A jornalista Helena Chagas faz hoje, n’Os Divergentes, o que, infelizmente, só a mídia independente tem feito: chamar a atenção para a evidente formação de uma milícia bolsonarista, fortemente armada, para servir-lhe de força bélica diante de uma provável vitória eleitoral. O Exército, neste caso, seria dispensado de agir num primeiro momento e teria, em seguida, apenas de entrar como “moderador” de algo em que não deve haver moderação: o respeito às urnas.
Um “Capitólio tupiniquim” mas, neste caso, com baixo empenho de reação das forças de segurança, se é que haveria alguém para chamá-las e alguém para atender ao chamado.
Não estamos falando em meia-dúzia de alucinados de chapéus de búfalo, mas de mais de meio milhão de pessoas armadas pelo país: “São 600 mil CACs no Brasil”, vangloriou-se ele, há dois dias, no cercadinho do Palácio da Alvorada.
Bolsonaro está armando milícias eleitorais
Helena Chagas, n‘Os Divergentes
O projeto de lei que os bolsonaristas estão pressionando para aprovar no Senado permitindo aos colecionadores de armas portá-las nas ruas – mesmo que sejam escopetas – e a medida provisória anunciada pelo ministro da Justiça para dar anistia aos proprietários de armas ilegais não se destinam apenas a dar mais um agrado ao eleitorado brucutu de Jair Bolsonaro. Fazem parte de uma estratégia maior do presidente da República para tumultuar as eleições de 2 de outubro.
O próprio Bolsonaro, fazendo pela enésima vez algo que um chefe da nação nunca deveria fazer, foi a um stand de tiro no último fim de semana para espalhar imagens em que portava uma arma e atirava – seu desempenho não foi tão eficiente assim, mas o exemplo nefasto chegou aonde ele queria. Ainda fez o assunto render respondendo a um internauta que notou sua fraca performance dizendo que o acertaria fácil porque é “gordinho”.
Bolsonaro sempre defendeu e agiu revoltantemente a favor do armamento da população. A violência aumentou a olhos vistos, multiplicando os assassinatos por armas de fogo, as mortes por balas perdidas, episódios lamentáveis como o do sujeito que acordou, atirou e matou um vizinho em seu portão porque o confundiu com um ladrão. Só isso já torna criminosa a atitude do governo que estimulou o armamento.
Mas vem coisa pior. Vai ficando claro, há tempos, que Jair Bolsonaro, forte candidato à derrota na reeleição, terá o tumulto como estratégia. Na campanha, no dia da eleição, no dia seguinte, recusando-se a reconhecer os resultados. Percebeu, porém, que não terá as instituições a seu lado.
As Forças Armadas, embora não gostem de Lula, vêm dando seguidos sinais de apoio à legalidade democrática. O Judiciário, STF à frente, também vem dizendo repetidamente que não aceita golpes.
O TSE chamou um ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo, para dirigir os trabalhos, com a autoridade e a liderança de alguém que poderá acionar os militares para garantir a lei e a ordem na eleição. Os políticos aliados do Centrão também não vão entrar na reação golpista – até porque, pelo que se conhece de sua natureza, muitos já terão pulado para o barco de Lula a essa altura.
Diante desse isolamento, Bolsonaro está tentando formar sua própria milícia armada. Não se contenta apenas com as milícias digitais que o ajudaram a vencer em 2018 com todo o tipo de trapaça e fake news. Quer ter seu próprio exército na rua, agredindo, ameaçando e tumultuando, na tentativa de provocar uma convulsão social que sirva de pretexto a medidas de força.
A lógica indica que não passará. Mas as instituições precisam se antecipar e coibir medidas e projetos que Bolsonaro tenta, à luz do dia, empurrar goela abaixo da sociedade.