Emocionante carta de médico brasileiro a seus colegas cubanos

Hoje a Folha de São Paulo publica, finalmente!, uma carta de um médico brasileiro cumprimentando educadamente a vinda de seus colegas cubanos. Oxalá mais profissionais rompam o silêncio e, num desafio ao corporativismo egoísta vigente na classe, transmitam ao povo brasileiro o que ele tanto deseja ouvir: palavras de solidariedade.

Quem sabe, um dia, os médicos brasileiros apreendam o significado real da frase de um outro médico, argentino de nascença mas cubano de coração?

“Mais vale a vida de um ser humano do que todo o ouro do homem mais rico mundo”, Che Guevara.

Carta aos Médicos Cubanos

Por David Oliveira de Souza*

Bem-vindos, médicos cubanos. Vocês serão muito importantes para o Brasil. A falta de médicos em áreas remotas e periféricas tem deixado nossa população em situação difícil. Não se preocupem com a hostilidade de parte de nossos colegas. Ela será amplamente compensada pela acolhida calorosa nas comunidades das quais vocês vieram cuidar.

A sua chegada responde a um imperativo humanitário que não pode esperar. Em Sergipe, por exemplo, o menor Estado do Brasil, é fácil se deslocar da capital para o interior. Ainda assim, há centenas de postos de trabalho ociosos, mesmo em unidades de saúde equipadas e em boas condições.

Caros colegas de Cuba, é correto que nós médicos brasileiros lutemos por carreira de Estado, melhor estrutura de trabalho e mais financiamento para a saúde. É compreensível que muitos optemos por viver em grandes centros urbanos, e não em áreas rurais sem os mesmos atrativos. É aceitável que parte de nós não deseje transitar nas periferias inseguras e sem saneamento. O que não é justo é tentar impedir que vocês e outros colegas brasileiros que podem e desejam cuidar dessas pessoas façam isso. Essa postura nos diminui como corporação, causa vergonha e enfraquece nossas bandeiras junto à sociedade.

Talvez vocês já saibam que a principal causa de morte no Brasil são as doenças do aparelho circulatório. Temos um alto índice de internações hospitalares sensíveis à atenção primária, ou seja, que poderiam ter sido evitadas por um atendimento simples caso houvesse médico no posto de saúde.

Será bom vê-los diagnosticar apenas com estetoscópio, aparelho de pressão e exames básicos pais e mães de família hipertensos ou diabéticos e evitar, assim, que deixem seus filhos precocemente por derrame ou por infarto.

Será bom vê-los prevenindo a sífilis congênita, causa de graves sequelas em tantos bebês brasileiros somente porque suas mães não tiveram acesso a um médico que as tratasse com a secular penicilina.

Será bom ver o alívio que mães ribeirinhas ou das favelas sentirão ao vê-los prescrever antibiótico a seus filhos após diagnosticar uma pneumonia. O mesmo vale para gastroenterites, crises de asma e tantos diagnósticos para os quais bastam o médico e seu estetoscópio.

Não se pode negar que vocês também enfrentarão problemas. A chamada “atenção especializada de média complexidade” é um grande gargalo na saúde pública brasileira. A depender do local onde estejam, a dificuldade de se conseguir exame de imagem, cirurgias eletivas e consultas com especialista para casos mais complicados será imensa. Que isso não seja razão para desânimo. A presença de vocês criará demandas antes inexistentes e os governos serão mais pressionados pelas populações.

Para os que ainda não falam o português com perfeição, um consolo. Um médico paulistano ou carioca em certos locais do Nordeste também terá problemas. Vai precisar aprender que quando alguém diz que está com a testa “xuxando” tem, na verdade, uma dor de cabeça que pulsa. Ou ainda que um peito “afulviando” nada mais é do que asia. O útero é chamado de “dona do corpo”. A dor em pontada é uma dor “abiudando” (derivado de abelha).

Já atuei como médico estrangeiro em diversos países e vi muitas vezes a expressão de alívio no rosto de pessoas para as quais eu não sabia dizer sequer bom dia – situação muito diferente da de vocês, já que nossos idiomas são similares.

O mais recente argumento contra sua vinda ao nosso país é o fato de que estariam sendo explorados. Falou-se até em trabalho escravo. A Organização Pan-americana de Saúde (Opas) com um século de experiência, seria cúmplice, já que assinou termo de cooperação com o governo brasileiro.

Seus rostos sorridentes nos aeroportos negam com veemência essas hipóteses. Em nome de nosso povo e de boa parte de nossos médicos, só me resta dizer com convicção: Um abraço fraterno e muchas gracias.

* DAVID OLIVEIRA DE SOUZA, 38, é médico e professor do Instituto de Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês. Foi diretor médico do Médicos Sem Fronteiras no Brasil (2007-2010)

David
Fernando Brito:

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  • Há espaço e pacientes para todos os médicos, brasileiros ou não. Sejam mercenários ou idealistas.
    A medicina preventiva é necessária em qualquer país, mais ainda no Brasil continental e desigual.
    A formação dos médicos no Brasil esteve vinculada a um modelo que não serve para todo o país.
    A xenofobia, a meu ver, neste caso, é financiada por laboratórios e fabricantes de equipamentos.
    Entre os xenófobos há médicos vendedores, há médicos rentistas. Destes, os demais são marionetes.
    Que venham cubanos, uruguaios, argentinos, espanhóis... Parabéns, Dr. David!!!

    • Se os médicos brasileiros pensassem como o Dr. David, possivelmente nem precisássemos dos médicos cubanos. Parabéns Doutor David!

  • Que os médicos cubanos humanizem os médicos brasileiros. Que assim seja!

  • Parabens DR.David Oliveira de Souza, que sirva de exemplo para os medicos brasileiros, capaz mas humilde, desejo uma belissima carreira, para este DOUTOR educado,felicidades e sucesso.

  • Parabéns David. Você tem uma alma santa para a FP, publicar sua carta aberta.

  • Estou com a alma lavada, obrigado DOUTOR por dizer a estes médicos que o povo brasileiro está feliz com a chegada deles, que Deus o abençoe, assim como aos médicos cubanos ou não,
    que estamos precisando sim, e que ele são BEM VINDOS!!

  • Como é bom ler a carta de um humanista como nossas/os irmãs/ãos cubanas/os. As/os médicas/os reacionárias/os devem estar envergonhadas/os diante de um colega que dá boas vindas às/aos médicas/os cubanas/os.
    Parabéns doutor David, o senhor engrandece a classe médica!

  • Parabéns David! É de médico como você que Brasileiros de verdade precisamos.

  • Chorei ao ler sua carta Dr. David, é maravilhoso saber que no Brasil existem `MÉDICOS, depois de ver tanta imbecilidade nos últimos dias já estava duvidando disso. Deus lhe abençoa e lhe dê uma longa e promissora carreira para o bem do povo brasileiro.