Micos amestrados, por Luís Costa Pinto

Do sempre lúcido Luís Costa Pinto no Poder360 – que se tornou leitura indispensável – uma análise acachapante do comportamento da mídia brasileira diante da greve geral, com o obrigatório destaque àquilo que já se registrou aqui: a “pérola” da Folha ao chamar o capitão Augusto Sampaio de “homem trajado de policial militar”.

Um país conflagrado e mergulhado numa crise que já desemprega mais de 14 milhões parece que tem como causa de seus problemas mais graves algumas interdições de rua e meia dúzia de conflitos fabricados por  grupos obscuros ou pela própria polícia. Esta exacerba a brutalidade e avança com ganas sobre qualquer um, porque, como se viu no caso do capitão covarde e recalcado, porque da mídia e dos governos jamais lhe vêm nada sobre seus abusos que não sejam “sindicâncias” e “apurações com rigor” que nunca dão em nada.

Greve geral mostrou vergonhoso
momento da mídia tradicional brasileira

Luís Costa Pinto, no Poder 360

A greve geral da última 6ª feira (28.abr.2017), que paralisou parcela relevante e majoritária do país, aprofundou também o fosso que aparta a mídia tradicional brasileira do Brasil real. Veículos como a Rede Globo (TVs aberta e fechada, suas rádios, jornais e sites), TV Bandeirantes e sua rádio, jornais O Estado de S. Paulo, Correio Braziliense e muitos outros títulos regionais parecem habitar um bloco de gelo que já se separou do continente e navega num mar de rosas particular.

O bloco, transformado em iceberg, assiste de longe ao derretimento continental. Mas seus arautos áulicos preferem crer que o mar de rosas enxergado só por eles irá congelar e reconstruir caminhos capazes de lhes conduzir de volta ao meio de onde vieram, e onde haviam reinado. A Folha de S.Paulo, desesperada e na dúvida, segura-se com uma mão na beira do abismo formado entre o iceberg e a placa continental em chamas. Em razão disso, ainda é dentre eles o único veículo capaz de relatar com alguma fidelidade o que se passa na vida real.

No universo paralelo do iceberg que está a vagar por águas incandescentes não houve greve geral –houve “paralisações pontuais” e “protestos promovidos por centrais sindicais”. O entardecer da 6ª feira, que levou às ruas das principais metrópoles vigorosas manifestações de repúdio a uma agenda de reformas econômicas que carece de chancela popular, posto não ter emergido das urnas, foi o “encerramento com protestos de grupos violentos, entre eles black blocks”.

Em seu desespero e confusão mental produzida por quem parece estar mais atenta a ter tudo o que todos têm e menos à qualidade do que publica, sem saber se é uma foca destinada a se conservar placidamente na praia iceberguiana ou se é uma orca com gana predatória por notícia, a Folha de S.Paulo produziu a pérola destinada a sintetizar o vergonhoso momento da mídia tradicional brasileira: ante sequência irrefutável de imagens que mostravam um capitão da Polícia Militar de Goiás desferir violento golpe de cassetete contra a cabeça do estudante Mateus Ferreira da Silva, durante os protestos em Goiânia, descreveu o ato de violência desproporcional como tendo sido praticado por “um homem trajado de policial militar”.

A atitude do jornal foi tão covarde quanto a do capitão Augusto Sampaio de Oliveira Neto, subcomandante da 37ª Companhia da Polícia Militar de Goiás. Ele foi o agressor de Mateus, usou de força tão desproporcional que o porrete quebrou na cabeça do estudante. Mateus respira por aparelhos, corre risco de morte. O mau jornalismo que produziu o relato parcial do crime quase consumado contra o universitário goiano, contudo, é apenas a síntese parcial de um conjunto patético de veículos de comunicação que já não sabem refletir sobre o papel destinado a eles na sociedade. Dentre todos esses veículos os casos mais abrasivos de divergência entre o fato e a versão são protagonizados pelas TVs Globo e GloboNews e pela rádio CBN.

Na 5ª feira 27 de abril, como relatado aqui e em diversos outros espaços destinados a tentar flagrar uma crônica lógica do dia a dia político do Brasil, os veículos das Organizações Globo esconderam a greve convocada para a 6ª feira. Quando a greve eclodiu, com sucesso, na manhã do dia 28, os telejornais vespertinos pareciam surpresos e tentavam bancar o papel de guardiães do serviço público focando nos “transtornos” do movimento paredista à população e tratando a greve como “protestos de centrais sindicais”. Em momento algum houve foco naquilo em torno de que se protestava –as reformas trabalhista e da Previdência que tramitam no Congresso Nacional. Um mico.

Ao longo do dia, comentaristas amestrados desses canais, que nasceram para funcionar como elos entre a sociedade dispersa e as instituições do país e são concessão pública (devendo, portanto, observar um compromisso mínimo com a tradução de expectativas sociais e a mediação de conflitos de opinião), esforçaram-se por tentar explicar o que para eles –e só para eles– parecia inexplicável: por que existe quem seja contra reformas como aquelas ora propostas? O esforço, como todo o resto, era parcial. Não havia opiniões divergentes às deles sendo ouvidas e levadas em conta nos programas levados ao ar.

Para alguns é cômico, motivo de piada de mau gosto, flagrar a desfaçatez diária com a qual a notícia é maltratada nesses veículos. Há sempre um viés político por trás daquilo que se diz, ou daquilo sobre o que não se fala. Não é difícil perceber a seletividade dos temas abordados, a escolha precisa de qual frase de entrevistado encerra as passagens das “reportagens” –em geral, com a missão precisa de reafirmar a tese dominante dos controladores de opinião desses veículos. Mas é tudo muito trágico. Afinal, o telespectador médio brasileiro, habitante de um país de iletrados reais ou funcionais, só tem contato de fato com o cotidiano do Brasil por meio de veículos audiovisuais. Produz-se, portanto, uma massa bovina que segue o peão boiadeiro. As reses que ousam fugir do rebanho tornam-se, por conseguinte, desqualificadas e imprestáveis. O berrante segue guiando a massa para o matadouro, um ou outro mugido é ouvido, e aqueles que saíram do caminho são apartados para virar boi de piranha nas travessias mais arriscadas do charco.

As focas contemplativas que lagarteiam na praia gelada do iceberg da mídia tradicional brasileira falam apenas para dentro do universo paralelo em que vivem. Como o continente está em chamas, a luta travada nesse momento só tem 2 resultados possíveis: ou o calor dos fatos, de um país que arde por dentro, derrete o bloco à deriva no mar de rosas particular; ou o ar gelado da redoma construída pelas focas às custas de muitos micos arrefecerá as chamas e permitirá o reembarque deles num país só existente em seus imaginários panglossianos.

Fernando Brito:

View Comments (18)

  • MT só sai na marra! Vai se agarrar ao cargo . Quem manda é a mídia tradicional que está enchendo o rabo com a publicidade do dinheiro do contribuinte. Empurra goela abaixo e finge que está td ótimo.
    Quanto à "marra", está faltando a pilha dos sindicatos.
    Se não houver, vamos ficar só no chororô! A crise fabricada no RJ, já está servindo de exemplo .
    O maior erro do Lula foi avisar ao mundo que tinha trilhões em baixo do colchão ( pré-sal )

  • Genial!
    A metáfora da boiada e berrante é esplêndida.
    Fica, porém, um desafio; identificar os métodos utilizados com sucesso pela velha mídia, que transformam pessoas em boiada.

    • O incontestável jornalista, narrou com clareza absoluta, o que e, a mídia oficial que esta a serviço dos brasileiros que deveriam estarem hospedados na papuda e, o descaso com que tratam os problemas que afetam a comunidade brasileira. Sou de opinião, que os trabalhadores conscientes, sabendo diante mao, o que ocorre e, Porque. partir para um tratamento de choque contra essa peste, disfarçada de mídia. sem meias palavras!

  • Ora.Esse é o papel do JORNALISMO,na sociedade de classes,cuja hegemonia é dos BURGUESES.Todos eles,entendem que sobrevivem,das verbas colhidas com propagandas,seja lá do que for,que os burgueses mandam que façam . Esse é o papel da IMPRENSA,sob estas condições.Os poucos que não se ajustam à tais prerrogativas,são em número diminuto e de restrita repercussão.E o Estado,gerido majoritariamente pela classe que manda,também contribui,para fazer propaganda de si mesmo.Então,JORNALISMO ,IMPRENSA E LIBERDADE,SÃO ANTAGÔNICOS,POIS RETRATAM SEMPRE,A IDEOLOGIA DA CLASSE DOMINANTE.Quem quiser acabar com isso, que proponha REVOLUÇÃO.Fora dela,não existe saídas.Somente lamentações.

  • O instinto assassino, o ódio demonstrado por esta besta-fera chamada Augusto Sampaio de Oliveira Neto não tem similar nem entre os animais mais ferozes da terra. Infelizmente o Código de Honra entre ASSASSINOS FARDADOS o protegerá. Salvo raríssimas exceções, os "jornalistas" da Folha são cumplices desses bandidos fardados desde 1964.

  • Fiz comprido comentário à matéria,mas não publicaram.Por que ? Imagino que censura,não seja,e pela qualidade ,talvez,mas não sei.

  • A lógica dos atuais governantes é a seguinte: A escola não deve ter partido, os alunos devem ser dominados e dirigidos para dizer Amém politicos,. Vocês são a nossa cartilha. Os trabalhadores devem ter partido. O partido dos patrões. Todos deverão dizer: Façam como acharem melhor, só queremos baixar a cabeça, trabalhar e assinar em baixo. O judiciário deve ter partido Sim, o partido dos mais fortes. Os políticos devem ter partido Sim, o partido do toma lá dá ca. Nisso eles se valem de preceitos bíblicos "E dando que se recebe" e por fim a mídia deve ter partido Sim, o partido dos patrocinadores, dos grandes empresários e da Máfia que os sustenta. É assim que pensam os atuais dirigentes que golpearam o poder. É daí pra mais.

    • E o do binóculo aí ainda tem a cara de pau de afirmar ao mundo que o Brasil vive uma Democracia plena, assim?

  • A TV do evangélico vendedor de terrenos no céu ,também é sacana e MUITO SACANA.Os pilantras estão fazendo campanha contra a justiça do trabalho ,e em favor das medidas de desestímulo aos processos judiciais trabalho/capital propostas pela "deforma" das leis trabalhistas.Estes vagabundos mentirosos criticam em suas reportagens a "descabida e infame conduta" dos trabalhadores que processam os empresários.
    OS BANDIDOS DESLAVADAMENTE ASSUMEM, O PAPEL DE PROPAGANDA DO REGIME ,UMA MANIPULAÇÃO DESCARADA.
    Mas convenhamos,tão primária que só é absorvida pelos imbecis.
    Por que será que a TV d pastor parou de difundir o ESCÂNDALO DAS TELES?? POR QUE PASTOR BANDIDO?

    • HOCUS POCUS, claramente existe um Código de Honra Entre Bandidos e eles se protegem mutuamente. O GOLPE foi dado em função da extinção da CLT.

  • "...capitão Augusto Sampaio de “homem trajado de policial militar”.".
    Para um país que tem um verme trajado de presidente, está tudo certo.

  • O Estadão não perdoa o PT nem no dia do Trabalho. Acho que deveria respeitar, pelo menos no dia de hoje, o Partido dos Trabalhadores e a maioria dos cidadãos que de fato constroem este país e que por opção escolheram o PT como bandeira, justamente o partido que mais direitos conquistou para aqueles que o preferem. Portanto fica o protesto neste dia tão significativo para todos nós.

  • nao sei como nao derrubaram aquela antena ainda. tem q ser muito covarde.

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