Nem toda inveja é ruim.
Há inveja das boas, como a que senti lendo este artigo de Rodrigo Vianna, publicado ontem à noite no seu Escrevinhador , que não apenas trata de questões que tenho levantado aqui: de como falham e falharam os governos Lula e Dilma em politizar e ideologizar, no melhor sentido , o processo de ascensão social.
“Dilma e Lula não travaram o combate simbólico, não mostraram de forma didática que 30 milhões de brasileiros saíram da miséria graças a políticas públicas. Esse salto gigantesco não veio (apenas) do esforço individual. É fruto da política. A mesma “política” esculhambada nas rodas de bar, nas ruas, nas telas e nos comentários-padrão de leitores de grandes portais da internet.”
Vianna também percebe o que eu tinha registrado aqui: o povão percebeu o altíssimo coeficiente eleitoral de denúncias, protestos e críticas ao governo, embora várias delas possam ter seus motivos.
E, para eu me roer desta inveja boa dele, Rodrigo, trazer o que era minha obrigação: as lições que ouvi dúzias de vezes do velho Brizola, tal como as disse no encerramento de sua segunda campanha ao Governo do Rio:
“As pessoas sozinhas, apenas com seus valores originais de ser humano, no uso da razão e do bom senso, sozinhas, se defendem, constroem uma espécie de uma carapaça, de uma proteção entorno da sua mente, de seus valores culturais, daquilo que é original na nossa gente, esse povo assimila o que lhe interessa e se defende da pressão contra sua cultura, contra seus valores, contra seu pensamento autêntico.”
E de ele poder, com mais liberdade que eu, suspeitíssimo, se aventurar numa recomendação:
“O Brasil precisa de uma liderança que aponte caminhos. Dilma precisa ser a Dilma do Primeiro de Maio, e não a Dilma do omelete com Ana Maria Braga.
Dilma e Lula precisam ser mais Brizola… “
Leia (que maravilha!) o pensamento em crônica de Rodrigo Vianna:
Crônica de um povo que resiste ao “caos”
Rodrigo Vianna
Começo da noite numa quinta-feira friorenta em São Paulo. O barbeiro que cuida do que restou de meu cabelo recebe-me preocupado: “Rodrigo, o que tá acontecendo no Brasil?” E ele mesmo responde: “acho que estão querendo derrubar o PT”.
O barbeiro está ressabiado com a onda de violência e pessimismo. Além da barbearia, mantem um pequeno sítio no interior paulista – onde produz mel. Comprou, com financiamento do PRONAF, caminhonete nova para transportar o produto… Longe de ser petista, ele se tornou fã de Lula. E observa tudo, inclusive a onda midiática antiBrasil, como um apicultor observa suas abelhas: há muito zumbido, risco de picadas; mas é preciso produzir o mel.
Corte para 24 horas antes. A moça que faz a limpeza em casa pede pra ir embora mais cedo. “Está uma bagunça na zona sul, Seu Rodrigo. O terminal de ônibus está fechado. Esse povo não tá contente com nada?”. Ela faz planos de abrir um pequeno comércio com o marido. Não leva uma vida maravilhosa. Longe disso. Mas sabe avaliar o que era o Brasil há 10 anos. E o que é hoje.
Conto isso tudo para meu filho, de 18 anos. E ele diz que o garçom – que o atendia dia desses num boteco em São Paulo – também mostrava desconfiança diante do “caos” que emana das telas e das ruas: “isso aí é jogada política, pra mudar de governo na eleição.”
Sim, o povão está começando a fazer sua leitura dos fatos… Como dizia Brizola (clique aqui, para relembrar o discurso memorável do velho Leonel, durante campanha no Rio, em que ele dizia como enfrentar a Globo e seus aliados):
“As pessoas sozinhas, apenas com seus valores originais de ser humano, no uso da razão e do bom senso, sozinhas, se defendem, constroem uma espécie de uma carapaça, de uma proteção entorno da sua mente, de seus valores culturais, daquilo que é original na nossa gente, esse povo assimila o que lhe interessa e se defende da pressão [midiática] contra sua cultura, contra seus valores, contra seu pensamento autêntico.”
Novo corte. Recolho umas camisas sociais, e sigo até a lavanderia perto de casa. A placa salta da vitrine: ”precisa-se de ajudante”. Lá dentro, fila de clientes. O atendimento é gentil e eficiente: típico do povo brasileiro (entre numa lavanderia em Paris ou Londres, e compare).
Mal-humorada é a elite que compra as camisetas da Ellus… A marca – acusada de usar trabalho escravo – estampa em suas camisetas: “abaixo este Brasil atrasado”.
Penso na taxa de desemprego no Brasil (abaixo de 5%), enquanto sigo para outro bairro. Tento parar o carro num estacionamento lotado. Nova placa: “precisa-se de manobrista”. Converso com o rapaz que me atende: “tá faltando gente pra trabalhar?” E ele: “o patrão subiu até o salário inicial, acho que agora vai conseguir um pra me ajudar aqui com os carros”.
Volto a minhas conjecturas. Quem só convive em círculos de classe média deve acreditar que o Brasil está à beira do caos. A classe média está com raiva, muita raiva. E a cobertura midiática reflete essa raiva. Insufla a raiva, dissemina a raiva.
Parte do povão acaba contaminada pelo clima de “caos”. Mas outra parte, enorme, observa tudo com muita inteligência – feito o garçom, a moça da limpeza ou o meu barbeiro. Matreiro, ele encerrou a conversa na quinta-feira com uma piscadela: ”eles querem derrubar a mulher do Lula [assim ele chama a Dilma], mas a gente está entendendo bem o que tá acontecendo…”
Essa desconfiança com o que se vê nas telas da TV, e essa impressionante resistência ao bombardeio midiático são a explicação para que Dilma siga com 40% dos votos em meio ao clima de “pega, esfola e mata”.
Dilma e Lula não travaram o combate simbólico, não mostraram de forma didática que 30 milhões de brasileiros saíram da miséria graças a políticas públicas. Esse salto gigantesco não veio (apenas) do esforço individual. É fruto da política. A mesma “política” esculhambada nas rodas de bar, nas ruas, nas telas e nos comentários-padrão de leitores de grandes portais da internet.
Fiz essa pergunta a Lula, na entrevista aos blogueiros há pouco mais de um mês. “Por que o PT abriu mão do combate simbólico?” E ele: “combate simbólico? mas minha eleição e a de Dilma já são o símbolo”.
O operário-presidente. A mulher-presidente. Símbolos poderosos, de fato… Talvez isso também explique porque uma parte gigantesca da população brasileira permaneça impermeável à onda de ódio e pessimismo.
Mas é um erro contar apenas com a resistência e a capacidade de análise do povão brasileiro. Ele parece ter compreendido que não há (ainda) um outro projeto para o país. E que a turma sem projeto quer botar fogo no que conseguimos construir a duras penas…
O povão resiste. Mas é preciso oferecer novo projeto: com mais mudança, mais democracia, mais justiça.
O Brasil precisa mudar mais. E não voltar a ser o paraíso dos mervais, jabores, aécios, armínios e dos patéticos que amam a Ellus e detestam o povo brasileiro.
O Brasil precisa de uma liderança que aponte caminhos. Dilma precisa ser a Dilma do Primeiro de Maio, e não a Dilma do omelete com Ana Maria Braga.
Dilma e Lula precisam ser mais Brizola… Aliás, no mesmo discurso citado acima, o líder trabalhista explicava didaticamente:
“A causa deles é tão ruim, é tão miserável, é tao infeliz, que com tudo isso [o aparato midiático] na mão, eles não conseguem pressionar praticamente a ninguém.”
Obrigado, Rodrigo, por ter me dado esta bendita inveja.
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Lula e Dilma precisam chamar o Franklin Martins, urgentemente!
Assino embaixo. Saudades do Brizola.
Concordo. Tive até esperança quando a helena chagas saiu, mas a substituição não adiantou muito.
Ou o Fernando Brito...
100% dos brasileiros criticaram a postura do Ronaldo, Ney Matogrosso e Paulo Coelho.......assitam.........http://www.youtube.com/watch?v=NpFcNZFKa2s
Fernando, já me emocionei com suas crônicas também, principalmente quando enfocam o visionário e o lutador Brizola...Rodrigo Viana também sempre traz uma visão consciente, lúcida de nossa realidade política. E arrasou com esta crônica, tecendo críticas aos nossos maiores líderes, Lula e Dilma. Entretanto críticas construtivas que ajudam a refletir sobre a nossa mídia golpista e a necessidade de esclarecer a todo o povo brasileiro de forma clara e objetiva os inúmeros avanços de nosso país.
Parabéns aos dois pela coragem e bom senso. Um abraço, professora Lila.
Brito,
você, Rodrigo e outros são o contraponto à mídia tradicional.
Lembre-se do número de páginas da Veja há 15 anos e agora. Agoniza.
A emancipação se dará pela educação e virá por governos trabalhistas.
Regulamentação dos meios e Reforma Política virão a partir de 2015.
Trabalhadores e Trabalhistas farão as maiores bancadas e o executivo.
Prossigam, portanto, com suas brilhantes atuações. Alertando, criticando, propondo, sugerindo mais.
O que é deles está por vir. Em breve, quando o estômago e a mente estão ocupados.
E 2015 a 2018 será o melhor momento.
Joao Batista. É bom deixarmos bem claro, que as reformas e a regulamentaçao da Midia só acontecerao se o PT fizer a maior bancada e com partidos aliados FIEIS. Se o PMDB continuar com a maioria, sofreremos as chantagens e trapaças que ele PMDB vem fazendo desde o fim da ditadura. Aí as reformas e a regulamentaçao vao para o espaço.Nao basta Dilma ganhar, temos que votar em massa nos deputados e senadores do PT.
Manelito,
Penso como você, há mais de 20 anos não voto em nenhum candidato do legislativo, somente nos candidatos do executivo, esse ano vou votar de presidente a deputado estadual, somente em candidatos do PT. É a minha contribuição para a presidenta DILMA se livrar desses chantagistas do PMDB.
É isso Aparecida, esse é o compromisso que temos que assumir para que as reformas aconteçam,temos que levar essa nossa visao para o debate em nossas comunidades, as pessoas precisam saber que o governo só avança se a base for fiel. Eu sempre votei em candidatos do PT em todos os níveis, deputado, senador,prefeito, vereador, e presidente, vamos ver se dessa vez ficamos livres dos parasitas do PMDB.
Minha família fará o mesmo que você . Dilma não pode continuar refém de partidos políticos. VIVA O BRASIL, VIVA LULA , VIVA DILMA 2014
Valéria, temos que multiplicar esse pensamento, enquanto o PMDB for maioria no congresso e no senado, o PT vai ficar refém deles. Só nós poderemos mudar essa situaçao, elegendo em massa os deputados e senadores do PT,aí sim as reformas vao avançar e teremos a regulamentaçao da mídia
"...Mal-humorada é a elite que compra as camisetas da Ellus… A marca – acusada de usar trabalho escravo – estampa em suas camisetas: “abaixo este Brasil atrasado”....
Atrasado quem?
Ao ccombate...para ficar claro de vez..
Com isto a sociedade só tem a ganhar.
Pois teremos uma OPOSIÇÂO, no mínimo
inteligente e agregante para o POVO
Brasileiro, mas se vier com idéias da
direita..que morra em ostracismo e
esquecimento..
Caro Brito,
O Tijolaco e' leitura diaria obrigatoria para mim, e acredito para milhares de outros brasileiros. Muito grato pelo seu trabalho, e por manter viva a tradicao do querido e saudoso Leonel Brizola. Forte abraco.
Eu, assim como milhões de brasileiros, estou cansado dessa mídia conservadora e pouco me importa o que ela escreve, exibe e diz. Estou vacinado. Votei e votarei em Dilma para o Brasil continuar mudando.
Em minha opinião, é obrigação do governo federal explicar o q está acontecendo de fato! Dizer aos jovens q o Brasil está no rumo certo, q no horizonte não há nuvens escuras, e q o complexo de vira-lata interessa apenas a quem deseja entregar o país novamente, ou mantê-lo subserviente, aos interesses do mercado e de outras nações. DILMA E PT TÊM O DEVER DE POR OS PINGOS NOS IS!
Marcelo, tudo q. precisa ser dito NÃO PODE ser dito agora. Todos os programas do PT são "proibidos" pelos psdebistas do TSE, tipo a dona Laurita. Tudo poderá E DEVERÁ ser dito durante a campanha eleitoral. Por enquanto, só os dois "netinhos" podem fazer discursos criticando o governo, e tê-los divulgados diuturnamente pela mídia-comercial-oposicionista. Se a mensagem for do PT, no TSE dizem sempre q. ou é propaganda favorável à CANDIDATA DILMA ou é desfavorável aos outros CANDIDATOS, sendo q. nem convenções pra definir as candidaturas houve ainda. As opiniões dos "netinhos" não são campanha antecipada, mas as manifestações da PRESIDENTA são e por isso são proibidas. Mas agosto tá logo ali!
Grande Fernando Brito, a quem sigo na blogosfera. Não há inveja boa. Inveja é inveja. É coisa ruim. O seu sentimento exposto no início do texto é admiração.