Lava Jato forjar delação é ‘questão formal’, Fux?

No caso dos processos contra o ex-presidente Lula, o castigo aos abusadores está ficando cada vez mais necessário, até porque o sistema judicial brasileiro, arrogante e conservador, comporta-se como se os erros que comete contra a liberdade individual fossem meros detalhes, embora tenham causado prejuízos imensos a pessoas e maiores ainda à obrigatória confiança da população em seus juízes.

Anteontem, o sr. Luiz Fux, por evidentes razões políticas, disse que as anulações de julgamentos da chamada Operação Lava Jato foram provocadas apenas por “questões formais”, embora saiba perfeitamente que a suspeição de Moro não é uma questão formal, mas da essância dos processos.

Não se passaram 48 horas para Fux ir ao ridículo.

Hoje, na Folha, Mônica Bergamo relata que, em um documentário da cineasta Maria Augusta Ramos, Alexandrino Alencar, um dos principais dirigentes da Odebrecht, revela ter sido pressionado a envolver Lula em irregularidades pelos procuradores da equipe de Deltan Dallagnol, sob pena de não ser aceito seu acordo de delação e mofar na cadeia.

Segundo Alexandrino, apontado pela Lava Jato como elo entre o PT e a empreiteira, o ex-presidente era “o principal alvo” dos investigadores, que o pressionaram a chegar “ao limite da verdade” para envolver Lula em sua delação.
“Era uma pressão em cima da gente”, diz o ex-executivo no longa-metragem. “E estava nítido que a questão era com o Lula.”
Os interrogadores, diz ele, insistiam em questões sobre “o irmão do Lula, o filho do Lula, não sei o que do Lula, as palestras do Lula [a empreiteira contratou o ex-presidente mais de uma vez para falar em eventos]”.
“Nós levávamos bola preta, ‘ah, você não falou o suficiente’. Vai e volta, vai e volta. ‘Senão [diziam os interrogadores], não aceitamos o teu acordo”, segue o ex-empreiteiro em seu relato.
A narrativa de Alexandrino Alencar coincide com reportagens publicadas na época da Lava Jato, e que diziam que o Ministério Público Federal resistia em aceitar a delação do então executivo já que ele não citava Lula, nem outros políticos, em suas revelações.
Só depois de ceder, diz Alexandrino, os investigadores concordaram em assinar com ele um acordo de colaboração premiada.

Este acordo, todos sabem, foi peça chave para a condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia e integrou ativamente duas outras ações: a das palestras do ex-presidente e a suposta doação de um prédio ao Instituto Lula, que jamais foi realizada.

Manobrando a chave do cárcere, os procuradores determinavam o que seria citado na delação. E, segundo os diálogos obtidos pela Vaza Jato, com a participação direta de Sergio Moro, como na troca de mensagens do dia 15 de setembro de 2015:

11:46:32 Deltan Caro, STF soltou Alexandrino. Estamos com outra denúncia a ponto de sair, e pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na cota. Se Vc puder decidir isso hoje, antes do plantão e de eventual extensão, mandamos hoje. Se não, enviamos segunda-feira. Seria possível apreciar hoje?
11:51:08 Moro Não creio que conseguiria ver hj. Mas pensem bem se é uma boa ideia.
12:00:00 Teriam que ser fatos graves…

Logo depois, os procuradores apresentam “nova” denúncia e Moro decreta nova prisão de Alencar:

11:41:24 Moro Marcado então? Decretei nova prisão de três do odebrecht, tentando não pisar em ovos. Receio alguma reação negativa do stf. Convém talvez vcs avisarem pgr.
13:13:44 Deltan Marcado. Shou (sic)

Portanto, fatos e declarações sobre a armação entre procuradores e juiz para obter confissões conveniente a uma questão que “era com Lula” convergem totalmente a caracterizar um crime cometido por agentes do Estado, ao dirigirem, com estes métodos, um processo judicial.

Já bastariam – e o Dr. Fux certamente já leu o que escrevia Benjamin Constant, há dois séculos – para tornar nulo um processo criminal. O que está evidente, porém, é mais que isso: é a aberta ação combinada de procuradores e juiz para obter provas que dessem aparência legal ao que desejavam, a condenação de Lula.

Minimizar, do alto da cadeira de presidente do STF, a torpeza deste conluio não é apenas vergonhoso na forma. É inadmissível em quem tem, como presidente do Conselho Nacional de Justiça, o dever do controle disciplinar da magistratura. E isso não é só “uma questão formal”.

Fernando Brito:
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