A elite nos estádios entende quem os construiu?

A enquete realizada pela Folha, ontem, e publicada na edição de hoje do jornal, faz um retrato do que significa o tal “padrão Fifa”.

Ou do que tem sido o mundo.

Tudo é ótimo, fantástico, maravilhoso, sensacional.

Para poucos.

Os 60 por cento com renda superior a dez salários mínimos no estádio são apenas 3% dos brasileiros na “vida real”.  Quase a metade deles, os que ganham acima de 20 salários-mínimos, não chegam a 1% dos brasileiros. Os números estão ao lado, se você duvidar.

Os negros, mulatos, os pardos só são maioria, entre os de camisa amarela, dentro das quatro linhas.

Nada mais do improviso, das arquibancadas de concreto, da multidão se espremendo numa festa de gritos e suores, nem do picolé que vinha rolando de mão em mão degraus acima ou abaixo, enquanto os trocados seguiam o caminho inverso (quando não era o pobre do sorveteiro quem vinha junto) daquele Mineirão de 150 mil lugares ou do Maracanã de 200 mil almas em transe.

Por maior que seja a saudade daqueles tempos que eu ainda tive a sorte de viver, o Brasil tornou-se uma sociedade de massas gigantescas e seria simples banzo pretender que tudo fosse como era.

Até porque aquele “Maracanã” inclusivo era mais uma atitude mental do que real,  porque o Brasil era, muito mais que hoje, um país de pouca ou nenhuma oportunidade para a imensa maioria, ainda que muitos tenham conseguido ascender nos anos 40 e 50, embora se tenham tomado, em 64, as devidas providências contra a petulância da patuleia de querer ter parte do seu país, mesmo na antiga geral.

A realidade é que a televisão é, agora, o Maracanã universal.

O nosso povo tem ódio ou raiva, sequer, de não poder estar ali, em massa. Um pouco de frustração, talvez, por não estar, aos gritos e paixões, transformando em feras esportivas os nossos jogadores, com a força do atavismo que Nélson Rodrigues definiu como o de se atirar à bola como quem se atira a um prato de comida.

Sérgio Porto, o Stanislau Ponte Preta, escreveu uma vez que não acredita em patriotismo do sujeito que só pensa em si. Nós temos uma elite que não tem fome, mas é “fominha”.

Por acaso algum deles recusou a oportunidade de estar ali com a lenga-lenga que, em lugar de Copa, poderiam ter feito uns 20 hospitais e uma centena de escolas, um nada neste país continental?

O povão não é recalcado, é sofrido.  E sabe transformar este sofrimento em força e alegria.

Está se lixando para o Neymar ganhar uma fortuna, desde que jogue bola como um moleque feliz.

Triste, em tudo isso, é que aquela parcela da elite – ou uma parte dela, sejamos justos – não entende que são as imensas massas deste país que lhe permitem viver os privilégios que tem de estar ali – e também não há nada de errado em estarem – fruindo a delícia de viver este momento de congraçamento mundial.

Se podemos amar os holandeses, os croatas, os costarriquenhos, até os argentinos, porque não podemos amar os brasileiros pobres e dar a eles o mesmo carinho e atenção que damos à Torre de Babel que nos visita?

Por que é que tanta gente rica, ou bem remediada, odeia quem lhe deu a chance de estar ali, olhando de perto, pertinho, aquilo que bilhões só vêem por uma tela?

Será assim tão difícil entender que é o povo brasileiro quem lhe trouxe a Copa, assim como é o povo brasileiro quem produz a riqueza de que fruem e que sua miopia acha que brota do nada, apenas por sua “capacidade inata”?

Quem acha que este país é “tudo de ruim” não pode mesmo gostar dele o suficiente para entender que é da massa que vem a força de qualquer grupo seleto, não o contrário.

Inclusive a que empurra os onze em campo.

O que talvez explique 20% de chilenos terem, em alguns momentos, gritado mais que 80% de brasileiros.

E porque 80% dos brasileiros que têm muito pouco, ao contrário deles, sejam capazes de dar, dar, dar a seu país muito mais do que recebem dele.

 

Fernando Brito:

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  • GLOBO FAZ HORÁRIO ELEITORAL DO DUDU
    Ontem, dia 28, fui à casa do meu cunhado e, para incômodo meu e inocência dele, que creio não saber que a Globo faz mal a ele e ao Brasil, estava assistindo ao JN quando noticiaram o “agora é oficial” e mostraram uma minibiografia do Dudu e colocaram ele e a Marina (os dois traíra) falando asneiras, um verdadeiro horário eleitoral para o Dudu. Ah, com queda em audiência a globo que não era para dar nada de positivo sobre a copa, sendo uma da mentora do ‘não vai ter copa’, com a hipocrisia e cretinice de sempre agora se agarra aos jogos da copa – ontem foi o dia e noite – inteiramente para capitanear audiência. Mas a copa está acabando.

  • O esquerdismo infantil prefere criticar o "padrão FIFA", o preço dos ingressos do que criticar a má distribuição de renda, a baixa valorização do trabalho não qualificado, o nosso subdesenvolvimento. Preferem dar esmolas, isenções, tarifa zero, etc, do que fazer a luta de classes.

  • Fernando de uma olhada nessa foto e veja se voce concorda comigo: isso não é um sem-teto. Incrivel como a revista Der Spiegel _ hamburgo/alemanha continua informando sua "elite".

    http://www.spiegel.de/fotostrecke/wm-2014-die-besten-bilder-des-tages-aus-brasilien-fotostrecke-116296-11.html

    A legenda da foto (numa tradução livre) é: A toda hora, os visitantes do Brasil são confrontados com a chocante pobreza que grande parte da população continua a sofrer. Aqui dorme um homem sem-teto em São Paulo atrás de um vaso com plantas.

    • Parece um gringo de ressaca com dinheiro contado. De tênis, mochila de maraca, a tá, sem teto?

    • Concordo. Não é nem de longe um sem teto. Parece mais um estrangeiro.

    • E quem disse que o sujeito está dormindo? Com aqueles tênis tão limpinhos e tão arrumadinho, um pé sobre o outro, quase garanto que é alguém escalado para estar ali, apenas "posando" para a foto. Talvez algum "assistente de produção" de quem vendeu a foto à revista.

    • ERnesto, acabei de voltar de Paris, onde vi gente morando em cabine telefônica, em pleno centro da cidade luz.

    • Oh, mein Gott!!! Es gibt Obdachlose in der Welt? Primeiro, não parece mendingo, está mais para torcedor. Mas, ainda que fosse, até parece que a Europa e EUA não estão forradas de mendigos e demais sem tetos.

  • E a mesma elite que xingou a Dilma, vaiou o hino chileno.
    Quanta falta de educação.

  • Que a elite não gosta da Dilma, todo mundo sabe, que a Copa vai diminuindo a rejeição e fato. Fui ao Estádio a maioria e branca, eu e minha esposa negamos responder o Data Falha, a torcida do Chile ficou calada, tudo que escreveu esta correto com uma exceção. A torcida do Chile foi esmagada pela brasileira, terminou o Hino oficial não deixaram se quer cantar a Capela (concordo foi mal educado eu minha esposa e cunhados, ficamos quietos) e assim foi durante todo o jogo, o Chile tentava cantar e era esmagado. Até a chatice do Sou Brasileiro foi poucas vezes cantado ( nos ficamos em silêncio). Quando a torcida braseira paravA vinha logo um levanta levanta...se houve manifestação da torcida chilena e pq colocaram algum microfone no meio da mesma (coisa de PIG)

  • Meu senhor, acho que expliquei para meus amigos do Face umas duas dúzias de vezes nos últimos 3 meses o que é o Bolsa - para um deles, 3 VEZES. Com certeza um reacionário, leitor de carteirinha de Olavo de Carvalho, entende perfeitamente que aquela aposentadoria que o Governo dá para ele vai ficar 4 ou 5 vezes mais cara do que a contribuição que ele fez ao longo da vida profissional, mas seu cérebro adestrado pelo que de pior há em materia de ideologia se recusa a aceitar que uma mãe solteira receba para manter seus filhos na escola. Como disse o Fernando citando SPP, não acredito em egoistas que se dizem patriotas.

  • Eram contra a Copa, mas depois que o povo deu um olé nas manipulações da mídia e passou a torcer com entusiasmo pela Seleção, os políticos da oposição trocaram de time. Guardaram a bandeira do "não vai ter copa" e passaram a postar fotos na internet exibindo-se como fanáticos torcedores do Brasil:
    "Os presidenciáveis Eduardo Campos e Marina Silva (PSB), por exemplo, divulgaram foto assistindo a partida juntos em Brasília, após a convenção partidária que homologou oficialmente a candidatura deles à Presidência da República...Aécio Neves (PSDB), por sua vez, divulgou foto no Facebook assistindo ao jogo dramático no saguão do aeroporto Santos Dummont, no Rio de Janeiro, voltando de viagem partidária durante o sábado. Em todas as partidas da seleção até aqui Aécio tem postado imagens torcendo pela Seleção com partidários, amigos e parentes...O deputado federal Jean Wyllys, do PSOL-RJ – aquela mesma sigla que liderou os protestos de #nãovaitercopa, postou foto no Facebook dizendo que prefere torcer pelo Brasil sozinho, sem muita gente e na própria casa. Ele foi clicado por amigos e familiares em posição de reza pelo goleiro Júlio César, que defendeu duas cobranças de pênaltis na partida contra o Chile e foi o herói do jogo.
    http://terramagazine.terra.com.br/blogterramagazine/blog/2014/06/29/depois-das-criticas-candidatos-tentam-colher-dividendos-eleitorais-com-a-copa/

  • Prezado jornalista Fernando Brito, noto que VSa. tem a tendencia a chamar de elite a classe dominante brasileita. Tomei a liberdade de transcrever um trecho do estudo referenciado abaixo. Tendo em vista o exposto parece mais razoável chamar essa "elite" nativa de classe dominante que é um conceito bem mais arcaico e mais próximo da mentalidade dela.
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    Escolarização das classes dominantes
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    Comissão Editorial Sociologias, Antonio David Cattani, Francisco dos Santos Kieling
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    Resumo
    Após indicar a inadequação do termo elite ou burguesia para designar os detentores de grandes fortunas, este artigo sustenta que as classes dominantes se constroem continuamente e se mobilizam de todas as formas para assegurar sua reprodução ampliada, sua existência cotidiana com vistas à preservação e à transmissão das posições dominantes para seus descendentes. A formação ideológica na família e o período de formação nas instituições escolares são parte importantes do processo de construção de classe.
    ( http://seer.ufrgs.br/sociologias/article/view/5653 )

  • É possível, então, dizer que o Chile só fez o gol de empate pq a bola não bateu na trave? Ou, pq não foi para fora?

  • Dilma, mais do que nunca deve ir sim, entregar a Taça ao Campeão, seja lá quem for, no dia 13/7. Caso hajam manifestações, que ela fique calada e espere até que possa falar. Caso, no meio do discurso hajam manifestações, ela repita a conduta. Não acho que deva fazer um discurso atacando essas pessoas ou meios de comunicação. Deve fazer um discurso normal de entrega, pois o povo Brasileiro como um todo saberá distinguir a deselegância destes poucos mal-educados. Será mais um tiro no pé que estarão dando. Seja em nome de quem que estiver por traz disto.

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