Semana passada, o Wall Street Journal publicou uma matéria sobre os riscos de uma “bolha de crédito” no Brasil.
Usou como exemplo da história de Dona Odete Meira da Silva, essa simpática mulher aí da foto.
Diz o jornal que ela é mãe solteira, comprou um computador, uma TV de tela plana e começou a construir uma casa num bairro violento da periferia de São Paulo, que se parece com o Bronx novaiorquino, digo eu.
Mas a foto mostra que o sonho de Dona Odete está ainda pela metade, porque ela se viu com muitas dívidas e, prudente, “deu um tempo” até que as coisas melhorem.
O jornal diz que a obra da casa de Dona Odete, que espera a hora de fazer o acabamento do segundo andar, é um retrato “da própria escalada na economia brasileira: só (foi) até a metade”.
A Dona Odete, porém, é mais esperta. Para ela, a obra já foi até a metade e, assim que ela se desapertar, vai continuar:
“Ainda pretendo terminar a casa, mas isso vai ter que ser feito pouco a pouco, talvez em mais três anos”, diz ela.
Mas os jornalistas do Wall Street, talvez por não terem a experiência sobre como os pobres conseguem as coisas – aos poucos e com esforço – mostram que são menos espertos que Dona Odete.
Repetem um amontoado de frases ouvidas dos iluminados do mercado e não conseguem compreender – mesmo que o digam – que a prosperidade brasileira se confundiu e se alimentou da elevação do poder de compra da população pela via ao aumento da renda e do aumento do crédito.
Esquecem que nossas taxas de juros elevadas não decorrem da inflação, mas da alta taxa de ganho que os investidores internacionais – aqueles lá da Wall Street – exigem para fazer aportar aqui seu capital. E que são os problemas financeiros do mundo desenvolvido – e não os nossos – que estão gerando as turbulências por aqui.
Mas o mais chocante é a afirmação de dizer que o endividamento americano – muito maior que o brasileiro – é algo “economicamente mais saudável” por ser fundado em hipotecas, que somam 80% do PIB americano, enquanto todas as modalidades de crédito no Brasil, somadas, mal passam dos 50%!
Tenham paciência, chamar de saudável este sistema hipotecário que explodiu e lançou o mundo na pior crise pós-29, debaixo das barbas do jornal?
Eu me animei aqui, porque queria apenas apresentar o texto escrito pelo economista Jorge Mattoso, da Unicamp e ex-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Lula.
Leia e confira como Dona Odete tem toda a razão: ela já tem uma escada para subir ao segundo andar, que ninguém mais vai demolir.
Há pouco mais de 10 anos, quando o Brasil praticava direitinho as regras dos “sabichões” da economia, Dona Odete não tinha nada.
Alarme Falso
Jorge Mattoso
O artigo do Wall Street Journal publicado no dia 9 de outubro no Valor Econômico (“Dívida dos brasileiros é alerta para outros países emergentes“) poderia ser considerado como uma piada, não fosse a importância de ambos os jornais e o impacto que podem ter sobre parcela da opinião pública.
A partir da postura correta de Dona Odete Meira da Silva, que depois de algum endividamento passou a evitar a sua ampliação, buscando assegurar os pagamentos dessa dívida para que pudesse depois terminar a construção de sua casa (ainda que isso tenha que “ser feito pouco a pouco”), o Wall Street Journal questiona o perfil da dívida brasileira, o futuro da economia e dá como exemplo saudável as hipotecas dos Estados Unidos.
Se fosse uma matéria humorística não precisaríamos lembrar ao casal de jornalistas que foi exatamente o pouco saudável sistema de hipotecas norte-americanas (subprime) que gerou em 2008 a maior crise mundial desde os anos 1930.
Mas – felizmente – o Brasil não o tinha como exemplo, o que permitiu que construíssemos um sistema financeiro mais sólido, com maior controle fiscal, criando um mercado interno em contínuo crescimento, que permitiu que pudéssemos enfrentar esta crise, iniciada nos EUA e expandida aos outros países, com políticas anticíclicas capazes de reduzir seus efeitos sobre a economia e a sociedade brasileiras.
Mas o mais importante é ignorado pelo artigo. Dona Odete está feliz, crê no futuro – vendo que “as coisas estão melhorando” – e, sobretudo, em nenhum momento se declara inadimplente. Ela e tantos outros brasileiros não confundem endividamento com inadimplência.
Enquanto uma simples compra a prazo pode caracterizar endividamento, a inadimplência só acontece se as parcelas não forem pagas. Ao longo dos últimos dez anos o nosso mercado interno cresceu, o que favoreceu a vida de Dona Odete e de muitas dezenas de milhões de brasileiros, que puderam finalmente encontrar emprego, ver seus salários melhorarem, construir suas casas e comprar produtos capazes de melhorar suas vidas.
O mercado interno cresceu favorecido por um conjunto de fatores: o crescimento acentuado do emprego (cerca de 20 milhões), a valorização do salário mínimo real (mais de 70%) e pela ampliação do crédito. Essa ampliação se deu inicialmente através do crédito consignado (cujo saldo total já superava o volume de 191 bilhões de reais ao final de 2012) e depois via conjunto do crédito para a pessoa física e as empresas.
O crédito, que se encontrava paralisado até 2002, dado o baixo crescimento da economia e a estagnação do mercado interno, passou a crescer desde então e auxiliar na expansão do mercado interno. Segundo a ANEFAC, o volume total do crédito para pessoas físicas saltou de cerca de 82 bilhões de reais em junho de 2003 para mais de 715 bilhões de reais em junho de 2013 (crescimento de 766%).
Embora ignorado pela matéria do Wall Street Journal, é importante considerar que esta expansão do crédito no país vem sendo acompanhada do crescimento da renda das famílias, dados o aumento expressivo de emprego e da melhoria dos salários.
Em outras palavras, o crédito tem crescido também porque a capacidade de pagamento das famílias permitiu isso. Neste mesmo período, as taxas de juros para as pessoas caíram de 81,4% para 34,9% (queda de mais de 46 p.p.) e os spreads baixaram de 58,5% ao ano para 24,5%.
Tais elementos e seu desempenho, apesar de ainda elevados considerando os padrões internacionais, mostram uma tendência que conjuntamente com a menor taxa de juros do crédito consignado (1,8% ao mês e 23,8% ao ano) favoreceram a queda da inadimplência.
Dona Odete e outros tantos milhões de brasileiros não estão inadimplentes. Pelo contrário, têm demonstrado sagacidade, planejamento financeiro e cautela, tanto que ainda têm apenas cerca de 21% de sua renda familiar comprometida, quando qualquer banco tem como limite para a oferta de crédito às pessoas cerca de 30% de sua renda familiar.
Ao contrário do que pensam os jornalistas do Wall Street Journal mas como já foi identificado pelo Banco Central, parte deste endividamento das famílias tem ocorrido devido à expansão do crédito imobiliário, que é algo muito positivo, pois as famílias de Dona Odete e de milhões de brasileiros puderam romper com uma vida de sofrimento e miséria, estão constituindo patrimônio e melhorando sua qualidade de vida.
Sobretudo, Dona Odete e dezenas de milhões de brasileiros têm sido bons pagadores. Tanto que no Brasil a inadimplência geral caiu de 8,8% em junho de 2003 para 5,2% em junho de 2013 Este processo de redução da inadimplência continua, graças inclusive à preservação do crescimento e do emprego, alcançando 4,8% em agosto de 2013.
Segundo os dados mais recentes da Serasa, o número de calotes (inadimplência) teve, em setembro, a quarta queda consecutiva. A dívida dos brasileiros – relativamente pequena, administrada e com baixa inadimplência – em vez de alerta parece indicar que ainda existe um bom caminho pela frente para a elevação do consumo das famílias, sobretudo se mantidos o crescimento do emprego e da renda e ampliados os investimentos.
Para Dona Odete e os milhares de brasileiros que emergiram na última década ao consumo e à cidadania, o maior receio não é do descontrole fiscal e da inadimplência, mas sim o de assistir às sucessivas tentativas de restrição de seu acesso à uma vida melhor sob alegação de que o brasileiro gasta muito e mal.
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Na verdade a única "bolha" que existe no Brasil é a quase-candidatura de Marina Blá-blá-blá. "Bolha" imobiliária só existe pros mais abonados dos Jardins e Alphavilles. Dona Odete não conhece o que é hipoteca nem subprime. Pro pobre pé-no-chão sempre foi assim, devagar e sempre, com dinheiro suado e contado. Pois pobre honra dívidas, e não suporta nome sujo na praça. Quanto aos mais abonados... cuidado.
sensacional o comentario
Um dia desses, caminhei pelas ruas de comercio popular de minha cidade. Vi um povo, tranquilo e consciente que estamos no caminho certo. Bolhas sao eles.
A nossa maneira de conseguir as coisas aos poucos é estranha aos EUA. Lá, eles conseguem um empréstimo, constroem a casa toda e ficam devendo aos bancos. Aqui, as pessoas fazem uma dívida que cabe no seu orçamento, faz um tanto da casa, pagam a dívida para depois fazer outra até terminarem a construção e também terminarem de pagar a dívida. Outra diferença, a maioria aqui faz a dívida com o comércio, lá eles ficam devendo tudo para os bancos. Aqui, geralmente, quem faz dívidas com os bancos são os comerciantes, a indústria. Não há como comparar nós com eles. Bem que eles adorariam ver o Brasil estourar numa bolha como eles estouraram e vão estourar outra vez, porque continuam cometendo a mesma burrice. Vade retro satanás!
Já que o governo não tem a força necessária para democratizar o espaço público, seria muito bom ao país se a presidente conversasse mais com os brasileiros, pelo menos uma meia hora por semana, em cadeia nacional de rádio e televisão, já seria o suficiente para fazer o contraponto à campanha oposicionista de manipulação e desinformação que inunda os noticiários das televisões. Esse tipo de mau jornalismo que se vê no Wall Street Journal é fichinha perto do que se vê por aqui.
Concordo. Mas acho que mais pra frente um pouco. Deixa eles se queimarem pela lingua.
Concordo também, fala com o povo Dilma!
Estes americanos não conheceram minha sogra.
Que se aposentou como faxineira de escola.
Que tem 4 filhos legitimos e um adotado, um
marido que faleceu atropelado por um trem.
Construiu uma casa para cada filho, e deu
um terreno muito grande para o filho mais
velho. Todos com o salario da escola e depois
o da aposentadoria, e por fim ainda construiu
um tumulo muito do bonito, onde está agora.
Estes americanos deveriam saber o que é poupar.
ps. Fazia também colchoes com panos rotos, para
pagar o pedreiro, e tapetes de retalhos para as
outras despesas. Não deixou nada para traz, nem
um só imposto a pagar.
Isto ocorreu na época ainda dos Militares e FHC.
(Isto é uma homenagem a ela). Obrigado.
Sao essas pessoas incriveis, que nao deixaram o Brasil afundar. Guardemo-las em nossos coracoes.
Caro Fernando e demais
Mas o jornal Wall Street, fala no Brasil, pelos candidatos Aécio e Marina, entre outros.
Saudações
Lamentavelmente este tipo de matéria vai ser cada vez mais frequente até as eleições de 2014. Não será surpresa se as agências de classificação de risco diminuírem a classificação do Brasil nos próximos meses. Faz parte da guerra ideológica.
Antonio, então olha esta notícia INADIMPLÊNCIA CAI E JUROS TÊM MENOR NÍVEL DA HISTÓRIA (http://www.brasil247.com/pt/247/juros/88431/), além de mentirosos são burros.
Estou muito preocupado... O Uau Istrite disse, o De economisti disse...Então é verdade, né/
Acho que vou cancelar a 3ª viagem do ano! Aproveito e cancelo a compra do meu carro novinho (verde, como a patroa quer) que chega semana que vem. Se o Uau Istrite e o De Economisti estão preocupados com o meu endividamente.
Tá bom... E eu sou lá de acreditar nos Piratas da Ilha e na sua Cria do outro lado do oceano, ÔPA?
Ainda mais que sao eles que estao ferrados.
Parece que os gringos além de burros são mal informados, saiu há quatro dias a seguinte notícia:
"INADIMPLÊNCIA CAI E JUROS TÊM MENOR NÍVEL DA HISTÓRIA" Informação do Banco Central.
Tenho também acompanhado as notícias do SERASA e são as mesmas, prevendo inclusive que no fim deste ano o nível de inadimplência no fim do ano com o décimo terceiro será mínimo.
Agora vocês sabem por que não tem nenhum comentário nesta notícia no WSJ? Porque eles querem que a gente pague US$10,00 por mês para criticar aquela bosta ou que coloque a disposição deles os dados do Feicebuque. Vão se catá, gringada que gosta de espionagem.