A delação que veio de longe. Por Fernando Rosa

Excelente e minuciosa análise da “delação que brotou sozinha”, como um raio no céu azul, feita pelo jornalista Fernando Rosa, no ótimo blog SenhorX:

Delação “delivery”

Fernando Rosa

“Joesley ‘rifou’ o Brasil para garantir migração da JBS aos EUA”, sentenciou o jornal Valor, em análise assinada por Vanessa Adachi, publicada em 18 de maio. Segundo o jornal, não apenas os irmãos Batista estão de mudança para os Estados Unidos, mas todo o seu império econômico segue o mesmo caminho. O jornal diz ainda que “essa é a explicação para que o empresário tenha decidido fechar a toque de caixa a delação das delações”. Em dezembro, o grupo aprovou a realização de um  IPO na Bolsa de Nova York (emissão de ações), que levará o grupo a deixar de ser essencialmente brasileiro.

O que já era sabido desde o final do ano passado, confirmou-se com a decisão de queimar estrepitosamente as pontes com seus antigos aliados como Michel Temer e o tucano Aécio Neves. Para acertar a transferência definitiva da empresa para os Estados Unidos, a JBS precisava ajustar os ponteiros com o Departamento de Justiça norte-americano (DoJ). No Tio Sam, já estão 80% das operações da JBS, incluindo 56 fábricas de processamento de carne, com milhares de empregados, e o país é responsável por quase metade das suas vendas mundiais.

Diante disso, não é surpresa que a operação em que se envolveram no Brasil tenha as impressões digitais do DoJ norte-americano e desdobramentos pouco ortodoxos para a Justiça do Brasil. As gravações não foram autorizadas pelo STF, ou seja, um Presidente da República foi gravado sem autorização da corte, a quem compete autorizar investigações sobre autoridades. A ação clandestina resultou em gravações que a PGR “jogou no colo” do ministro Edson Fachin, que aceitou o fato consumado, ou seja, o crime a ser legalizado.

Em artigo publicado nesta semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma que, em abril deste ano, foi procurado pelos irmãos Batista. “Trouxeram eles indícios consistentes de crimes em andamento – vou repetir: crimes graves em execução –, praticados em tese por um senador da República e por um deputado federal”, afirmou. No mesmo artigo, Janot afirma que “os colaboradores, no entanto, tinham outros fatos graves a revelar. Corromperam um procurador no Ministério Público Federal. Apresentaram gravações de conversas com o presidente da República”. O texto do próprio Janot sugere, portanto, que a “encomenda” chegou pronta para ele, sem participação oficial das autoridades.

Matéria da Folha de S. Paulo, pontuando a cronologia dos fatos, diz que “no dia 19 de fevereiro, um domingo, às 12 horas, Anselmo Lopes, procurador da República no DF, recebeu uma ligação inesperada. Do outro lado da linha, Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico da JBS, comunicou uma decisão que abalaria o país: Joesley e Wesley Batista iriam confessar seus crimes e colaborar com a Justiça”. Segundo o jornal, “a conversa durou só 19 minutos e eles agendaram um encontro para o dia seguinte. Na segunda-feira, Lopes e a delegada Rubia Pinheiro, que lideram a Operação Greenfield, da PF, deram uma “aula de delação”: explicaram em detalhes ao advogado, profissional da estrita confiança dos Batista, como funcionaria a colaboração premiada”.

Ainda distante do mês de abril citado pelo surpreso Janot, em 6 de março, o jornal O Estado de S. Paulo informava que “o procurador Marcelo Miller deve sair oficialmente da instituição nos primeiros dias de abril para se dedicar à área de compliance”. Homem de confiança de Janot, ex-diplomata do Itamaraty com larga experiência em direito penal e internacional, Miller passou a trabalhar para o escritório Trench, Rossi & Watanabe Advogados, no Rio de Janeiro, contratado pela JBS para negociar os detalhes da delação premiada. A decisão do ex-procurador de deixar o MPF veio a público na véspera da conversa entre Joesley e o presidente da República, Michel Temer (PMDB), no dia 7, gravada pelo empresário e utilizada na delação.

Em despacho datado de 10 de abril, o ministro Edson Fachin deferiu estranho pedido de Janot para que o delegado da Polícia Federal Josélio Azevedo de Souza, responsável pelas apurações, fosse impedido de compartilhar informações das investigações com outras pessoas, inclusive seus superiores hierárquicos – ou seja, a direção da Polícia Federal e o Ministério da Justiça. Após a divulgação da delação, Janot voltou a pedir ao ministro Fachin para que somente o delegado Josélio – o mesmo que interrogou Lula, em Brasília – continuasse tendo acesso ao inquérito, alegando a necessidade de um delegado exclusivo, “de sua confiança”. A operação, então, blindada pelos “homens de Janot”, sem autorização do STF e submetida a métodos estranhos ao processo legal, superou todos os limites da “coragem” jurídica, a ponto de sugerirem gravar Temer nos Estados Unidos.

Não bastasse o enredo, ainda levantam mais suspeitas sobre o caráter e a legalidade da operação as penas, por um lado, e os benefícios, por outro, que premiaram os irmãos Batista, livres e vivendo no exterior, sem qualquer problema. Ontem, 26 de maio, o jornal O Estado de S. Paulo trouxe chamada dizendo que o “STF pode rever termos do acordo de delação da JBS”, especialmente em relação aos benefícios e penas. “O MP não julga. Quem julga é o Estado-juiz e não o Estado acusador”, disse o ministro Marco Aurélio Mello. Ou seja, “acordos de leniência” não são da competência da Procuradoria-Geral, mas sim do Executivo, por meio do Ministério da Fazenda.

Com uma multa bem abaixo da média aplicada aos empresários das empreiteiras e, ao contrário do Almirante Othon, condenado a 43 anos de prisão, os irmãos Batista já se encontram livres nos Estados Unidos. Os fatos evidenciam que a operação de delação realizada com a PGR busca assegurar os negócios da empresa nos Estados Unidos, deixando para trás o “passivo” de corrupção acumulado no Brasil ao longo dos últimos anos. Uma delação e um acordo que, diante da cronologia dos fatos, dos interesses envolvidos e dos métodos, levam a crer que o papel da PGR foi de apenas chancelar as operações feitas por outros.

Não é a primeira vez que o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, Sérgio Moro e a Operação Lava Jato passam por cima do Estado Nacional, desta vez deixando até a Rede Globo, em um primeiro momento, fora do processo. Em Curitiba, Moro tentou impedir que delatores tornassem públicos os “acordos de delação” com autoridades e instituições estrangeiras, especialmente norte-americanas, patrocinados por eles, sem autorização do Executivo brasileiro. Em 2015, com a agenda externa do “Estado paralelo” já em vigor, encontro de Janot com Leslie Caldwell, procuradora-adjunta da Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos EUA, resultou na “Operação Radioatividade” para investigar suspeitas na área nuclear brasileira.

Nesta sexta-feira, o senador Roberto Requião, em vídeo divulgado em seu perfil de Facebook, afirma não ter qualquer dúvida de que o acordo de delação dos irmãos da JBS foi fechado e montado com o Departamento de Estado dos Estados Unidos. De fato, as circunstâncias, a forma como feita e os personagens envolvidos, incluindo procuradores, juízes e delegados, como dissemos, sugere que a delação foi produzida a partir de fora e apenas “legalizada” pelo Procurador-Geral, Rodrigo Janot. Uma história mal contada, passível de investigação, que já provocou o questionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e levou Rodrigo Janot a publicar dois artigos em defesa da operação.

Em um dos artigos, publicado no UOL, o procurador-geral da República justifica a delação com uma série de argumentos políticos, que tentam desviar do questionamento técnico e da legalidade da operação. “Finalmente, tivesse o acordo sido recusado, os colaboradores, no mundo real, continuariam circulando pelas ruas de Nova York, até que os crimes prescrevessem, sem pagar um tostão a ninguém e sem nada revelar”. É o que, ao contrário do que o procurador-geral da República diz, está acontecendo, confirmando que, de fato, “a Operação Lava Jato é maior do que nós“, como ele já admitiu anteriormente.

PS do Tijolaço: Sobre as suspeitas de Rosa, verifique a matéria de hoje do Estadão que demonstra que a JBS conduzia, por conta própria e antes do acordo com Janot, investigações particulares sobre as oitenciais falcatruas de pessoas ligas da Temer. O que, com certeza, é buscar “donde lo hay”.

Fernando Brito:

View Comments (15)

  • Por acaso vocês estão querendo melar as denuncias contra o Temer? Quem gravou o temeroso foi o joesley e não o poder público. Assim, não defendamos vigaristas golpista. Criaram corvos agora que se dane.

    • O grave problema do Estado Policial, é esse: Enquanto atua sobre aqueles que são inconvenientes para "nós", ficamos satisfeitos.

      Até o momento que passam a se utilizar das mesmas táticas anti-democráticas contra o nosso lado.

      Aliás, sabemos muito bem o gostinho disso.
      Denunciar nunca é demais.

      • Meu amigo. O pau que deu em chico vai ter que dar em francisco. Chega de ingenuidade. Essa já nos levou ao que vemos agora. Chegou a vez deles pagarem com a mesma moeda. Que chafurdem na lama que criaram.

        • Continua dando mais em Chico do que em Francisco, esteja certo disso.

          E é exatamente por isso que, todo cuidado é pouco, ao querer glorificar atitudes despóticas, contrárias à própria letra da Lei, pelas nossas instituições. Apenas por serem aplicadas a quem não nos agrada.

          Até porque, a continuar nesse ritmo, não sobrará mais nada em que o povo possa decidir, livremente.

  • Eles estão seguindo o caminho de muitos outros. Primeiro um IPO, ou seja, abrem a porta para o vampiro; depois, tornam-se minoritários e perdem tudo. Devemos boicotar a Friboi nas prateleiras.

  • Tempo do janot está acabando, quis dar um lustre na imagem e fez essa merda.

  • Os USA tem demonstrado um interesse cada vez maior na Região do Paraná e na tríplice fronteira. E no que se observa, parece que conseguem aliados importantes cá por essas bandas. Quem duvidaria que o império deseje amputar algumas órgãos do gigante Sul Americano.

  • Do ponto de vista jurídico, é bem possível que não haja nenhuma consequência para Temer e seus quadrilheiros. Porque ao que parece o Janot meteu os pés pelas mãos e deu margem a anulação da delação. Mas do ponto de vista político, essa "tacada" já serviu pra revelar quem é o bandido que está no Planalto. E talvez o mais pedagógico ainda: como um país quase elege um possível narcotraficante.

  • ... *"O líder do 'Alto Comando do golpe [vagabundíssimo]' é outro que "não é Loures (sic) que se cheire"!
    *o procurador parcial (idem sic) da República em frangalhos e absolutamente 'DESmoroLIZADA'!

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    Planalto diz que Rodrigo Janot teve encontro com Temer, em 2015, no Jaburu, fora da agenda oficial

    POR PAINEL

    Diário extraoficial O Palácio do Planalto encaminhou à Procuradoria-Geral da República documento no qual afirma que Michel Temer e Rodrigo Janot tiveram seis reuniões entre 2015 e maio de 2017. Auxiliares do presidente listaram, além das audiências registradas em agenda pública, um encontro não oficializado, em março de 2015, que teria ocorrido no Palácio do Jaburu, residência oficial do peemedebista, quando ele ainda era vice de Dilma Rousseff. Os dados teriam sido enviados a pedido da PGR.
    Polêmica Na ocasião, Janot teria avisado a Temer sobre pedido de inquérito contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), então presidentes da Câmara e do Senado. A solicitação das investigações foi noticiada em 3 de março. Na época, a informação foi atribuída a integrantes do Planalto.
    Sem comentários Procurada na noite de sexta (26) e na tarde de sábado (27), a assessoria da PGR disse que não conseguiria “confirmar a agenda do PGR neste ano [2015] a tempo do fechamento da coluna”.
    Pela ordem Pessoas próximas a Rodrigo Janot dizem que era praxe avisar o Planalto sobre pedidos que tinham como alvo o comando do Congresso, para que Dilma e seu então vice, Michel Temer, não fossem surpreendidos pela imprensa.
    (...)

    FONTE: http://painel.blogfolha.uol.com.br/2017/05/29/planalto-diz-que-rodrigo-janot-teve-encontro-com-temer-em-2015-no-jaburu-fora-da-agenda-oficial/

  • Moro é uma farsa, Rodrigo Janot é uma farsa e a lava jato é a farsa a jato movida por interesses norte-americanos. Não trabalham aqui nem trabalham para fora, só representam o trabalho e interesse alheio. Medíocres completos! E onde ficam os crimes de lesa-pátria?

  • continuo perguntando: o que fez a rede-familiar-de-comunicação-dos-golpistas-para-os-golpistas, aquela que vende notícia em troca de anúncio e não o contrário, mudar de posição? só no futuro saberemos?
    outra pergunta: esse matadouro corruptor cresceu via BNDES ou via corrupção, mais além do banco de fomento? vindo das terras do demóstenes, taques e outros não menos "irregulares", não dá para não perguntar.
    e a folha, hein? em tempos de diretas-já-2017 (que desgraça, parece que sempre patinamos e não avançamos), já nos diz: dá para não ler. (vi por aí que se o pai do otavinho estivesse vivo/na ativa, o jornal seria como antes, nos 80. ledo engano, não? ou não se trata de mais uma famiglia a vender interesses e não notícias. como se diz "não preciso ler jornais, posso mentir sozinho".)

  • a propósito, não saberemos bastidores da denúncia do Requião a não ser no futuro, como ocorreu com a "Revolução" (poder rir) de '64. ou 'tamos errado?

  • Na minha opinião, tudo isso é coisa dos EUA, inclusive a repentina guinada de posição da Globo. Eu lembro que, no final de 2015, ninguém acreditava no impedimento de Dilma. Isso porque a Globo, depois de conversas com lideranças do PT, havia adotado uma posição mais amena com a relação a Dilma, enquanto bombardeava Eduardo Cunha. Já em fevereiro de 2016, a Globo deu um cavalo de pau e passou a bombardear Lula e Dilma diariamente, trajetória que culminou com a famosa condição coercitiva de Lula e o resto todos sabem. Com certeza, ela recebeu ordens de Tio Sam de que deveria mergulhar de cabeça na derrubada de Dilma. Não custa lembrar que, pouco antes dessa guinada golpista da Globo, o FBI realizou a operação que prendeu vários integrantes da FIFA, entre eles o Marin, esquema em que a Vênus Platinada está metida até o pescoço. Podem ter certeza que o Departamento de Justiça dos EUA, com a faca e o queijo na não, jogou os Marinho contra a parede:" ou apoiam o golpe, ou o FBI acabará com vocês".
    Da mesma forma, é praticamente certo que essa nova guinada da Globo, que deixou a todos meio surpresos (até os jornalistas da emissora ficaram meio tontos em um primeiro momento), tem o dedo do Tio Sam por trás. Tudo isso é obra do Grande Irmão do Norte, não tenha dúvidas.

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