A colunista social Hildegard Angel andou, com toda razão, levando uma chuva de críticas por ter sugerido mudar o itinerário dos ônibus e, se necessário, até cobrar ingresso nas praias do Rio para evitar que “hordas e hordas de jovens assaltantes e arruaceiros” invadam a orla.
Menos mal que “cansada de levar pedrada”, ela retirou o texto de seu blog.
Melhor faria se tivesse se retratado do que ela própria chamou, ao escrever, de medidas ” antipáticas e discriminatórias”.
Mas é assim mesmo, todo mundo está sujeito a dizer besteiras num momento de irritação.
O problema, e não é só dela, é que algumas pessoas se acham com mais direito que os demais a algo que não pertence a ninguém: a praia.
E que, se pertencesse, nestes dias de calor de Saara no Rio de Janeiro, justificaria uma revolução.
Esta é uma história que vem de longe e que vivi de perto.
Até 1984, só uma linha de ônibus passava pelo Túnel Rebouças. uma obra caríssima projetada e iniciada por Carlos Lacerda e terminada por Negrão de Lima, em 1967.
Era o raríssimo 473, Penha-Jardim de Alá(embora seu ponto final fosse no final do Leblon).
Havia outros ônibus ligando a Zona Norte à Zona Sul, mas pelo Flamengo e alguns pelo Túnel Santa Bárbara, entre eles o 456, ou quatro-cinco- méier, porque era do subúrbio do Méier que ele partia e era assim que eu e outros adolescentes o chamávamos, inclusive alguns que se aventuravam a carregar dentro dele uma prancha de surfe, com a qual andavam até perto do Pier de Ipanema.
Pois o Brizola, inconformado que o túnel, construído com o dinheiro de todos, só servisse, quase, aos que tinham carro (e carro era quatro ou cinco vezes mais raro que hoje, naquele tempo), mandou a Companhia de Transportes Coletivos do Estado criar três linhas: a 460, 461 e 462, saindo da estação de trem de São Cristóvão e chegando a Ipanema, Copacabana e Leblon.
Um trajeto, se tanto, de meia hora, metade do que levava por outras vias.
Foi o que bastou para, insuflada pelo Jornal do Brasil – O Globo ainda era um jornal algo chulé – começasse uma campanha de ataques ao povão que chegava, calorento, esbaforido e alegra à praia.
Joaquim Ferreira dos Santos traduziu este sentimento em uma antológica crônica, no mesmo jornal – que maravilha era o velho “Caderno B” – da qual mostro as primeiras linhas e o espírito, recomendando que seja lida aqui:
“Ipanema, essa senhora cada vez mais gorda e poluída, reclama de novas estrias e dentes cariados em seu corpanzil: agora é culpa dos ônibus Padron, a linha 461 que, há um mês, está trazendo suburbanos para seu “paraíso”, numa viagem de apenas 20 minutos, via Rebouças. É o que dizem seus moradores, inconformados. Ouçam só:
– Que gente feia, hein?! (Ronald Mocdes, artista plástico, morador da Garcia D`Ávila, bem em frente ao ponto do ônibus).
– No outro dia eu saí da loja com um vestido comprido, alinhado, e você precisava ver o que aconteceu. Me chamavam de urubu, um horror. (Débora Palmério Fraga, gerente da Gregorio Faganello).
– É chocante dizer, mas eles estão desacostumados com os costumes do bairro. Nem vou mais à praia aqui. É farofeiro para tudo quanto é lado, olhando a gente de um modo estranho. Ficam passando aquele bronzeador. A sensação é de que eles estão invadindo o nosso espaço. (Maria Luiza Nunes dos Santos, ex-freqüentadora da praia da Garcia D`Ávila e que agora só vai ao Pepino).”
Não foi o pior do JB, legítimo porta-voz da Zona Sul carioca e sua biodiversidade.
Meses depois, o jornal se superaria, com um editorial em que dizia estar Brizola asfaltando os acessos dos morros do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, para que os assaltantes tivessem mais facilidade em subir de volta à favela depois de, digamos, fazerem seus “ganhos”.
É curioso que o túnel da discórdia, que proibia e depois proporcionou, para horror da elite, o acesso dos pobres e pretos “feios” à praia chama-se Rebouças, em homenagem aos irmãos André e Antônio Rebouças, negros baianos que se tornaram engenheiros pelo único caminho que permitia ascensão dos pobres durante o século XIX e boa parte do XX, o Exército Brasileiro.
Um dia, talvez, as pessoas da elite brasileira entendam que a única maneira de “acabar com os pobres” não é lhes por grades, mas fazerem ascender, educarem-se e serem diferentes do que eram seus próprios bisavós ou trisavós: brutos, grosseiros, toscos e brancos.
E que alguém criado nesta sociedade não fique chocado, como eu fiquei, com a feiúra e a miséria das crianças de uma favela (que eles chamam “vila”) gaúcha em que passei, de jipe, nos arredores de Uruguaiana, com Brizola em 1989, perseguido por uma “horda” andrajosa de guris que chapinhavam na lama.
Todos eles louros e de cabelinhos claros, uma cena incompreensível para um carioca que achava que a pobreza era negra ou mulata.
Viva a diversidade humana! Viva a tolerância!
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Fernando, em Salvador aconteceu a mesma coisa quando fizeram uma via expressa do Bairro de Brotas, de classe média baixa, para a Pituba quer na época era classe média alta..até os comentários eram os mesmos, a ideologia da Casa Grande é uma só..a grande Hilde pisou na bola dessa vez..
O folhão deste fim de semana está recheado deste assunto aqui em sampa.
Fernando, se você acha que o comentário da Hildegard foi ruim, precisa ver esse de uma colunista do Globo chamada Silvia Pilz. Certamente será aplaudida de pé pelos neonazistas tupiniquins....
http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/166450/Colunista-do-Globo-revela-seu-nojo-contra-pobres.htm
Que porcaria é essa Silvia Pilz...parece mentiraaaaa essa matéria! Na verdade eu gostaria muito que fosee!
se depender dessa elite desgraçada , sem vergonha , sangue suga, exploradora e tudo mais. nos seres humanos que nao pertençam a essa corja de esgoto , nos seriamos jogados numa vala de lixo e seriamos enterrado vivo. essa é a vontade desses nazistas de olhos azuis. isso é fichinha perto do que eles desejam para nos. eu ata a admirava , nao sei se é preconceito e ou ela foi infeliz no comentario. com o passar do tempo vai mostrar a cara com certeza.
É o aparthaid tupiniquim . O sonho dourado da casa-grande moderna: a senzala separada por muros enormes ( aliás teve um ex vice-governador do Rio de Janeiro que pensou em fazer um muro cercando a Rocinha :
Luiz Paulo Conde ).
Paulo Francis era outro que se batia pela retirada dos ônibus que traziam pessoas do subúrbio para a praia.
Odiava-os.
Aqui em Sampa existem bairros de classe média alta em que os ônibus só circulam no entorno. A uma distância segura para que as domésticas tenham acesso ao bairro e nada mais. Houve mesmo um movimento para que os moradores pudessem fechar as ruas com guaritas e cancelas.
Tudo bem, mas para além das platitudes esquerdistas, qual a solução que o blogueiro aponta para o problema dos constantes arrastões que acontecem nas praias nos fins de semanas? Eu reformaria o Código Penal no sentido do aumento temporal das penas, progressão de regime mais demorada e redução da maioridade penal para 16 anos.
Além do exaustivo trabalho jornalístico, com pouco dinheiro entrando (dei minha mísera contribuição do mês, Brito), ainda quer que ele ache a solução pra todos os problemas?
Ponha a cabeça pra funcionar, Marola! Vamos ajudar pensando também!
Marola, quem sabe em vez de somente pensar em penas maiores, não seria melhor pensarmos em mais escolas de tempo integral, mais escolas profissionalizantes, mais esporte na adolescência, mais bibliotecas???
Uma coisa não exclui a outra. No Brasil, alguém que cometa um assassinato, em 10 anos está livre. Quanto aos menores que promoveram os arrastões. vc pode ter certeza que no próximo fim de semana estarão lá de novo fazendo a mesma coisa.
Educação é uma excelente solução, mas de longo prazo, Gerson. E o fato de frequentar escola não impede o jovem carente de cometer pequenos ilícitos, incentivado pela "turma". A praia deve ser um espaço democrático e aberto a todos, mas o problema da insegurança pública causada por essas pequenas gangues também existe.
Eu ia dizer reduzir a desigualdade social, mas isso certamente deve estar incluído no que vc chama de platitudes esquerdistas. Então não digo.
Vc vai ficar por aí esperando Godot. A redução da desigualdade é objetivo de longo prazo e por si só não dá conta do problema do aumento da criminalidade. Como vc explica que apesar da elevação do padrão de vida das camadas mais pobres, as estatísticas continuam a apontar para o aumento dos indices de criminalidade?
Uma política de segurança pública que não pense somente em prender, extorquir e matar seria um bom começo. Reduzir idade penal, majorar penas e outras genialidades não parecem estar dando certo. Não é pra hoje? Não, não é. Mas tem que começar em algum dia. Que seja amanhã.
Mudar ou tentar mudar o "alvo" do assaltante é que não me parece fazer sentido. Se ele não puder ir à zona sul vai fazer o que? Roubar na favela mesmo? Aí pode?
desejo de consumo. Em uma sociedade capitalista é determinante que você TENHA para SER alguém. E é preciso que as pessoas saibam que você TEM para poder respeitá-lo. Ou então você será apenas mais um na multidão.
Sentimento esse que as novelas, os telejornais e outros programas nos impõe diuturnamente. A novela tem um papel importantíssimo na construção de um perfil humano a ser seguido.
Esse sentimento não acaba simplesmente com mais acesso à renda. Afinal, o que mais vemos é milionários e bilionários que querem cada vez mais milhões e bilhões. Ou pessoas que ascendem à classe média e tornam-se cada vez mais reacionárias, xenofóbicas, intolerantes... que defendem apenas a punição (do outro) para manter seu status intocável.
Esse sentimento só acaba com muito estudo. O problema é que a educação cada vez mais é direcionada a preencher um perfil de mercado. Reproduzir o sistema e não entender e questionar o sistema. Os governos petistas também seguiram essa cartilha. Por isso muitos que subiram das classes E e D para a C, tornaram-se reacionários de carteirinha e, inclusive, contrários à programas sociais.
Esse aprendizado se conquista nas disciplinas de Humanas. Nelas você passa a entender que, infelizmente, não são as pessoas que têm dinheiro, mas o dinheiro que tem as pessoas. Por isso muitos não veem problema em matar para preservar o seu patrimônio.
Muitos países ditos civilizados (bem mais desenvolvidos em questões humanas) já vem substituindo prisões por outras penas. Mas é preciso mudar a cabeça das pessoas. Todas elas... mostrar que é preciso ter amor ao público, à coletividade... ou seja, menos individualismo, menos egoísmo.
Infelizmente nós estamos caminhando para um caminho inverso. Achamos que corrupção é monopólio de quem está no governo. Achamos que não temos responsabilidade com a ética e com a preservação do patrimônio público. Achamos que apenas nossos interesses bastam. Danem-se os outros, desde que eu esteja bem...
Falta-nos um pouco mais de utopia...
Brilhante resposta, Ana Maria. Parabéns pelo bom senso! Coisa rara, infelizmente, na atualidade.Abraços!
A longo prazo, mais inclusão social e mais redução das desigualdades sociais, no curto prazo, que tal mais policiais à paisana na praia !? 'Pô, mas daí o mauricinho não vai poder fumar o seu baseadinho sossegado na praia' ... Que fume em casa, antes de ir para a praia, pô !! KKKKKKKKKKKKKKKKK ...
"O BRASIL PARA TODOS não passa na REDE GLOBO de SONEGAÇÃO & GOLPES - O que passa na REDE GLOBO de SONEGAÇÃO & GOLPES é um braZil-Zil-Zil para TOLOS"
Lá pelo meio do século XVIII, Cesare Beccaria já afirmava que a inibição do crime decorria da certeza da punição e não do rigor da pena. Você está longe das luzes do iluminismo. Mais do que direito penal, a vingança. Sua sugestão está mais para Mussolini do que para Beccaria.Ainda bem que você não pode reformar o código penal...
Sempre aquele velho cacoete de debatedor brasileiro de tentar dar peso a própria opinião citando um medalhão. Faça uma comparação entre as penas impostas no Brasil e as nos países desenvolvidos. O descompasso é brutal. E por último, poupe os leitores desse ar de auto-conferida superioridade moral ao tentar pespegar de forma caluniosa o rótulo de fascista a quem diverge da sua(?) maneira de pensar. Fica bem em inquisidor, não em alguém que se pretenda pautar por idéias humanistas.
Parece que o Marola não leu o texto! "O blogueiro", que é esclarecido, já deu uma parte da receita: "Um dia, talvez, as pessoas da elite brasileira entendam que a única maneira de “acabar com os pobres” não é lhes por grades, mas fazerem ascender, educarem-se e serem diferentes do que eram seus próprios bisavós ou trisavós: brutos, grosseiros, toscos e brancos." Precisa desenhar? Ou a platitude mental impede a compreensão de algo assim tão simples, mas que exige coragem e vontade de participar da mudança ao invés de discordar sem nada propor?
Olha Vander, também achei a idéia da Hilde pra lá de esdrúxula, votei no Brizola em todas as eleições em que êle concorreu aqui no Rio, apoio a ênfase na educação e faço votos que o Cid Gomes possa fazer um bom trabalho nessa área. Agora eu lhe pergunto, vc iria SEM SUSTO com sua família à o Posto 8 em Ipanema num domingão em que a praia estivesse lotada? Com todo o respeito, tenho minhas dúvidas. Se ficarmos esperando a melhora dos indicadores sociais de forma que a turba que promove os arrastões se eduque e tenha condições financeiras bastantes para abandonar esses comportamentos anti-sociais, vamos passar um tempão sem ir a praia.
Você deu a resposta mais lógica a seu próprio questionamento, Marola! Se os pobres precisam "esperar" pela melhora dos indicadores sociais para terem mais oportunidades de melhoria em sua qualidade de vida, então por que os mais abastados(classe média para cima) não podem ficar esses mesmo tempo sem ir à praia? Não vejo problema algum nisso. Abraços.
Fernando Brito, Parabéns!!! Vou reproduzir no jornal da Igreja!
Douglas Quina
Mogi Guaçu - SP.
Quem escreve o que quer, recebe pedrada de quem não quer.
Qual seria a próxima "ação" da Dona Hilde? cercar as praias?