Como , infelizmente, não é possível falar de política no Brasil sem falar em dinheiro, acho que vale seguir no tema do financiamento empresarial das campanhas.
É evidente que não se pode dizer que toda doação de campanha seja corruptora, ao menos diretamente, mas o que a faz ilegítimas não é o fato de serem dentro ou fora da lei, essencialmente. É servirem para comprar privilégios, desde o acesso fácil a governantes até às obras e contratos que eles, em nome do poder público, contratam.
Legais ou ilegais, é a isso que se destina a maioria delas.
A argumentação de Gilmar Mendes sobre a “explosão de caixa 2” que o fim das doações privadas representaria parte de um princípio óbvio: existe (como sempre existiu aqui e mundo afora) “caixa 2”, pois o dinheiro só pode sair em “caixa 2” se ele entrou ou já antes se desviou para “caixa 2”.
Vai acabar, agora, o que nunca deixou de existir? Não, é claro.
Mas é inimaginável que, ao menos com facilidade, empresas possam ocultar dezenas de milhões de reais em “caixa 2” só para políticos, sem contar, claro, o muito mais que fariam de “caixa 2” para seus próprios donos evadirem-se de impostos ,
Ao mesmo tempo, seria impossível “distribuir” estes valores por doadores pessoas físicas, porque as doações pessoais também são declaradas e isso leva ao cruzamento com o Fisco, até de forma exagerada. Só das eleições passadas, 2.489 doadores individuais receberam intimações por não constar em suas declarações o valor declarado como recebido por campanhas. Cumprindo a tradição de ser dura com os pequenos e despenda com eles, por migalhas, o seu caríssimo trabalho, a Receita aponta irregularidades de até 15 míseros reais, o que não fará com os grandes que possuem contadores e advogados à farta para “ajeitar” seus dinheiros.
Por todos estes fatos, só, já seria absurdo o “voto” de Gilmar Mendes – como foram os de Teori Zavascki e de Celso de Mello.
Mas Gilmar acrescentou a ele o “caixa 2” jurídico: a intenção política deslavada, o facciosismo, a partidarização explícita e grosseira da do papel judicante de Ministro do Supremo Tribunal Federal.
E, com isso, roubou a cena de algo que merece muita reflexão e alegria para quem defende que a democracia é algo que exige não apenas que o direito de voto seja igual para todos mas, também, que o bolso não seja desmedidamente diferente.
Sobre tudo isso, é ótima a lição do mestre Janio de Freitas, hoje, na Folha.
O dinheiro na urna
Janio de Freitas, na Folha
É um enfrentamento educativo. As agressões verbais que o ministro Gilmar Mendes tem dirigido à OAB, com auge no julgamento das doações empresarias nas eleições, chamam atenção para mais do que o resultado que veio limitar a pessoas as contribuições financeiras para campanhas.
Na história decorrida desde o golpe de 1964, o crédito democrático e republicano da OAB é muitas vezes superior ao do Supremo Tribunal Federal. A OAB foi uma entidade à frente da luta cívica contra a ditadura e seus crimes. O STF foi uma instituição a serviço da ditadura, com raríssimos e momentâneos gestos –pessoais– de grandeza moral e jurídica.
Gilmar Mendes acusou a OAB de se pôr a serviço do PT, com a ação contra as doações eleitorais de empresas para assim asfixiar a alternância no poder presidencial. Acione ou não Gilmar Mendes, como considera, a OAB já foi, em nota, ao ponto essencial: a ação da advocacia que representa “não será sequer tisnada pela ação de um magistrado que não se fez digno de seu ofício”.
Ao fim de um ano e cinco meses em que reteve a continuação do julgamento, Gilmar Mendes apresentou por mais de quatro horas o que chamou de seu voto, mas não foi. Foi uma diatribe política, partidária, repleta de inverdades deliberadas que um ministro do Supremo não tem o direito de cometer.
Sem perceber sequer o próprio grotesco de recorrer a inverdades óbvias a título de argumentos, Gilmar Mendes é uma lembrança, que não deixa de ser útil, daquele Supremo que integrou o dispositivo ditatorial.
Os milhões empresariais nas campanhas foram extintos por oito votos a três. O de Celso de Mello e, este surpreendente, o de Teori Zavascki usaram como argumento, digamos, central, a inexistência de proibição expressa na Constituição para as doações de empresas. Mas a questão do financiamento eleitoral não estava posta com os aspectos atuais, quando elaborada a Constituição, antes mesmo da primeira eleição presidencial direta pós-ditadura. A mesma ausência na Constituição deu-se com a pesquisa de células-tronco, que o STF liberou contra a resistência religiosa.
Outro argumento comum aos dois votos respeitáveis: a proibição de contribuições empresariais não atenuará a corrupção, porque será adotado o caixa dois com novas formas de captação. Ora, ora, o caixa dois tem a idade das eleições brasileiras. E nunca foi interrompido.
A corrupção com doações empresariais até o agigantou. Quando um candidato mal sai da eleição e compra uma nova casa, alguém no STF acredita que foi mesmo com empréstimo familiar? Seja em São Paulo, na Bahia, em Pernambuco, tudo é Brasil e é caixa dois. De eleição como de corrupção, que o mecanismo é o mesmo.
Outra semelhança contraposta ao argumento dos dois ministros: assim como o fim das doações empresariais não poderá extinguir a corrupção eleitoral, a proibição do porte de arma não tem efeito absoluto. E, no entanto, foi adotada e é mantida, porque tem o efeito possível na sociedade imperfeita.
Não só as doações vão mudar. O PSDB está em campanha de filiação. Outros precisarão fazê-la, porque o movimento dos filiados será crucial para a coleta de doações pessoais. Com maior filiação, a vida dos partidos muda. E a mudança terá reflexos desde as direções até a conduta dos partidos no Congresso. Nada de imediato, mas vem aí uma saudável mudança em não muitos anos. Apesar de Gilmar Mendes, Eduardo Cunha e outros insatisfeitos com a retirada do poder econômico.
View Comments (3)
Concordo com a análise, em gênero, número e grau, porque bandido é bandido e gato é um bicho. O propinoduto continuará para defender os interesses de grandes grupos empresariais, porém, em menor escala e, por interesses próprios. Lei de Mídias já e, #Lula/2018.
O meretríssimo entende, como poucos, de caixa 2. Ou alguém acha que sentenças são compradas com caixa 1?
nunca haverá democracia enquanto o erário não bancar toda despesa de campanha , seja do que for, a roubalheira será sempre maior do que esse gasto.