Dilma em O Globo, por Luis Nassif. Ou como dar um nó nas “verdades de repetição”

Assisti, de forma entrecortada pela necessidade de escrever e por uma banda larga que anda meio estreita, a entrevista de Dilma Rousseff aos  “capa-pretas” de O Globo.

Tive ótima impressão: a percebi mais descontraída, naquele estado típico das pessoas que se vêem, subitamente, aliviadas e ficam, como se diz por aqui no Rio, “de bem com a vida”.

Ao ponto de proporcionar dois momentos de descontração: o primeiro, ao perguntar quem, afinal, estava sendo sabatinada, ela ou os jornalistas que insistiam em interromper suas respostas e o segundo, hilária, ao reagir a um defeito no microfone que teve de ser substituído: “apagão na Globo”, brincou.

Quanto ao conteúdo, aproveito o resumo feito pelo mestre Luís Nassif, sempre acurado, mostrando como foram sólidas as suas respostas, ao ponto de deixar um tanto quanto desconcertados os jornalistas/comentaristas globais, acostumados a impor “verdades de repetição”, e pouco ou quase nada afeitos a olhar os fatos por outra ótica senão as que lhes transmite o “mercado”, as quais reproduzem sem qualquer senso crítico.

O dia em que os entrevistadores foram obrigados a se explicar para Dilma

 Luís Nassif

Em geral, entrevistas com autoridades visam obrigar o entrevistado a sair da zona de conforto das afirmações não questionadas. Na entrevista de hoje, ocorreu o contrário: Dilma obrigou os colunistas do jornal a saírem da zona de conforto das afirmações reiteradas que, pela força da repetição – e da falta de contraponto -, tornaram-se verdades acabadas para seus leitores.

Além disso, entrevistas ao vivo reduzem o poder de manipulação da edição, do uso de frases tiradas do contexto.

Por exemplo:

Energia

Mostrou que o aumento da energia este ano está ligado à seca, a maior da história, não à redução tarifária imposta no ano passado.

Defendeu a revisão tarifária, pelo fato das usinas já estarem depreciadas. Se a renovação da concessão não é onerosa, não haveria porque incluir nas tarifas itens como depreciação – que a encareciam.

Rebateu a ideia de que a manutenção da oferta este ano tivesse qualquer ligação com as termelétricas construídas no período FHC.

Rebateu enfaticamente os que afirmaram que o setor elétrico está quebrado. Quebrado é quem não pode honrar seus compromissos. Não é o caso do setor elétrico que está com problemas apenas de descompasso de caixa.

Nenhum de seus argumentos foi rebatido, porque as críticas sempre focaram os pontos errados.

Na atual crise sobressaem as seguintes questões:

Coloca em xeque o modelo elétrico desenvolvido pela própria Dilma, enquanto Ministra das Minas e Energia. Pelo modelo há contratos de longo prazo e o mercado à vista. Quando a geradora não consegue entregar a energia combinada, tem que ir no mercado à vista se suprir. Em tempos de escassez profunda de água, como o atual, há uma explosão no mercado à vista que desequilibra financeiramente o sistema. Esse mecanismo precisa ser revisto.

O erro da renovação dos contratos de concessão não estava no conceito mas no valor arbitrado para a antecipação dos contratos. As companhias estaduais não aceitaram. A Eletrobras foi obrigada a engolir e, com isso, o governo feriu gravemente um dos grandes pilares de investimento no setor.

Além disso, não há clareza suficiente, no novo modelo, sobre o que é de responsabilidade da concessionária e do governo.

Casamento homossexual

Mais claro, impossível.

O governo é a favor da criminalização da homofobia, do casamento civil homossexual, da união estável e da adoção. Mas só pode arbitrar na parte que lhe cabe: os contratos civis.

Na condição de Estado laico, não compete ao governo interferir no casamento religioso, que depende de cada religião. A César o que é de César… Algo tão óbvio e que tem sido mascarado nas manchetes de jornais.

Reajuste de combustíveis

Dilma mostrou que nos seu governo, o reajuste do preço da refinaria foi superior ao do IPCA no período.

Quando se levantou o bordão de que os preços internos de combustível teriam que acompanhar os preços internacionais, liquidou a questão com o caso norte-americano do gás de xisto. Nos Estados Unidos, cobram-se US$ 4 dólares; no mercado internacional, é US$ 12 a US$ 15. Por que não se igualam os preços? Porque a prioridade é a recuperação da indústria siderúrgica e da petroquímica norte-americana, garantindo empregos e recuperação da economia.

Ninguém contraditou seus argumentos.

A questão central sequer foi abordada: a análise do fluxo de caixa da Petrobras versus os compromissos assumidos com o pré-sal.

Sobre as CPIs

Pretender que a presidente responda pela ineficácia das CPIs é demais. Lembra o filho de uma amiga que, cada vez que o carro para em um semáforo, brada: “É culpa da Dilma!”. Assim como na cobrança sobre o apoio de Sarney e Collor, parece faltar aos jornalistas a noção sobre independência dos poderes, sobre as atribuições do presidente da República.

Os jornalistas – velhas raposas políticas – sabem disso. Mas sabem que atribuir tudo à presidente tem eficácia junto aos leitores. Desde que a presidente não esteja ao vivo para rebater. A resposta foi óbvia. As CPIs tem na maior parte das vezes apenas interesses políticos. A oposição é representada. E não cabe à presidente interferir em outro poder.

Destaque para o tratamento respeitoso conferido à entrevista, sem os bordejos televisivos, de muito jogo de cena agressivo e pouco conteúdo.

 

Fernando Brito:

View Comments (54)

  • Ela me pareceu Super a vontade, dona da situação....'com uma carta na manga'??.....qual seria?

  • Esses jornalistas (Merval, Sademberg, MIriam Leitão e Noblat), pedantes, da Globo, não são páreo para alguém com o conhecimento e cultura da presidenta Dilma.

  • Dilma mostrou domínio completo dos assuntos, nada ficou sem resposta. Duvido que tenha algum outro candidato com as mesmas condições. Merece o segundo mandato.

  • Achei que a Dilma a-r-r-e-b-e-n-t-o-u na sabatina do O Globo! Chuuupa Merval! Chuuupa Miriam Porcão! Chuupa Noblat! É Dilma, de novo, com a força do povo! Não tem pra ninguém! Respondeu TUDO em duas horas de sabatina das mais incisivas perguntas dos principais jornalistas da mais PIGuenta das mídias brasileiras! Preparada, competente e honesta! E no final ainda deu uma sacaneada na cara dos jornalistas do Grupo Globo: "Deu um apagão na Globo!". Hehehe! Ela disse isso porque o áudio do microfone falhou durante as considerações finais! "E o casamento gay, a senhora é a favor?” pergunta feita por um ouvinte pelo twitter. Dilma responde: "Primeiro eu quero dizer que tenho integral compromisso com criminalização da homofobia. Meu projeto tem vários artigos. Não estou aprovando projeto, estou aprovando diretriz. Todos os que punem homofobia o governo é favorável". E completou "Supremo aprovou casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e reconheceu todos os direitos do casamento entre outras pessoas. Não temos condição de impor obrigatoriedade do casamento religioso. Casa quem quiser. O Estado como é laico tem obrigação de reconhecer direito de herança. Isso é uma discussão que foi resolvida no maior nível possível, pelo Supremo. Discutir se tem direito ou não é um absurdo". Sensacional e ganhou muitos pontos nessa entrevista!

    PS: Fernando um detalhe: Não sei se a íntegra da entrevista está disponível em vídeo, mas teve momento incrível foi quando a Dilma agradecia a Miriam Leitão por ter se solidarizado a ela, Dilma, reafirmando em algum depoimento anterior de que a Dilma havia sido sim torturada. Neste exato momento a câmera captou a expressão facial da Miriam, nitidamente, contrariada, quase que com cara de nojo. Naquela altura a Dilma já estava mais relaxada...Foi marcante! Você notou?

    • Para quem não viu, eis o link do vídeo:
      http://globotv.globo.com/infoglobo/o-globo-pais/v/o-globo-sabatina-dilma-rousseff/3625833/

      Fiz questão de assistir integralmente para observar melhor as reações da Dilma diante dos "algozes" globais:
      Dilma deu SHOW!

      Mas observando as "sutilezas" das costumeiras "edições inocentes", a parte final foi sem o som (já citado) e a câmera filmava a Dilma de lado.
      Aliás, essa é sempre a estratégia das "reporcagens" que eles fazem com os candidatos: a Dilma de longe e o Aécio sempre de perto, olhando a câmera de frente, bem pertinho, para passar "credibilidade"...(até parece! KKKK).

  • matou as cobras e mostrou o pau....somente
    nao falou: do tarifaço do aecio e da marina para emergia ecombustiveis!!! Dilma serena,como justa do dever cumprido em favor do povo....vamos a luta!

  • Parecia até que o jogo era na Casa da Presidenta,pois ela botou 3 a 0 e depois deu olé no adversário.Mulher competente,tive orgulho.

  • É igual ao LULA,é hoje,o LULA de saia,arrebentou,com os bobocas vaquinhas de presépios,da globosta,deu um olé.

  • Sempre aproveito a paciência deste blog,que publiciza meus comentários,leigo e muita vez insossos,para de novo falar de IMPRENSA.Acho que qualquer pessoa,quando inquirida por qualquer meio,dito de comunicação,deveria faze-lo sempre que possível,ao vivo e simultâneo e ou coletivo.A mim parece ser um dos únicos métodos de se evitar uma arma usual da IMPRENSA,que consiste no EDITORIALISMO.Ora,qualquer meio de comunicação,tem sua linha editorial,invariavelmente comprometida com a pluralidade de opiniões e no entanto,não é isto que se vê e sim,os interesses de grupos e de classe que estes meios representam.Então,sempre que qualquer pessoa,pública ou privada for inquirida por meios ditos de comunicação,se o fizerem de forma coletiva e ao vivo,evitará que se EDITEM O QUE DIZEM E FAZEM.Enquanto não se estabelecer o DIÁLOGO e não o MONÓLOGO,e se estabelecer o INSTITUTO DO CONTRADITÓRIO,todos poderão ser vítimas de EDITORIALIZAÇÕES!Não basta pra isso,a democratização da informação,sem estes pressupostos.

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