Jorge Furtado: a Casa Grande não aceita a ideia de que cada brasileiro vale um voto

O cineasta Jorge Furtado, uma grande cabeça que pratica o “defeito intelectual” de filmar e falar para ser entendido, publicou ontem um ótimo artigo no blog da Casa de Cinema de Porto Alegre que é a encarnação da frase famosa de Alphonse Karr, editor do Le Figaro  na Paris do século 19:  plus ça change, plus c’est la même chose (quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas).

Furtado mata um pouco da frustração de vermos, neste momento, boa parte da intelectualidade e dos produtores de cultura artísticas estarem mudos diante da ofensiva neoconservadora, em si uma inimiga da criação, da fertilidade do pensamento e da vocação humanista do artista.

O pensamento humano é uma peça em contínua evolução e tudo que nos leva ou ameaça levar à selvageria é inimigo da inteligência.

E a inteligência que não defende o povo da qual se forma, o país no qual viceja, não é luz, é treva.

O golpe e os golpistas de sempre

Jorge Furtado

“Pode-se considerar normal, dentro do quadro de anormalidade em que se gerou, o desenvolvimento da crise que explodiu na Petrobrás. A CPI prossegue seus trabalhos de apuração do que verdadeiramente ocorre na área do monopólio estatal do petróleo. O que não se pode, em hipótese alguma, considerar normal é a revelação, surgida no depoimento de um dos diretores demitidos, de que a Petrobras se dedica a prática de superfaturamento do material que importa. Mais uma razão, pois, para que se leve a cabo uma devassa rigorosa, completa, imparcial e implacável dos negócios da Petrobras”. Folha de S. Paulo, 31 de janeiro de 1964. (1)
“O governo federal, que tantas vezes se mostra particularmente sensível a duvidosas “forças populares”, e em seu nome pratica até desatinos, que atitude tomará diante da iniludível demonstração de ontem em São Paulo? Tentará caracterizá-la como uma “demonstração de reacionários”, ou “conservadores”, ou defensores de “estruturas arcaicas”? Folha de S. Paulo, 21 de março de 1964, comentando a “Marcha da Família”, que preparava o golpe militar. (2)

De tempos em tempos a democracia brasileira é interrompida por golpes patrocinados pelas suas elites. Os motivos alegados – já que os verdadeiros são inconfessáveis – são geralmente os mesmos: corrupção, desgoverno, bagunça, crise, populismo. Os golpistas e os jornais que os apoiam também variam pouco, sempre é a direita contrariada pela perda de poder, só muda o figurino e o cabelo.

Por coincidência, há uma perfeita relação entre o aumento do poder aquisitivo do salário mínimo, as conquistas de direitos das populações mais pobres e a revolta das elites contra os governos que as promovem. A Casa Grande não costuma aceitar docilmente esta ideia estranha de que cada um vale um voto e que, para chegar ao poder, precisa ganhar eleições. (3)

Os golpistas de hoje falam da corrupção do governo (que existe e é grave), mas não falam que os mesmos corruptores, que estão presos graças a uma lei sancionada por Dilma (4), financiam também a oposição (5). Aliás, enquanto empresas puderem financiar políticos (“Devolve, Gilmar!”) a sangria dos cofres públicos não vai ter fim.

Alegam que o governo petista “destruiu a Petrobrás”, o que é estranho, já que a empresa em maio atingiu o recorde de 3 milhões de barris por dia, um crescimento 10% em relação ao ano anterior (6). Dizem que a roubalheira na Petrobras é uma vergonha (e é mesmo!) mas não dizem que esta quadrilha que foi presa no governo Dilma começou a operar na Petrobrás ainda no primeiro mandato de FHC, quando o Ministro da Justiça (que manda no chefe da Polícia Federal) era Renan Calheiros, hoje investigado pelo esquema de corrupção (7). E que outras quadrilhas já roubavam a Petrobras bem antes desta, Paulo Francis denunciou a roubalheira em 1996, no governo de FHC, e por isso foi processado. (8)

Os golpistas de hoje podem, daqui a trinta anos, pedir desculpas por terem apoiado o golpe, podem alegar que estavam mal informados (e estão mesmo, muito mal informados), podem até se arrepender sinceramente. Só não podem alegar originalidade, nem esperar que a gente acredite neles, mais uma vez.

(1) http://acervo.folha.com.br/fsp/1964/01/31/2//4443034
(2) http://acervo.folha.com.br/fsp/1964/03/21/2//4447944
(3) http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/e-mesmo-a-corrupcao-que-deixa-a-elite-brasileira-furiosa.html
(4) http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/08/dilma-sanciona-com-tres-vet…
(5) http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1551204-dono-da-utc-tinha-con…
(6) http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2015/07/producao-de-petroleo-no-brasil-aumentou-10-2-em-maio
(7) http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/ex-gerente-da-petrobr…
(8) Paulo Francis e a Petrobrás no governo FHC: https://www.youtube.com/watch?v=BtJgGDsS-0c

Fernando Brito:

View Comments (20)

  • Parece que foi escrito hoje sobre os fatos noticiados cotidianamente nos jornais. Para quem conhece história e se interessa por história política entende que aquela oligarquia não saiu do poder,que não admitia desenvolvimento social, só mudou os personagens, e os que estão hoje no poder seus filhos e netos - não incluo o PT, que tem sua formação no sindicalismo, mas o PT não tem plenos poderes para implantar com força projetos de desenvolver verdadeiramente uma nação independente sem que haja uma forte reação conservadora - os que não eram oligarquia, mas estão no poder acabaram absorvendo o pensamento e o status quo daquela. O karl Marx no livro "18 de Brumário Napoleão Bonaparte" escreveu o seguinte: " Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa." Incrível!!!

  • Francamente nestes últimos dias eu precisava tomar uma “p… ” para acordar e dizer: basta , não vai ter golpe e caso ousem vamos para a guerra civil e certamente vou entrar na casa grande "Higienópolis" nos restaurantes da elite branca de SP para cobrar caro dos coxinhas.
    Atenção coxinhas, 54 milhões votaram em Dilma e contra a folha, estadão, inVeja, CBN, bandeirante, globo , colunistas , comentaristas e finalmente contra o bacaninha do RJ , votamos contra estas nefastas instituições, por isso, caso continuem com esta nojeira de golpe, vamos à luta e cobrar caro de vocês coxinhas.

  • Ninguém está falando em golpe, mas em remoção da presidência de um governo eleito com dinheiro roubado. Outros partidos roubaram? sim, mas não ganharam a eleição.
    Ninguém está falando em golpe militar... quer dizer, alguns já falam, mas ninguém que se leve a sério. AINDA.
    Esse governo de Dilma é frouxo. Já era hora de tomar atitudes contra o Sr. Eduardo Cunha e o lixo que flutua no congresso. A presidência tem poderes, mas ninguém lembra de usa-los. A não ser para roubar mais e mais.

    • A ignorância é triste, mas torna-se muito pior quando se associa à arrogância.
      Pior que o ignorante é aquele que pensa que sabe. E é o que mais se vê hoje na Internet.
      Em outras palavras, você precisa estudar (e mais do que isso, precisa viver) ainda muitos anos para dar alguma opinião minimamente aproveitável sobre política no Brasil.

    • "Outros partidos roubaram? Sim, mas não ganharam a eleição."??????? Não, e SP, PR, GO...??? Vamos "impeachmar" todos os ladrões, Alex, Vamos?????

      Hipócrita, não se faça de bobo! Bobo você não é, é apenas mais um que não se conforma com a democracia!!!

  • Diz o MIDIOTA: "Ninguém está falando em golpe, mas em remoção da presidência"

    Isto não é golpe? Quer mudar a Presidente espere até 2018. Democracia é assim, não está satisfeito modifique o poder dominante pelas urnas

  • Aécio anda murmurando frases de quem não está normal,precisa de ajuda urgente----Domingo (5)-Convenção do PSDB:"Fui reeleito presidente da República". Hoje (7)-Rádio Itatiaia:"Nós somos o principal partido de oposição ao Brasil."

    • Já está na fase do delírio. Breve estará afirmando que é Napoleão Bonaparte.

  • MANCHETE DE O GLOBO, MAS QUE A ENTREVISTADA PRESIDENTA DA REPÚBLICA: Para Aécio, discurso de Dilma tenta inibir instituições do país.

    Perguntar não fende: Pergunte ao Aécim porque as instituições não funcionaram no governo FHC e de Minas Gerais, nem no do Paraná com todo escândalo não funciona.

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