É o fio da história, Lula…E só você pode puxar-lhe a ponta…

Li um trecho da entrevista que Lula deu a Mino Carta e que sai neste final de semana, antecipada pelo Paulo Henrique Amorim em seu Conversa Afiada.

Nela, o ex-presidente diz:

“O jovem hoje com 18 anos tinha 6 anos quando ganhei a primeira eleição, 14 anos quando deixei de ser presidente da República. Se ele tentar se informar pela televisão, ele é analfabeto político. Se tentar se informar pela imprensa escrita, com raríssimas exceções, ele também será um analfabeto político. A tentativa midiática é mostrar tudo pelo negativo. Agora, se nós tivermos a capacidade de dizer que certamente o pai dele viveu num mundo pior do que o dele, e se começarmos a mostrar como a mudança se deu, tenho certeza de que ele vai compreender que ainda falta muito, mas que em 12 anos, passos adiante foram dados.”

E vou me permitir ponderar sobre algo que Lula custou a admitir e o PT, a entender.

Quando Lula tornou-se um líder político e parte da esquerda, da Igreja e da intelectualidade, encantadas com aquele “operário de carne e osso”  que, milagrosamente, surgia, apoderou-se do organismo político nascido desta união que  eram “o novo”, puro, incorruptível, melhor do que todos e melhor do que tudo que até então tinha havido.

Entre as coisas de minha mãe, achei uma foto velhíssima, de 1929.

Com a dedicatória, em letra trêmula de semi-alfabetizado, de meu avô, a minha avó, com quem casaria em meses.

Ele está de roupas de trabalho, velhas e pintalgadas de sua faina, a de pintar paredes. E com o chapeuzinho de jornal que, antes dos bonés, os pintores faziam para que não terminassem com o cabelo colorido.

Curioso, não é? Naqueles tempos de galãs a Clark Gable – acho até que antes dele -, todos arrumadinhos e gomalinados, alguém pudesse tentar impressionar uma moça vestido daquele jeito, acho que até com as calças amarradas por um cordão.

Mas parece que deu certo, não é?

E me vieram à mente os almoços em sua casa, no IAPI de Realengo e o elogio que primeiro vinha quando um nome qualquer entrava na conversa: fulano é um sujeito trabalhador.

Não era, como hoje e  ontem  “esperto, safo, virador”.

Trabalhador.

O mundo do consumo foi nos tirando este valor, não é?

Mas ali ele era forte.

Nem era algo “político”, porque ele não era “da política”, embora não se pudesse ali falar um “ai” de Getúlio ou de Prestes.

Mas o trabalho era subentendido como fonte do pouco que ele tinha, que já não era tão pouco como antes, quando vendia na roça galinhas amarradas pelos pés a uma vara.

Ou do que tinha minha mãe, formada professora na escola, e depois no curso normal público  em que um operário e uma costureira, com esforço, já puderam vê-la matriculada, ainda que economizando no sapato ferrado (ferrado mesmo, com metal), o malfadado “tanque colegial”.

E do que tive eu, a quem a modesta professora pode criar mesmo no então infamente “desquite”.

Um geração transmitia seus valores à seguinte e nós os burilávamos, tornávamos mais tolerantes, mais flexíveis, sem lhes tirar o núcleo perene.

A sociedade midiática atingiu em cheio as gerações após a minha – que tem hoje 50 e tantos.

Esse processo geracional de formação de consciência e identidade foi atingido por ela como quem se vê engolfado por uma onda.

A ditadura já nos havia tirado as referências  históricas e políticas e muito de nós, da esquerda, exatamente como se faz hoje com o PT, passamos a enxergar-lhes só os defeitos e os processos viciosos que se agregam a qualquer esquema de poder, como cracas que não se soltam e proliferam.

A dominação midiática  fez pior que isso, acabou com nossas referências de convívio e de relacionamento e impulsionou ao egoísmo preconceituoso e perverso em cada um de nós.

Por mais que isso seja cruel, Lula, há um sentimento de desorientação, hoje, no povo brasileiro.

Não temos referências. Não temos um arvoredo, lá na colina, a nos mostrar direção do caminho.

O bombardeio de manchetes, pesquisas, celebridades, factóides, memes, esta porcariada toda se despeja como uma tempestade turvando os olhos e a mente.

Só mesmo contando com este grande, este maravilhoso instinto dos povos.

Veja o que fizeram com a Copa, um grande evento, um momento de alegria para o Brasil, sendo apresentada como grande frustração, porque teria (por quem?) sido apresentada como remissão dos nossos pecados de séculos…

Você, Lula, é só quem sobrou ao povo brasileiro como referência, mesmo que lhe seja injusto exigir mais do que os 40 anos em que você não tem o direito de ser só o camarada boa-praça de São Bernardo.

Se não partir de você, se não for você a cara a se apresentar para a polêmica, por mais que a oposição seja incapaz e as articulações do governismo sejam fortes, essa eleição tem riscos, embora ainda se afigure a vitória das forças de esquerda.

O “pai” que tem de explicar aos filhos que o passado foi terrível e deles custou muito nos livramos é você, que é o pai desta nova classe média – que classe média , nada, Lula, apenas pobreza sem miséria! – e por quem ela tem um respeito imenso, mesmo que ande meio rebelde.

Eu sinto muito, Lula, mas você – que tanto rejeitou Getúlio nos tempos em que achava que a História tinha começado ali naqueles encontros que fundaram o PT – , você, Lula, agora é o “pai dos pobres”.

Mesmo que estes pobres agora sejam chamados “nova classe média” e usem celular.

E eles precisam que você comece a “mostrar como a mudança se deu”  para que ele passe a “compreender que ainda falta muito”

Você  é o único que tem credibilidade para falar de mudança, pela simples razão de que a fez.

Fernando Brito:

View Comments (24)

  • Lula, o senhor está cada dia mais bonito. Só pode ser o Amor. Amor por todos nós brasileiros. Que sorte temos de ter junto da gente um homem de tamanha grandeza, que se chama LUIZ INACIO LULA DA SILVA. O nosso Lula!

  • Excelente reflexão. Estamos escrevendo a história contra o "mainstream". Isso é a história. Um dia escreverão sobre essa luta inglória, de uma ditadura e de uma tortura subliminar que tenta relegar os brasileiros a uma condição de meros consumidores. Porém, somos uma nação. Essa mistura fantástica e maravilhosa. Me orgulho de ser brasileiro. Me orgulho de minha mãe nos anos 70. A "Desquitada". Relegada a segundo plano na sociedade. Ela acreditava em um governo trabalhista e eu passei a acreditar a cada lágrima, em cada suor, em cada joelho dobrado por força das circunstâncias. Em cada humilhação havia a centelha da luta legítima. O Brasil é um país de trabalhadores, de sonhadores, de gente de verdade, esculpida no sofrimento. Esse mesmo sofrimento que a direita não enxerga pq jamais saberão que o orgulho de ser brasileiro é o orgulho de lutar contra a injustiça e fraternidade de estender a mão. A direita não entenderá jamais o código da reciprocidade. O brasileiro não é apenas um forte. O brasileiro é uma raça amalgamada na alegria, na tristeza, na esperança e no suor do povo. Somos a alegria e somos a esperança.

  • A catarse brasileira vai se confirmando . E para a cura do tal complexo , tão comentado ultimamente ,nada como o maravilhoso divã , turbilhão genuíno de nossa alegria chamado futebol . O gol do Lula será belissimamente implacável ao mostrar , de forma cada vez mais clara , quem estará de cada lado do campo. E a torcida tomará seu partido , então.
    A conferir o quanto este país é estranhamente complexo . "...Aqui vive um povo que cultiva a qualidade,
    ser mais sábio que quem o quer governar!..." , já cantava o Milton Nascimento em " Notícias do Brasil ".E convenhamos , votar é uma coisa . Voltar é outra .

    • Uma ultima observação : Estranhamente complexo , mas nunca eternamente complexado . O Lula chutou no que viu e acertou no que nao viu. O pais sairá melhor disso tudo.

  • Poarr Brito!!!

    Que texto lindo.

    Como é bom ver nossa razão florecer diante das adversidades, Como é bom está lá do lado cá.
    Lula puxe o fio, estamos o tempo todo sobre a linha basta cruza-la sem medo de ser feliz...

  • Qdo olho pra o q estão fazendo da Copa... Dá uma desilusão, da peste. Como essa gente, de ontem, misturada aos interesses, maiores, do poder internacional, nos quer ver subjugados... Se faz esquecer os dez ou doze últimos anos de conquistas, reais; em troca e ao poder da desilusão, arquitetada, meticulosamente, pela inteligência da propaganda... Ou esse medo, negativismo, implantado em nossas mentes, em nossos corações, são advindos de conquistas; dessas conquistas, todas, sacadas, à conta-gotas, dos créditos, sempre vantajosos, aos direitos dessa elite, dominante?... Nada, disso. Ao tempo em q os Governos petistas trabalhavam com vistas ao cumprimento de seus compromissos partidários, junto à massa eleitoral, essa gentinha, metida à besta, passada à ferro e engomada, prescrevia a ordem do dia, devidamente bem orientada (?), à mídia, maldita. Parece, a nós, q exultamos, qdo da verdadeira conquista, por merecimento, pela organização e patrocínio da realização da Copa do Mundo, um desalento, um possível final infeliz; depois de tanto sonhos, ilusões e trabalho, firme. Será possível?... Não podemos descartar nossas esperanças; em especial, qdo sabemos, estamos convictos, de q trabalhamos com as melhores das intenções e não paramos por ai... Estamos continuando e vamos continuar, perseverar. Não vamos jogar no lixo, a história do metalúrgico q lutou e ganhou da vida. Não vamos.
    Abraços, fraternos

  • Näo estä faltando nada,estä tudo escrito.Nös como pais e avös temos o dever de estar orientando nossos filhos e netos sobre a realidade brasileira.A ärvore mencionada como referëncia sempre nos foi tirada,pois ela näo pode existir para aqueles que querem um païs subjulgado aos interesses alienïgenas.Infelizmente a nossa classe mëdia quer o referencial da elite,que por sua vez barra a entrada dos mesmos no baile,sö prestando como massa de manobra.Por incrivel que pareça,o ünico fator aglutinador do povo brasileiro ë o futebol e eles sabem disso.Por isso essa massiva tentativa de fazer da copa um vexame para nos fazer sintir incapazes e inconpetentes.Näo nos deixemos enganar

  • Fernando

    Sobre seus avós e a pergunta, só posso dizer-lhe que a coisa deu tão certo que gerou você e este espaço nobre de ética, nacionalismo e democracia, que virou referência para tantos milhares de nós.

    Sobre Lula, quero discordar de você num ponto: trate-o, como todos o tratamos, como a mais poderosa referência viva do povo brasileiro, mas não "como a única que sobrou", pois seria assim injusto com tantos outros da nossa brava gente brasileira.

    • Não como a única pessoa que é assim, mas como a referência geral, aquela que todos, mesmo os mais simples, podem ver e sentir.

  • Assisti ontem a um documentário sobre o Circo Voador, "instituição" anarquista carioca do início dos anos 80. Aquele movimento era uma lição de vida e amor, inclusive ao povo brasileiro. Para quem não viveu esses tempos, o filme de Roberto Berliner pode mostrar uma geração que vivia o momento de forma positiva. Não esperavam de governos que fizessem nada por eles; eles iam à luta e construíam seus espaços; faziam atividades com crianças de todas as classes sociais, na praia, na favela. Eram aulas de circo, de dança, teatro, jardinagem (aos pés dos Arcos da Lapa). Tudo, repito, em clima de liberdade, desorganização criativa e muito, muito amor. Muitos daqueles jovens adultos permanecem na cena artística, alguns financeiramente bem sucedidos - embora o verdadeiro projeto do Circo não fosse voltado para dinheiro e bens materias. O filme permite uma boa comparação entre o "clima de copa" da época e o de hoje. E deixa o cidadão com uma pergunta: o que teria acontecido para perdermos o barco da brasilidade espontânea que parecia ser inaugurada naquele momento?

  • Somos as "fundas de Davis contra o Golias - midiatico, empresas imprensa e os concedidos metidos em campanhas eleitorais ilegais e difusores do pessimista complexo de vira latas, configurando as sombras como no mito da caverna
    Há uma profecia diria "natural, cientifica, logica e humanista que soma a riqueza material - clima, agua, minerios, petroleo; com povo de bom senso em usar a "mente do coração!!!!". a profecia de uma America Latina, berço de uma nova civilização, no ciclo da evolução do oriente para o ocidente, do norte (USA e Europa) para o sul (A. Latina. E sabem como ela se concretiza no decorrer dos lentos seculos que se precipitam na era que vivemos?
    Seja como atuamos no nosso cotidiano de esperança, otimismo e particularmente nesse estrontoso TECLAR nos blogs iluminantes a construir uma forma pensamento transcedente.

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