Fora de controle. Por Gustavo Conde

 

De Gustavo Conde, no 247.

Essa greve dos caminhoneiros já entra para a história como a mais onerosa para o país. Nunca uma greve custou tanto em tão pouco tempo. E isso é fácil de explicar: um governo amador que mal consegue fazer a gestão básica dos modais públicos do país, não conseguiria mesmo administrar uma crise de verdade, com os agentes que escapam ao núcleo das chantagens comezinhas de Brasília.

As imagens de milhões de litros de leite sendo derramados por falta de transporte são muito fortes. Esse tipo de representação visual entra com muita força no imaginário popular. A primeira criatura a perceber isso atende pelo nome de Rede Globo. Ela sabe que a situação escapou ao controle e corre para obter o domínio simbólico deste princípio de catarse social.

Este é o negócio principal da Rede Globo. Não é novela, não é futebol, não é reality show: é a posse da narrativa simbólica que organiza a vida social do país. Imagens adicionais chocantes como filas quilométricas de carros para abastecimento, supermercados vazios e racionados, caos no trânsito, desabastecimento generalizado, são a matéria-prima de um jornalismo que produz muita receita pressionando e protegendo governos, num morde-e-assopra visceral e chantagista.

O problema é que esse volume de imagens não é mais exclusividade desta ‘senhora’ de 55 anos que domina a receita publicitária no país. Elas ganham as redes e seguem um curso no limite do imponderável. A Globo, no mínimo, tem que lutar mais por essa propriedade visual.

Noves fora, a greve de caminhoneiros é um produto sensacional. Fosse no governo Dilma, já teríamos um milhão de manifestoches invadindo a Avenida Paulista com suas selfies insuportáveis ao ao lado de policiais, caminhoneiros e frentistas de postos de gasolina.

‘Pena’ que o governo de agora é o governo Temer. Com Temer, a Globo não sabe muito bem como proceder. Criminosos, em geral, se respeitam. A rigor, a Globo está acumulando energia para as eleições. Sabe que o candidato ideal ainda não apareceu e teme que ele não apareça nunca.

Mas o mais interessante dessa história toda é que o mercado entendeu o nível de submundo intelectual que habita o governo que ele patrocina com docilidade e esmero. Sem meias palavras: investidores ficaram de queixo caído com a desorganização do governo na gestão da política de preços da Petrobras, estopim evidente da greve.

Quando o investidor fica desconfiado, parceiro, é melhor pegar o banquinho e cair fora. Ainda mais em um governo que depende do investidor como o cachorrinho feliz depende do rabo. Eles estão chocados com a incompetência do governo. O valor dos prejuízos que essa greve imporá ao sistema é de difícil precisão. Mas é da ordem de um dígito gordo do PIB e isso já é consenso.

A paralisação de produção de veículos é o termômetro da catástrofe. Não tenho memória de um anúncio desse tipo, nem no regime militar, nem no governo Sarney, nem no desastroso segundo mandato de FHC, a referência histórica mais recente de catástrofe gerencial.

Os investidores usaram uma palavra forte para a situação política do governo Temer: esfacelamento. Quando palavras assim aparecem de maneira espontânea, é porque realmente a realidade tomou um novo e desconhecido rumo.

A essa altura, o mercado, que pode ser tudo nesse mundo mas não é bobo, já deve estar fazendo contas. Deve estar lembrando de como Lula gerenciava crises desse tipo: com muita conversa e muita lábia – e relativa transparência.

Esse sentimento – do mercado – é muito perigoso para o golpe. E entendo que seja esse o cálculo que Lula faz e ninguém entende: mais cedo ou mais tarde, os investidores irão querer alguém com cérebro de volta ao poder.

Essa agenda de desinvestimento – que nome horrível –, de venda de ativos, de política suicida de preços é algo que corrói o próprio sistema por dentro. O mercado, por assim dizer e num espasmo de lucidez relativa, vai entendendo que sem um governo forte, a movimentação do capital não acontece.

É meio paradoxal, mas o mercado é como o inconsciente: não tem vínculos morais com absolutamente nada, muito menos com princípios teóricos do neoliberalismo. O mercado quer dinheiro em movimento, fenômeno sem o qual não existe o lucro nem o acúmulo desse lucro.

Uma greve de caminhoneiros no Brasil tem a representação perfeita para esse dilema: é o transporte de riquezas que ficou estancado e em meros cinco dias arrasou a economia do país, com prejuízos incalculáveis.

Afora as coincidências terríveis (o nome do líder dos caminhoneiros é Dilmar, um piloto de Fórmula Truck) e as improvisações grotescas, essa greve marca o momento mais dramático do governo Temer. Nem o escândalo da JBS gerou tanta tensão e tanta insegurança na cúpula golpista Temer-Padilha-Moreira.

A performance de Pedro Parente, Rodrigo Maia, Eduardo Guardia e demais agentes da subserviência confusa também mereceu o prêmio Framboesa de Ouro. Poucas vezes vi um governo bater tanta cabeça – nem nos ‘áureos’ tempos de FHC.

O desfecho desse capítulo do golpe ainda não está definido. O problema central é que o movimento grevista não tem um líder. A palavra dos negociadores do movimento vale tanto quanto a palavra do governo: nada. Isso deixa a conjuntura relegada a uma deriva inédita: de completamente imprevisível, o cenário passou a ser completamente inacreditável.

Fernando Brito:

View Comments (31)

  • O movimento grevista não tem um líder, mais ou menos como as "jornadas de junho". Líder existe, mas ele não pode mostrar a cara e nem abrir a boca. O forte sotaque inglês o denunciaria.

    • "Se por um lado não há sinal de movimentos sociais, por outro são fortes os indícios de apoio ao pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro e palavras de ordem de “Intervenção Já”. Citando a reivindicações econômicas da classe, Habacuque afirmou que a força do movimento está em “não ser político”. Ele mesmo, porém, já foi candidato a deputado federal em 2014, pelo PSL, o mesmo partido de Bolsonaro, e não esconde o apreço pelo pré-candidato. “Sabe que todo caminhoneiro vota no Bolsonaro, né?”, disse. “É porque o plano dele para nossa classe é claro. Ele vai nos valorizar e cuidar da segurança.” E onde está esse plano? Segundo o líder do bloqueio em Barueri, o responsável por essa parte do programa de governo de Bolsonaro é o empresário Emílio Dalçóquio, dono de uma transportadora em Santa Catarina com frota de 600 caminhões, e que apoia publicamente o movimento e a candidatura do militar reformado. Procurado, o empresário não atendeu ao pedido de entrevistas até a publicação desta reportagem..."
      Veja mais em:
      http://piaui.folha.uol.com.br/falta-combinar-no-whatsapp/

      • Se assim for tomara que o exército entre de sola. Aí eles sentirão o gosto do que tanto pedem...Infelizmente acho que o exército não vai querer este ônus.

        • Rachel, vi em vídeo no WhatsApp, da força militar chegando nas estradas ocupadas, se depara com alguns com camisa da CBF com faixas pedindo intervenção, e não agem. Infelizmente, o que poderia ser um movimento legítimo, está virando político, com politicagem. E os eleitores de Bolsonaro, incutindo isso na cabeça dos caminhoneiros.

    • Também acho que tem uma ação externa estilo 2013. Estimula a população a extravasar, depois, paulatinamente canaliza a raiva em uma direção, com uma solução simplista e ilusória.

  • Paneleiros midiotas nos colocaram nesse caos, coxinhada pobre de direita são os novos índios da velha colônia de exploração. Banda podre da midia sempre trouxe desgraça pro brasil, a rede globo é uma boa referencia pro país, tudo que a emissora disser o brasil deve fazer o contrário. Eles estão apenas defendendo o interesse dos seus anunciantes banqueiros, rentistas e parceiros de evasão de divisas.

  • O mercado sabe que o governo Temer acabou. Resta saber qual o tamanho do buraco no PIB, que é o que importa mesmo aos agentes econômicos. Lula é a solução para o caos, como foi com sua eleição em 2002. Quem não se lembra daquela crise terrível?

    • Se estão projetando um ponto a menos, ou seja, de 2,5% para 1,5% de crescimento do PIB, é porque certamente será pior do que isso. O PIB de 2,5%, aliás, já era insustentável antes da greve.

  • Não vejo por este ângulo a paralisação dos caminhoneiros. Trata-se de um segmento heterogêneo, inclusive
    no espectro político-partidário. O que toca esse movimento é a indignação com a elevação brusca dos combustíveis, que começa a pesar no bolso. Se continuar essa política de preço, como pensa Pedro Parente, generalizará o caos no Brasil. Até nós consumidores individuais, proprietários de carro, já chiamos com o peso da gasolina no orçamento, imagine os que vivem do setor. São milhares
    de caminhoneiros individuais e centenas de empresários. Grande diversidade. O grande problema que se coloca é a venda da Petrobrás, como pretendida. Pedro Parente representa as grandes petroleiras e recebeu carta branca para isso. Por essa razão não quer largar o osso. Esta é mais uma grande fissura do golpe de 2016. Os burros estão dando n’água. Nossa política energética estratégica está sendo destruída pelo consórcio golpista e interesses estrangeiros. É preciso salvar a Petrobrás, tirá-la das mãos dos acionistas externos, resgatando essas ações num futuro próximo. É por essa razão que Temer não tira Pedro Parente.
    Prefere isentar caminhoneiros de impostos para garantir o pagamento de dividendos a investidores americanos, vender nossas refinarias para ampliar cada vez mais nossa dependência e sacrificar Estados e Municípios. E o povo que se dane.Exijamos a queda de Pedro Parente de imediato! Apoiemos os caminhoneiros!

    • Só que a militância dos bolsonaristas, tem trabalhado muito bem, sobre a intervenção militar. Virou politicagem dos eleitores de Bolsonaro, e o próprio, está gostando.

  • Discordo da matéria. O golpe só será completo com a criação do caos e a queda de Temer. Será quando não teremos eleições. Esse é o motivo do apoio de Temer aos caminhoneiros. Se o governo Temer fosse contra a paralização aplicaria multas e tudo acabaria em apenas um dia.

  • O autor mostrou a solução lógica. Uma cabeça pensante e um líder habilidoso é o mínimo para governar um país como o Brasil e o nome é LULA!

    • Na minha faixa etária, estudante universitária que fui na época da ditadura militar, a atual situação dá muita angústia. É andar para trás a passos largos e ver a redemocratização ir para o brejo.

    • Um pouco , não, muita angustia, tristeza, desalento. O que me tirou e tira da cama todos os dias para lutar é ter uma neta de 14 anos. E por extensão, todos os outros brasileiros cujo futuro a malta no poder está mandando pelo ralo.

  • Vai ter golpe militar. Escutem o que estou dizendo. Lula liderando as pesquisas e o país parado, com os caminhoneiros pedindo pelos militares. Se não resolver logo logo, até terça feira, no mais tardar quarta, digam olá para os milicos no poder. Adeus eleições 2018.

    • A gente tem ouvido falar que no mundo ocidental de hoje, golpes militares contra a democracia não seriam tolerados pelas potências.

      O fato é que a América do Sul ainda tem algumas "pedras nos sapatos" dessa turma, como o Maduro.

      Se o judiciário golpista não tem o poder da força para manter uma democracia de fachada e barrar o caos que essa greve/locaute está gerando, pode ser que o Trump aceite fazer uma "concessãozinha" à implantação de um regime militar.

      • Duvido. Saiu de moda definitivamente. E fica muito caro porque exige uma super estrutura. Mais provável aprofundarem o financiamento ao golpe judiciário. O Barroso está louco pra aumentar sua mesada do tio Sam, direta ou indiretamente. Boa parte do STF, sinceramente, é só uma questão de preço.

        • Para botar um fantoche no poder com a ajuda do judiciário e num ambiente de paz, realmente dá para se fazer com dinheiro de "troco de pinga" - para os padrões de uma potência.

          Referia-me especificamente ao que se passa hoje no Brasil com uma paralisação dessa monta - cuja continuidade pode levar a consequências severas para os interesses estrangeiros nos negócios (sejam honestos ou da rapinagem), sem falar na clássica violência e tensão social possíveis decorrentes desse processo que está virando o país de cabeça para baixo. E com todo respeito a Honduras e Paraguai, a nossa terra é muito mais rica e com mercado muito maior.

          Não vai ser uma Montblanc nas mãos de um juizeco de bosta que vai enfrentar isso.

        • Acho que o militar no poder é o plano C. O apoio popular para isso está crescendo entre os órfãos de Aécio (pois perderao a eleição de novo, se houver). Não conseguiram viabilizar um representante deles pela via democratica, como na Argentina. O plano B é o parlamentarismo ou eleições indiretas (comprar deputado é fácil, vide Eduardo Cunha, Joeslei, odebresh...). A globo não conseguiu criar um candidato democratico, mas ta minando a democracia e colocando os militares como os salvadores da patria no imaginario popular. O brasileiro não tem leitura lógica para ver nem 5 minutos no futuro. Os militares no poder vão exterminar os pobres de favela (vagabundos no dicionario militar) e levar esmola pro nordestino (para ficarem por lá), como um socialite descendente do Brasil colônia.

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