Fardas para Sísifo

Do grego Sísifo, rei de Corinto, nos ficou a expressão “Trabalho de Sísifo”, como o que os deuses o condenaram a fazer, como castigo, empurrando morro acima uma pedra redonda, a qual os deuses faziam, ao fim de cada dia, rolar abaixo e fazer, na manhã seguinte, retomar o trabalho inócuo.

A reportagem de capa de O Globo e a foto que, a seu lado, mostra militares re-removendo barricadas colocadas por criminosos não pode trazer outra lembrança que  não a de Sísifo, a qualquer pessoa que não esteja possuída pela ideologia do ódio, essa estupidez de sempre, e generalizada em nossos tempos.

Há mais de 20 anos, de tempos em tempos, apela-se para o mesmo e o resultado é o que sabemos.

É urgente, dizem. Do jeito que está não pode continuar, repetem. É preciso fazer alguma coisa, sem que o “alguma coisa” seja diferente de desfilar, inutilmente, blindados e canhões diante dos morros.

Os governos conseguiram banalizar as Forças Armadas e, infelizmente, a inteligência da corporação não se dá conta,  integralmente, que se as envia a uma batalha perdida.

Ontem, numa das áreas ainda tranquilas da cidade, a Praça São Salvador, em Laranjeiras, dois homens foram mortos em consequência de um assalto. Foi outro – e mais um – dos episódios que vão minando o respeito pela capacidade das Forças Armadas e sobre os quais que não têm não tem efeito as ações espalhafatosas, os fichamentos de favelas ou as barricadas removidas, como a pedra de Sísifo, para voltarem no dia seguinte.

Mesmo na questão do tráfico, as notícias se sucedem a mostrar que um dúzia de investigadores apreende mais drogas de que dois ou três mil homens espalhados numa loteria em meio aos pobres, humilhando mil para deter um.

Na terceira semana da intervenção federal, quem se dispuser a ouvir os cariocas nas ruas verá que a sensação de alívio – que já não foi unânime nos primeiros dias – vai se transformando num ceticismo generalizado.

Sísifo empurra a pedra teimosa porque isso era uma maldição do Olimpo sobre ele. Aqui, os sísifos fardados apenas servem de massa de manobra para o Olimpo do poder e do dinheiro.

Fernando Brito:

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  • Os milicos entraram numa furada danada.Sensação de segurança,ou falta dela,não mudou droga nenhuma.Vagabundo não tá nem aí pra esses soldadinhos de chumbo.Mais do mesmo!

  • Quando voltará a razão? Quando o país buscará igualdade, respeito, solidariedade? Será que não verei aquele país com o qual sonhei e pelo qual arrisquei minha juventude na mira de metralhadoras de milicos sádicos?

  • O exército faria melhor trabalho se fiscalizasse as rotas de entrada de drogas no país: fronteira, aeroportos e portos. E o traficante que introduz a droga no Brasil mora no Leblon, Ipanema, Copacabana, Jardins, Morumbi... ou seja, ele não mora na favela. Estão dando tiro de canhão em borboleta.

    • Estão enxugando gelo. Cada traficante mirim, no final da linha de distribuição, que é preso ou morto, é imediatamente substituído por outro vagabundo, marginal ou, mais provavelmente, desempregado desesperado para arrumar dinheiro para por comida na mesa.
      Se quisessem mesmo acabar com o tráfico, atiravam na cabeça e não no pé. Só que não...

  • Quem montou a agenda do Lula não sabe o que ocorre no TRF-4? Não lê jornal ou estava no interior da Amazônia sem acesso a internet? Já viram as datas em que vai ter sessão na Câmara do Gebran? Dias 14 e 21, já pautadas. O Gebran vai colocar o processo em julgamento sem precisar pautar. Chama-se colocar o processo em mesa. Ou seja, vocês vão facilitar o trabalho dos fascistas na prisão do Lula apresentando-o na porta do Moro.
    Aí não tem como resistir mesmo que pacificamente né?

  • O Brasil descoberto em 1500 por Cabral ainda é um país subdesenvolvido, apesar de ser uma terra exuberante. A Austrália colonizada a partir 1788 por tanto a 230 anos atrás se tornou a muitas décadas um país de primeiro mundo. O mesmo se pode dizer da Nova Zelândia. Os apenados que os Ingleses para lá remetiam para pagar pena, em 7 anos, tinham suas setenças perdoada e recebiam Terras para Cultivar. Aqui quem trabalhou foi o Negro escravizado, que nunca recebeu nada. Esse é um país de Senhores dominantes que são selvagens, ignorantes, escravocrata, patrimonialistas, que se adonam das propriedades do estado para si, e exploram o restante da população, por isso o Brasil está nessa situação e o governo que ora se instalou por golpe é um exemplo do que é de degradado essa "elite" brasileira que nos levou a ser um país de miseráveis.

    • Não podemos nos comparar com países da Europa, pra lá forma a casta, os pedradores vieram para o hemisfério sul.
      Tudo que não prestava se refugiaram por aqui, por isso somos o que somos.
      Os verdadeiros brasileiros são os escravos dessa gente.

  • Empurram a Pedra...mas a Pedra escorrega no Pó ou na outra Pedra mais Tóxica e volta Ladeira $ocial abaixo ...As Pedras no caminho para o Leblon, pavimentam ruas emPÓeiradas, onde é Chique deixar as Pegadas $ugadas nas entradas dos salões requintados !!!

  • Mas nessas horas a gente torce para o despertar seja tardio.

    Ao ficar claro que a manobra eleitoreira não vai funcionar, as eleições passam a correr sérios riscos.

  • Muito apropriada para diferentes situações essa expressão, para mim até então desconhecida, "trabalho de Sísifo".
    Uma versão "light", porém igualmente inócua, para esse tipo de trabalho é enxugar gelo.
    Quanto ao subemprego dos jovens, meio caminho andado para a marginalidade.
    E os bolsonaros da vida, bem como os simpatizantes de regimes militares, ao invés de perceberem isso, acham que a solução para a violência é uma polícia ainda mais violenta com os pobres, cuja maioria é "vagabundo" e até marginal por absoluta falta de emprego e não por opção.

  • Ainda sou da opinião que o Exército foi chamado para dar proteção à Globo, no dia em que prenderem o Lula.

  • Caro Fernando,
    Nem sempre eu concordo com as suas abordagens e conclusões, mas, reconheço substância e propriedade em todas.
    É assombroso ver alguém escrever centenas de matérias e artigos por ano com impecável qualidade jornalística.
    Receba minhas congratulações, acompanhadas de profundo respeito e admiração.

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