Laura Carvalho e a “retomada”.É apenas cavar mais lentamente o buraco da economia

Laura Carvalho, com seus artigos na Folha, tem sido uma das economistas mais lúcidas e claras ao analisar o que acontece no cenário da economia brasileira.

Em sua coluna de hoje ela explica com muito mais clareza do que eu tenho conseguido fazer que não há nenhuma recuperação da economia em curso, nem mesmo no horizonte visível, sequer.

A economia brasileira encolheu 3,8% em 2015, e as previsões são de que encolha esse ano mais 3,3%. Interpretar esta leve queda no ritmo da retração como um sinal claro de retomada da economia pode ser produto de “wishful thinking” ou má-fé.

O que acontece, diz ela, é que o Brasil está “cavando mais devagar” o buraco da crise, que depressa se cavou no período genial do “corta tudo que aí tem jeito” de Joaquim Onde Anda Você Levy.

À contração no total de despesas efetivas primárias federais —descontando as chamadas despedaladas— da ordem de 2,5% reais e de mais de 30% nos investimentos públicos, somaram-se uma aceleração inflacionária provocada pelo reajuste brusco nos preços administrados e sucessivas elevações nas taxas de juros.
Isso sem contar os efeitos deletérios dos discursos proferidos não apenas pela grande mídia, mas também pelo próprio governo, que, ao vender-se como uma grande família em crise, só contribuiu para abalar ainda mais a confiança de famílias brasileiras realmente vulneráveis.
Como se não bastassem os malefícios da própria política econômica, o país ainda teve de absorver no ano passado —assim como a maior parte dos países emergentes exportadores de commodities— os impactos negativos no curto prazo de uma desvalorização cambial.
Impactos esses que foram agravados pelo endividamento em dólar de boa parte das empresas brasileiras nos anos de expansão da economia. E para completar, ainda tivemos de lidar com a Lava Jato, a seca e a má vontade do Congresso.

Laura deixa claro, portanto, que o receituário anticrise do neoliberalismo, que a pressão midiática levou o governo a aceitar, aplicado nas doses cavalares que foi, só agravou a crise ao ponto em que ela chegou e do qual, agora, ainda passa, ainda que mais lentamente, ao menos por enquanto.

Cavar o poço mais devagar que em 2015 não parece, portanto, ser uma tarefa muito difícil. Sem a pressão dos analistas e com a súbita tolerância dos parlamentares, uma previsão de deficit maior garantirá que haja crescimento real das despesas primárias efetivas superior a 2%.

Onde, portanto, a retomada,exceto nas páginas de jornal – e já não com tanta frequência e sem a quase unanimidade?

Infelizmente, cavar menos o poço não significa que sairemos dele em breve. Em meio aos seus tantos sinais contraditórios –expansão fiscal fisiológica no curto prazo e promessa de contração fiscal perpétua a partir de 2019, por exemplo–, os primeiros cem dias de governo Temer foram inequívocos em ao menos um aspecto: a total ausência de agenda para a recuperação dos níveis pré-crise de emprego, renda e desigualdade.

A que temos – ou melhor, a que se promete no pós impeachment – aponta em sentido exatamente inverso.

 

Fernando Brito:

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