Há mais de 40 anos, o folheto da pela Gota D’Água, escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes sobre uma adaptação do clássico Medéia, imaginada por Oduvaldo Viana Filho, tinha o formato de um jornal tablóide, destas edições populares, com a manchete “Prostituição é mal social que picareta não derruba”, referência à demolição, à força, da Vila Mimosa, miserável zona do meretrício do centro do Rio, onde fica hoje o prédio da Prefeitura da Cidade, por isso até hoje conhecido como “Piranhão”.
A memória do guri de 18 anos me vem ao ver o padre Júlio Lancelotti, de marreta à mão, ajudando a arrancar as pedras mandadas botar (e depois, pela repercussão, também mandadas tirar) pela Prefeitura de São Paulo sob o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, no bairro do Tatuapé.
No meio de uma crise sem paralelo, findo o auxílio que ainda mitigava um pouco as cenas de nossas ruas juncadas de corpos sem casas, com a fome devastando milhares de famílias onde não há, “democraticamente”, emprego para pais, mães, filhos , é preciso ser muito mau para espalhar pedregulhos nos poucos lugares em que estes almas penadas da vida possam se abrigar do temporais ou dormir, como lhes seja possível, sobre papelões e trapos.
É isso, então, a “gestão”, a “governança”?
O senhor Bruno Covas reagiu à críticas que recebeu por vir ao Rio, numa “boca livre” assistir à decisão da Taça Libertadores, com o filho. Ok, mas será que não lhe passa pela cabeça que, exatamente naquele dia, mães e pais não tinham sequer um lugar para encostar os ossos, seus e dos filhos, quase só o que têm hoje em seus corpos?
Covas diz que não é da sua política de “zeladoria”. Mas que diabos de zeladoria é essa se zela pelas calçadas e não zela pelas pessoas?
A fé do padre Lancelotti é daquelas que se ocupa menos de impor limites e regras e mais em prover respeito e atenção.
Não há pedregulhos que escondam a vergonha de que a cidade mais rica do Brasil, no Estado mais rico do Brasil, crie camas de faquir para o povo que já vive como faquir.