A decisão do Ministro Nunes Marques de decidir, em liminar, anular a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que cassou o bolsonarista Fernando Franceschini, não é só uma afronta por tratar-se de fazer uma interpretação monocrática cancelar a decisão de um tribunal superior integrado por três de seus pares no Supremo – que integram aquela Corte – sem chamar para isso o referendo do plenário do STF.
É, escancaradamente, uma ação para atingir o futuro presidente do TSE, Alexandre de Moraes que, ainda hoje, alertou sobre a impugnação de candidaturas que visem “melar” a eleição – com acusações retóricas e sem provas – sobre o processo de votação e apuração dos votos.
Embora com alentadas 60 páginas, é cheia de erros grosseiros e primários, dos quais aponto dois.
O primeiro é invocar que a demora em decidir traria prejuízos à distribuição do tempo dos partidos nas eleições de 2022, afirmando, para justificar o periculum in mora necessário à concessão da liminar que:
Ante a proximidade das Eleições 2022, é evidente o risco de dano de difícil ou impossível reparação. Nos termos da Resolução/TSE n. 23.674/2021, 20 de julho é a data a ser considerada para o cálculo da representatividade na Casa Legislativa a repercutir na divisão do tempo destinado à propaganda no horário eleitoral gratuito.
Ocorre que a distribuição do tempo de rádio e televisão, pela lei e por aquela Resolução, é calculado pelas bancadas na Câmara dos Deputados, isto é, dos deputados federais. Franceschini, embora fosse, então, deputado federal, era candidato a estadual, porque decidira dar a vaga federal ao próprio filho, Felipe, que foi eleito, diplomado e assumiu até o comando da reforma previdenciária.
Não houve e não haverá mudança de um segundo sequer nos tempos partidários por conta da decisão do TSE. Uma coisa primária, que um ministro da Corte Suprema não tem o direito de não saber.
O segundo erro é o de afirmar que a interpretação – aliás, óbvia – de que a internet e suas redes são um meio de comunicação social (evidente que não é o mesmo que um e-mail privado) por ter sido firmada apenas há pouco tempo de forma explícita, configuraria uma “retroatividade” de jurisprudência que seria ilegal em um caso ainda em trânsito.
O próprio Luís Fux, presidente do STF, já afirmou que “não há se falar em irretroatividade de interpretação jurisprudencial, uma vez que o ordenamento jurídico proíbe apenas a retroatividade da lei penal mais gravosa. De fato “os preceitos constitucionais relativos à aplicação retroativa da norma penal benéfica, bem como à irretroatividade da norma mais grave ao acusado, ex vi do artigo 5º, XL, da Constituição Federal, são inaplicáveis aos precedentes jurisprudenciais” (HC 161452 AgR, Relator(a): Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 6/3/2020, DJe 1/4/2020).
É provável que não demore a apresentação de recurso ao Plenário da decisão de Nunes Marques e é certo que ele sofrerá uma derrota acachapante entre seus pares. Nem tanto pela imprestabilidade intrínseca, mas porque o Supremo sabe que ela abre uma porta para a contestação ao poder da Justiça Eleitoral de regular o processo eleitoral.
Marques é fortíssimo candidato a uma aposentadoria precoce no STF.