Destruir estátuas é coisa de quem não pensa, só odeia

Um velho amigo, dos tempos de faculdade, mata a charada no Facebook, postando duas fotos dos nichos que abrigavam o maior – 55 metros – dos Budas do Vale do Bamiyan, no Afegasnistão, na antiga Rota da Seda, uma passagem das caravanas entre a China e a Índia, demolidas pelos talibãs, por serem blasfemas diante da fé muçulmana.

É disso que se trata: história não se demole, deixa-se que seja vista, para que ensine sobre o passado, mesmo quando ele pode ser considerado, aos olhos atuais, vergonhoso.

Historicamente, aliás, foram os conquistadores que mais as destruíram, por considerar pagãos os monumentos. Em Cuzco, no Peru, os católicos espanhóis deram-se ao trabalho de construir enorme morro de terra para esconder o impotente Corichanka, o templo inca do Sol e erguendo um convento cristão sobre o soterrado prédio de pedras.

Tão bem oculto que só um terremoto nos anos 50 revelou o monumento pré-colombiano, que é precioso.

Destruir estátuas de racistas de dois, três, quatro séculos atrás não significa nada, a não ser que não se compreende que a espécie humana é uma só e todas as histórias as descrevem.

Os revolucionários russos deveriam ter destruídos os palácios czaristas? As pirâmides egípcias deveriam ser postas abaixo porque escravos as construíram ou porque o povo de Moisés era cativo no Egito? Vamos arrancar as pedras do Valongo, no Rio, porque se mercadejava escravos ali? O Exército Islâmico estava certo em derrubar os monumentos romanos de Palmira, na Síria, porque os romanos eram invasores?

A luta de libertação só a uma coisa quebra: correntes, não a História.

PS. Vejo nos comentários os que se manifestam pela diferença entre monumentos históricos e homenagens a personagens nefastos. Tem sendo, mas quem é que escolhe? Não é que seja errado – ao contrário – abolir estas homenagens, até , em alguns casos, retirando estas imagens dos lugares de destaque. Isso não pode ser feito na base do individualismo, do contrário qualquer um, por qualquer motivo, vai lá e arranca um monumento, segundo seu próprio critério. Deveríamos ter aprendido, desde 2013, que depredação é algo que, cedo ou tarde, acaba servindo à direita.

Fernando Brito:

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  • Li que em alguma plataforma o filme "E o vento levou foi retirado". Nem sempre é fácil, mas tem que se avaliar os fatos com os pesos e medidas de sua época e não de hoje. É, por exemplo, o caso da inquisição, ocorrida numa época que a tortura era aplicada por todos os tribunais europeus, o crime contra o rei era de lesa majestade, contra Deus, a heresia, era de lesa majestade divina. Se contra o rei, a pena era a morte, contra Deus seria o que? E, claro, nessa ótica de derrubar estátuas, queime-se o Mein Kampf, entre tantos outros livros.

  • Dentro desse ponto de vista seria normal usar símbolos nazista , fascistas .....

    • Usar o símbolo é uma coisa, manter Auschwitz como museu é outra bem diferente. As memórias de um passado tenebroso devem ser mantidas, até mesmo para que não se repita.

      • Estátuas de pessoas são culto à personalidade e não memórias de um passado que não deve ser repetido, até porque o ódio e o racismo estão lá no passado como aqui no presente.

  • Discordo, há monumentos e monumentos. Comparar as pirâmides do Egito ou os budas do Afeganistão com a estátua de um mercador de escravos, não tem sentido. Foi um ato simbólico extraordinário jogar a estátua no rio, durante os movimentos contra a barbárie do crime cometido nos EUA. Estátuas não são apenas registros históricos, elas estão lá todo o tempo, exibindo e propagando o que representam para todos os que passam.

    • Concordo, a comparação não cabe. Se querem preservar a história através de estátuas deixem elas em museus e não em vias públicas afrontando os descendentes das vítimas desses "homenageados."

  • Brito, você esta equivocado, misturando fenômenos sociais e políticos incomparáveis.

    Estamos no auge de uma luta contra o racismo e a derrubado da estátua do mercador de escravos é uma simbólica ação de indignação com o RACISMO ATUAL. Basta é basta (como disse a aquela mulher negra nos EUA). Aquela estátua no alto do pedestal era uma exaltação da vilania, da infâmia, dum crime contra a humanidade. Meus aplausos àqueles que jogaram a estátua no rio.

  • NÃO CABE CONFUNDIR MONUMENTOS HISTÓRICOS E OBRAS DE ARTE COM ESTÁTUAS DE CULTO A MITOS DE OUTRAS ÉPOCAS. A LÓGICA DESTE ARTIGO DÁ CARTA BRANCA A QUE TORTURADORES ERIGISSEM ESTÁTUA DO BRILHANTE ULSTRA EM NOME DE SEU "FEITO HISTÓRICO.

  • Discordo. Retire a estátua e ponha num museu, juntamente com os materiais de tortura da época dele. Vai deixar as pontes e as escolas com os nomes dos militares da ditadura?

  • Sinceramente .............. a história está muito mal contada.

  • Por que destruiríamos uma estátua de Hitler ??,de Pinochet, ou de qualquer ditador genocida e torturador que tenha existido??
    Ou quem sabe algum maluco resolve fazer uma homenagem ao "mito"???
    Se já, como sociedade tivessemos superado o que essas estátuas representam,até seria didático para as novas gerações ,como uma amostra do nível de bestialidade que a humanidade praticou,mas ,não é o caso, o racismo ainda é terrivelmente ATUAL.
    O comentário mistura ,a tentativa de apagar uma cultura ,como o fizeram os espanhóis em toda América Latina,com as homenagens a traficantes de escravos ,que provavelmente eram úteis ao interesses do império inglês ,e portanto assim recebiam reconhecimento.
    Coloque-se no lugar de um cidadão negro,convivendo com um estátua que representa um crime do qual ele ,ainda nos dias de hoje é vítima.
    A empatia é um belo exercício de humanidade. ,

    • Ao invés de destruir a estátua, pode-se colocar uma plaquinha explicativa e enviar para o Museu da Vergonha. Assim, o protesto momentâneo torna-se perene, e educativo.

      • Deveríamos colocar plaquinhas no viaduto minhocão. na estátua do Borga Gato e Duque de Caxias, no monumento do empurra empurra no Ibirapuera....mas como já li, reforçaram a segurança em certos monumentos.

          • Foi mau, esqueci do fato dele ter sido renomeado e deixado de ser "Costa e Silva".

          • Mudou o nome, embora a legislação municipal proíba isso. A Av.
            Jornalista Roberto Marinho também recebeu o nome ao arrepio desta Lei.

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