qualquer falha de aplicacao do Direito.

  • Pois é, agora ele lembra do quanto a mídia golpista pode ser "danosa". Não lembrou de outros tantos exemplos durante o julgamento da AP470 ao longo dos últimos 8 anos. Não mencionou também toda a patifaria de JB, Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello que de forma milimetricamente combinada e ensaiada o colocaram nessa situação de forma covarde e indecente. Antes de revoltar-se contra a pressão midiática, que de fato ocorreu, deveria citar e condenar a atitude de seus "colegas" e declarar com todas as letras o quanto estes são "marionetes" e politicamente engajados com os interesses da mídia que agora não lhe agrada.
    Não o considero vítima de nada, Celso de Melo sabe bem com quem sempre anda, e portanto esse "coitadismo" agora não vale nada. Nunca manifestou-se solidariamente ao ministro Lewandovski quando esse foi achincalhado, pressionado e caluniado pela mesma mídia que o pressionou.

  • “fui exposto a uma brutal pressão midiática” .
    Tenho dó não!
    Se ele tivesse sido Juiz ao invés de promotor desde o primeiro dia a coisa seria bem diferente para ele.
    Talvez agora ele entenda pelo que passaram durante oito longos anos o Genuino, o Dirceu e todos os outros acusados da AP 470?
    Justo ele que chegou a comparar o PT ao PCC,... está colhendo o que plantou com toda a farsa montada e todas as mentiras que usaram nesse julgamento de fachada.

  • Descarado! Depois de participar de forma vergonhosa e brutal dessa farsa vem com essa agora de abuso da mídia! Não acredito em uma palavra do que esse "juiz de merda", segundo Saulo Ramos, diz.

  • Celso de Mello foi correto na votação do embargo , mas deve explicações sobre o critério adotado durante o julgamento da AP-470. O ministro impôs penas altíssimas sem contestar ou demonstrar estranheza pela excepcionalidade do rito. Réus foram condenados sem provas e vossa excelência engoliu tudo sem mastigar...engoliu o prato que lhe foi servido pelo PGR e pelo relator , ambos com o comportamento e as intenções sob severa suspeita...

  • O Ministro Celso Mello deu uma grande lição e será sempre lembrado por esse julgamento, onde mostrou que nem o poder avassalador e suspeito da grande mídia, nem manifestos e protestos de pessoas ignorantes, conseguem destruir a força e a coragem de um verdadeiro Juiz de Direito. Estimo que o exemplo seja permanente e que contagie os outros Ministros, os que demonstraram susceptibilidade.

  • Lançado de proposito a jaula dos leões do PiG para ser trucidado. Quem tem amigos como Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello não precisa de inimigos.

  • Esse Ministro é acima de tudo muito forte, pois oque a midia fez foi covardia com um magistrado, que tem credibilidade de dez anos trabalho arduo a favor do brasil não poderia jamais ter deixado se influenciar por essa midia perversa, isso é o que se chama tortura, e o ministro foi torturado pela midia, podendo até mesmo ter causado alguma lesão de natureza psicologica no ministro.