O empresário Ricardo Semler, que ficou nacionalmente conhecido com seu best-seller “Virando a própria mesa – uma história de sucesso empresarial Made in Brazil”, escreve hoje, na Folha, o melhor texto que já li sobre o escândalo da Operação Lava-Jato.
Semler esclarece logo que não é petista, mas tucano, filiado ao partido por nada mais que gente como Montoro, Covas, Serra e FHC. E que votou contra Dilma.
Tem suas convicções neoliberais, certamente, mas não é um cínico.
E diz com todas as letras que a corrupção nunca foi tão pequena no Brasil.
O que não é, claro, razão para tolerá-la ou para “deixar para lá” a roubalheira, mesmo que em escala melhor.
Semler dá uma bordoada em quem acha que tudo está acontecendo “contra” Dilma e é claro ao afirmar que é ela quem está criando as condições para que a lama venha à tona: “É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer outro presidente. Com roubalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo”
É algo para que se faça o que jamais recomendo aqui, por deixar que cada um chegue às suas conclusões. Mas que, neste caso, o faço: reproduzir e mandar para todos.
Leia, e você vai ler de um tirada só, sem parar, porque a honradez intelectual e moral não tem partido.
Nunca se roubou tão pouco
Ricardo Semler
Não sendo petista, e sim tucano, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país
Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.
Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula.
Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos “cochons des dix pour cent”, os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de barris de petróleo em décadas passadas.
Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão –cem vezes mais do que o caso Petrobras– pelos empresários?
Virou moda fugir disso tudo para Miami, mas é justamente a turma de Miami que compra lá com dinheiro sonegado daqui. Que fingimento é esse?
Vejo as pessoas vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma Rousseff. Garantir renda para quem sempre foi preterido no desenvolvimento deveria ser motivo de princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz o partido.
Não sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.
É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.
Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas econômicas.
Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste quesito.
A coisa não para na Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas.
O que muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.
É lógico que a defesa desses executivos presos vão entrar novamente com habeas corpus, vários deles serão soltos, mas o susto e o passo à frente está dado. Daqui não se volta atrás como país.
A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento.
Boa parte sempre foi gasta com os partidos que se alugam por dinheiro vivo, e votos que são comprados no Congresso há décadas. E são os grandes partidos que os brasileiros reconduzem desde sempre.
Cada um de nós tem um dedão na lama. Afinal, quem de nós não aceitou um pagamento sem recibo para médico, deu uma cervejinha para um guarda ou passou escritura de casa por um valor menor?
Deixemos de cinismo. O antídoto contra esse veneno sistêmico é homeopático. Deixemos instalar o processo de cura, que é do país, e não de um partido.
O lodo desse veneno pode ser diluído, sim, com muita determinação e serenidade, e sem arroubos de vergonha ou repugnância cínicas. Não sejamos o volume morto, não permitamos que o barro triunfe novamente. Ninguém precisa ser alertado, cada de nós sabe o que precisa fazer em vez de resmungar.
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Já compartilhei com meus amigos... Texto imprescindível!
...
Não acredito em TUCANO.
Nem a pau..
Falou exatamente o que disse o advogado de um dos acusados. E mais pura verdade. A corrupção está por todo canto e nunca foi tão combatida como nos
Governos do PT. Artigo perfeito. E e bom que fique claro que sonegar impostos e corrupção também. Chega
De hipocrisia e cinismo.
Só não gostei do trecho: "Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas econômicas."....É contraditório com o próprio texto. Ora, como aceite se é justamente a partir dos governos do PT que efetivamente se começou a combater o mal?...Será que a política econômica anterior ao PT foi melhor? Não há evidências... Será que ele não votou no Alckmin, pelo longo ciclo tucano e cuja política econômica fez a locomotiva parar? Tirante isso, é ótimo!...
Caro Sérgio, eu ia escrever isso. Tive o cuidado de ler se alguém já havia pensado o mesmo.
êle avisou que é tucano...não precisamos tentar achar coerência no pensamento político mas reconhecer que a posição é estratégica:
caso estivesse operando no sistema de 10% estaria assim ?
Só não precisava ter tanto orgulho disso... sobretudo com os padrinhos que ele cita. Feita a ressalva, mandou bem.
Pois é, Sérgio, também pensei o mesmo.
Também achei incoerência do autor dizer que não votou na Dilma porque ela e o PT aceitaram o sistema corrupto, sendo que a única alternativa no 2º turno era o Aécioporto, um político sem escrúpulos que iria levar o País de volta aos esquemas de desvio da era FHC, muito piores, como o próprio autor concluiu.
Concordo que é bastante contraditório. E como não mais acredito em Papai Noel, sabemos que, em política, nas entrelinhas da honestidade está a estratégia e alguma mágoas motivadas, como já comentado antes,provavelmente por percentuais. Seus mestres, citados e ressaltados, ainda são os mesmos. FHC é hipócrita... mas é seu ídolo. Enxergo, no máximo, uma boa avaliação sobre os disparates do seu partido.
Assino em baixo. Precisamos exercer, sem exceção, a Constituição de Capistrano de Abre: "Artigo único: todo brasileiro tem que ter vergonha na cara." Votei na nossa Presidenta e confio na sua palavra. Espero realmente que possamos dar um grande salto.
Até que enfim, um tucano com quem se possa conversar. Deve haver outros, envergonhados e escondidos para não serem confundidos com os paspalhões da frente incansável do golpismo. O Brasil não precisa disso, precisa é dar corda a vozes inteligentes e sensatas. Semler é, sem dúvida, uma delas.
Muito triste, a cotia perde o rabo mas não perde o habito.
O tucano mesmo sabendo por tres decadas que só venderia a PETROBRAS
com propinas só agora discorda do mal feito...
Sera que só agora descobriu que a propina náo era 3%,ou5%,e sim +10%<.
O que o Merval terá dado para entrar na ABL?
engana-se quem pensa o contrário,
ele deu!
o imortal vendeu a alma para o demo.
puxou o saco de patrão a vida inteira.
isso o povo NÃO perdoa.
o cara pode ser mau filho, mau marido, vá lá,
mas puxa saco de patrão, isso não tem perdão!
Excelente texto. Todos que já trabalharam ou trabalham em instituições públicas sabem o significado dos apelidos: Dézinho (10%) ou Quinzinho (15%).
Existem aos montes pelo país afora (nas capitais e principalmente nos interiores - até em cidadezinhas de 4/12 mil habitantes).
E não escolhem partidos... estão no PSDB, PMDB, DEM, PDT, PT, PPS, PSB, PP, PTB, entre outros...
A corrupção é um mal generalizado que não possui ideologia política. É por isso que é necessário um combate duro e incansável, sem hipocrisia, sem moral seletiva, punindo quem merece ser punido, independente de pertencer a qualquer partido político O que não pode acontecer é uma imprensa inescrupulosa e corrupta manipular descaradamente a informação para atingir determinado político ou partido político (no caso do brasil o PT é o principal alvo),e acobertar os crimes de outros.
Que apareçam outros empresários ou quem quer que seja com tamanha decência e dignidade. Como não lembrar das trilionárias roubalheiras. Desde ditadura civil-militar que o PIG de hoje começou a ficar gigante. Os presidentes civis posteriores, tudo a ver. Fernando Henrique vendeu nossas ricas empresas, não conseguiu fazer a mesma coisa com a nossa Petrobras, mais tentou. Viva Ricardo Semler! Viva Fernando Brito! “Ponha o ombro no andor, companheiro, faça força você também. Se não cuidarmos deste país que é nosso, os gerentes das multi e seus servidores civis e militares continuarão forçando o Brasil a existir para eles”.(Darcy Ribeiro em Aos Trancos e Barrancos – 1985). Viva Dilma! Viva Lula! Viva o povo brasileiro!