Famílias imperiais são sempre um problema, porque sempre levam a um poder – e a disputas por ele – que são ruins para as próprias famílias e para o Estados sobre os quais exercem seu poder.
No dia da morte de Elisabeth II, cuja vida foi tão marcada por isso (desde antes de seu coroamento, que só ocorreu porque o tio Edward teve de renunciar à posição de herdeiro por casar-se com uma divorciada, passando pelas disputas que teve com Diana em seu divórcio até, recentemente, a crise da saída do neto Harry da Casa Real por causa da união com Meghan Markle, de ascendência negra, é inevitável que se pense na sobrevivência anacrônica da Monarquia como forma de organização do Estado, ainda que de governos já não o seja quase em nenhum país de porte, exceto a Arábia Saudita e poucos outros.
O fato é que passado o impacto da morte de uma mulher que atravessou sete décadas sob as luzes e a convivência com o status de símbolo de um país que murchou no cenário mundial – Elisabeth nasceu quando o Império Britânico era aquele em que “o sol nunca se punha”, recém saído dos seus tempos de dfominação feroz sobre as colônias – é inevitável que a Monarquia entre em crise no Reino Unido, a médio prazo.
É muito elucidativo o editorial do jornal inglês The Guardian sobre isso:
A monarquia, construída sobre um sistema de privilégio hereditário, é um anacronismo na era moderna. No entanto, o dia do falecimento da rainha não é o certo para uma reflexão contenciosa sobre a continuidade, se houver, da monarquia. Isso vai, e deve, vir em breve. Reconheçamos por enquanto em meio ao choque nacional, primeiro, que a falecida rainha fez o trabalho por tanto tempo com enorme dedicação e mereceu o respeito e o carinho nacional que está recebendo na morte. E, em segundo lugar, sejamos sensatos o suficiente, como uma nação mudada e em mudança, para reconhecer que a monarquia também mudará e deve mudar. Serão dias de solenidade. Mas em breve será o momento certo para debater essas questões com seriedade, sem nada descartado e, se possível, sem a autoilusão hipnotizante que tantas vezes cerca o assunto.
Charles assume o reinado com uma imagem sem a sacralidade de Elisabeth, especialmente a “imortalidade” que marcou suas duas últimas décadas que, de alguma forma, significava uma referência fixa para um país que em tudo estava se modificando, da economia à composição étnica de sua população.
É o Reino Unido da crise, do Brexit, não mais o da “Corte de Saint James” sob a qual a rainha formou sua imagem de soberana, marcadíssima pela distância em que se colocou das disputas políticas.
Afora no superficial meio das redes sociais, não se vive mais no tempo das “princesas”, dos “príncipes” e nem dos “reis” e os dias nos mostrarão isso.