Leblon e o Lula que vai buscar as origens do PT

Saul Leblon escreve, no Carta Maior, um descrição de Lula em sua campanha incansável.

Uma narrativa, como costumam ser as que faz Leblon, com sentenças densas, incrustadas no longo e tramado bordado de seus textos.

Como dizer que Lula está ” a suar a camisa para provar que suas ideias pertencem ao mundo através da ação.”

A dar “o exemplo da volta às origens que cobra do PT”, levando “a disputa às ruas.”

Subjaz em tudo a ideia de que é preciso construir o caminho do futuro com as pedras brutas do passado que o levou até ali e o fez somar um sentimento que excede em muito o PT que ele formou e que, tenta, com seus atos, palavras e escolhas, (re)formar.

Pergunta o que era o “Brasil antes do Lula”, pois ” a memória é um pedaço precioso do futuro a ser conquistado nestas eleições”.

E em outras, outras e sempre.

Porque a memória é a história dentro do ser humano e é ela que traça a identidade de um povo e é um povo o conteúdo essencial de uma Nação.

A rigor, sente-se que Lula quer transmitir o que ele próprio aprendeu em sua caminhada de quatro décadas, desde quando surgiu de um sindicalismo que, de alguma forma, rejeitava o passado por seus equívocos, como quem joga fora a criança com a água do banho.

Ao mesmo tempo em que quer sacudir a muitos da acomodação e do aburguesamento que, para a maioria dos homens, traz o contínuo exercício da política, dos mandatos e do poder.

Percebeu – mais, absorveu em si – a ideia de que a a história é um fio caprichoso, que se move para além da vontade dos homens, mas que jamais avança sem mãos que o agarrem com vigor e lucidez, um que empurra a agulha e outra que descobre os vãos da trama do tempo e dos fatos.

Lula aos indecisos: Como era o Brasil antes do PT?

Saul Leblon

Ex-presidentes costumam dar expediente em institutos e fundações de carpete macio,gabinetes de mogno e mesas de vidro com aço escovado.

Telefonemas bajuladores e audiências reverenciais compõem uma rotina colorida, fatiada de almoços elegantes e recepções requintadas. Amenidades bocejam 24 horas por dia no seu entorno. 

Bons negócios, comendas, lavanda inglesa e gravatas de seda italiana.

Mas tem um deles que destoa do figurino de voz macia e boutades autocentradas.

Debaixo da garoa fina desta quinta-feira, protegendo a cabeça branca com chapéu de boiadeiro que destoa do blusão esportivo, a voz rangendo idade, cansaço, estrada, o rosto vincado, lá está ele em Diadema, no cinturão vermelho de São Paulo, em cima de uma carroceria, puxando a carreata que fecha o primeiro turno da campanha de 2014.

Alguém poderia imaginar que estamos falando de FHC?

Não. Quem está ali com uma mão agarrada ao microfone e a outra a gesticular, alternando uma e outra, a voz rouca modulando altos e baixos de ironia e indignação, mestre na oralidade, é o único ex-presidente capaz de fazer isso como se fosse um novato, a suar a camisa para provar que suas ideias pertencem ao mundo através da ação.

O novato no caso é o político que alia a garra de um jovem militante à experiência de maior líder popular do Brasil.

Duas vezes ex-presidente da República, ele dá o exemplo da volta às origens que cobra do PT.

Levar a disputa às ruas.

Definir o campo de classe dos interesses em jogo.

Voltar às bases, ouvir, falar, engajar e aí nunca mais se omitir.

É isso que ele tem feito com intensidade assustadora para a idade e o susto de um câncer diagnosticado há três anos , em 29 de outubro de 2011.

Lula fará 69 anos no dia seguinte ao pleito de 5 de outubro próximo. A contrariar o fardo dos outubros, nos últimos nove dias ele visitou nove cidades, fez mais de 15 comícios.

Na terça feira, de dia, estava na Capela do Socorro; à noite em Cidade Tiradentes, agora em Diadema. Fala duas, três vezes por dia. Como fazia no governo.
Fosse FHC, as câmeras de televisão estariam formando uma parede entre o orador e a plateia reunida em frente a um supermercado em Diadema.
Mas é Lula; e sendo Lula quem é, tem que ser escondido pelo que representa, pelo que já fez, pelo que ainda fará e hoje, sobretudo, pelo que ainda fala e faz.
Ele faz coisas do seguinte tipo: na carreata em Diadema levou anotações com dados do site Manchetômetro, um monitoramento de mídia feito por pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) sobre a cobertura das eleições de 2014.

Durante quase dez minutos Lula dissecou o sentido político dos números frios colhidos pelo Manchetômetro.

Fez manchetes com notícias que não saem nos jornais.

Ao mencionar o tempo ocupado por escaladas negativas contra a presidente Dilma Rousseff no Jornal Nacional ( 1h46m), por exemplo, recorreu à metáfora futebolística e disparou para ninguém mais esquecer: ‘A Globo na campanha presidencial de 2014 dedicou mais tempo dando manchetes contra a Dilma do que a duração de uma partida de futebol’.

Pronto. Não precisava mais nada.

Mas para reforçar ele não hesitou em sacudir a anotação no ar: sabem quantos minutos de noticiário negativo a candidata do PSB teve no mesmo período ?Nenhum.

Um mestre na pontuação oral.

Sobrou também para os jornalões da ‘gloriosa imprensa brasileira’, como ele gosta de alfinetar com ironia ácida.

Um número resume todos os demais.

Desde o início da disputa, em 6 de junho, lembrou a voz rouca, mais afiada que nunca, os jornais Folha de SP, Globo e Estadão deram nada menos que 490 manchetes negativas contra Dilma.

Uma intensidade mais de quatro vezes superior a soma das manchetes negativas atribuídas a Aécio e Marina juntos (114).

A conclusão disso tudo altera a voz rouca, que agora adquire um sentimento de indignação diante do qual é impossível ficar indiferente.

Imagine essa cena no Jornal Nacional.

Não acontecerá.

Porque Lula não é FHC e porque FHC jamais diria o que ele vai disparar em seguida. ‘Isso acontece porque neste país não existe liberdade de imprensa, mas sim a doutrina de nove famílias que dominam a comunicação e nutrem ódio pelo PT. Não pelos erros que o PT possa ter cometido’, fuzila a rouquidão indignada. ‘O PT tem defeito? Tem’, prossegue depois de uma pausa. ‘Mas eles nos odeiam não pelos nossos defeitos. E, sim, porque o PT promoveu a ascensão social dos pobres neste país. É por isso que desde o início da campanha eles atacam a Dilma com o equivalente a três manchetes negativas por dia cada um’.

A indignação contra esse cerco, cujo núcleo duro está arranchado no estado de São Paulo, fez o ex-presidente intensificar a campanha de rua no interior e na região metropolitana da capital.

Sua determinação extrai força de uma certeza: é preciso enfrentar e romper o torniquete de aço contra Dilma, contra Padilha e, sobretudo, contra o PT e contra ele próprio. Ou a restauração conservadora pode fechar de vez as portas e frestas sociais e geopolíticas arduamente abertas a unha nos últimos doze anos.
Ao final da carreta, esse orador empenhado faz um apelo acalorado. Lula pede que o último dia da campanha não seja o derradeiro da militância. Que ela
continue a falar o que a sua voz já não poderá mais dizer na boleia de um caminhão. E que a partir desta 6ª feira, comece um mutirão boca a boca, porta a porta, voto a voto para buscar o eleitor indeciso e decisivo na arrancada final para a urna.

A senha que ele sugere à militância diante dos recalcitrantes é a sua convicção de que a memória é um pedaço precioso do futuro a ser conquistado nestas eleições.

É com essa certeza que ele faz sua despedida como quem sacode o país pelos ombros para espantar o torpor criado pela doutrinação midiática conservadora e diz: ‘Perguntem às pessoas se elas se lembram como era o Brasil antes de o Lula governar este país’.

 

Fernando Brito:

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  • Brizola foi fundamental à vida política do país que temos hoje, sobretudo pelo que fez nos anos 60, enfrentando, praticamente sozinho, o Brasil da Casa Grande e os seus mandantes do Norte. Depois do exílio, seu enfrentamento da mídia golpista foi igualmente uma empreitada praticamente solitária e, exemplar foi seu Governo com Darcy na educação. É uma pena que o resto do país demore a acordar. Nem imagino o que teria sido se chegasse à presidência. O fato é que deixou seu governo registrado na história do país de forma é indelével. Mas é de Lula que quero falar. Estive em São Bernardo em 79, os helicópteros da repressão faziam rasantes no estádio de Vila Euclides para, claramente, intimidar os metalúrgicos. Era um barulho ensurdecedor no estádio lotado, sem vazios nas arquibancadas e no gramado. De repente, lá na ponta oposta de onde eu estava, começou a fazer um silêncio inexplicável que tomou conta do estádio e abrir um corredor na diagonal do gramado do campo de futebol que levava ao palanque no lado oposto. Era Lula entrando no estádio para comandar a assembleia. Nunca vi a liderança de uma pessoa sobre uma multidão se manifestar com tanta clareza. O respeito que os metalúrgicos denotavam a Lula foi uma coisa inesquecível e indescritível. De lá para cá se foram 35 anos. É óbvio dizer que sem Brizola e, antes dele, sem Getúlio, a história teria sido outra. Mas, sem Lula não teríamos a saída dos militares e a redemocratização, não teríamos a Constituinte que tivemos e não teríamos um novo Brasil a partir de 2003.

    • Parabéns Ricardo pela contribuição histórica e pelo ótimo texto. Abraços e até domingo, quando cantaremos vitória no primeiro turno com Dilma, Lula e o PT todo.

    • No Brasil Velho, Taca-lhe pau, Lula! Brasil Ainda Mais Novo de Novo! Domingo vamos de primeiro turno! Queremos que este Brasil revigorado, restabelecido esteja em mãos seguras. Não podemos correr riscos. Domingo, é Dilma. Vem pra urna, vem pro primeiro turno, Brasil!

    • Caro Ricardo.
      Seu comentário me fez lembrar dos meus tempos, década de 1980 na CSN em Volta Redonda, quando em nossas campanhas salariais o líder do Sindicato dos Metalúrgicos Juarez Antunes (que se elegeu prefeito e morreu logo depois num acidente de automóvel muito suspeito...) iniciava seus discursos com o grito bem conhecido:
      _COMPANHEIROS!!! ... e a multidão se calava respeitosamente.
      Líderes como Brizola, Lula e outros tantos incógnitos em sindicatos de trabalhadores espalhados pelo Brasil a fora, já estão inscritos em nossa história.
      E o tempo só confirmará...

  • Pesquisa IBOPE divulgada ontem à noite na TV Cabugi em Natal. A candidata Fátima Bezerra/PT cravou 45 x 30 na ex-governadora Wilma de Faria/PSB. Sacrilégio! Esta é a 1ª vez que alguém do PT desbanca as oligarquias familiares do RN na disputa por uma vaga no senado. Eleição importantíssima, tendo em vista as futuras batalhas pela reforma política e regulação da mídia. http://www.thaisagalvao.com.br/2014/10/03/ibope-mostra-candidatos-ao-governo-a-um-ponto-do-segundo-turno-e-vitoria-de-fatima-para-o-senado/

    • Almir, mesmo parecendo que Fátima vai ganhar, não descansemos um só minuto. Sabemos dos métodos daqueles que há décadas se revezam no poder do RN e no poder do Brasil. Luta! Luta! Luta! Até o último segundo, pois a lebre tinha certeza que já vencera a tartaruga e deu no que deu... Então, continuemos nós a sermos o exército de formiguinhas em todos os canais de comunicação possíveis, sem agredirmos ninguém, mostrando a qualidade de nossos candidatos. Sucesso a nós todos!

    • E apesar de não morar mais em Natal nunca transferi meu titulo e já estou na cidade para dar meu voto, mais uma vez, a Fátima. Será uma eleição histórica num estado destruído pelas forças do PMDB, PSB e DEM. O PT está acordando no RN.

  • Fernando Brito, muito grato pela sua contribuicao para esta construcao de um Brasil melhor, de um Brasil senhor de si mesmo. Este blog tem um valor inestimavel para esta caminhada do nosso povo "rumo ao seu imenso destino," como disse JK na inauguracao de Brasilia.

    Depois desse importante preambulo, quero tambem agradecer a Saul Leblon, por suas reflexoes sempre muito relevantes. Esta agora, sobre este grande lider do povo brasileiro, Luiz Inacio Lula da Silva. Este homem esta' cumprindo uma grandiosa missao, historica e espiritual ao mesmo tempo, de estar 'a frente do processo de construcao de uma sociedade onde a fraternidade, a verdade, a solidariedade e a justica social sejam valores realmente "encarnados" na vida da nossa sociedade.

    Dilma La' !

  • Obrigada Lula pela seu vigor, coragem em defender o que acredita. Obrigada Leblon por perceber o que o pais se nega a ver.

  • A bem da verdade, o futuro jamais poderia negar a existência de Lula, porque ele existe e tem sua imagem perpetuada ad eterno. Não careceria estar hoje sobre um caminhão a discursar para impor sua imagem e seu nome. Tudo que ainda faz esse senhor, de cabelos brancos, quase setentão, saído de um mísero câncer que quase calou sua voz - jamais suas ideias -, já é História. Ele, porém, ama o partido que fundou, e sente, como tantos de nós sentimos, o silêncio dos "companheiros", a inabilidade de tantos para dar prosseguimento à sua luta, que não morre. Lula se ressente da falta de entusiasmo, de garra na política, de trabalho árduo no sentido de vencer não apenas eleições, mas vencer esse estado de coisas terríveis que estamos vendo na imprensa-lixo estabelecida no país, como um poder maior que os outros três.
    Se Dilma levar essa, também terá que repensar as palavras de Lula, e procurar buscar um assessoramento mais aguerrido e fiel aos planos de seu novo governo, visto já está provada a incapacidade, e até irresponsabilidade, e não interesse com o poder que a sigla PT impoe, por parte de alguns, como o Ministro da Justiça, por exemplo: um homem acovardado, pequeno demais para cobrir a Presidente nas horas mais conflituosas.

  • Que Deus dê a ele ainda muita saúde, vigor e voz para poder enfrentar essa força contrária terrível que insiste em destruir este país.

  • Conheci o Lula no início dos anos 80...no suspiro final daquele nojo chamado ditadura.....Não acredito que tão cedo aparecerá outro com a mesma percepção política e social....que brasileiro sensacional para mim um dos maiores e emocionante vê-lo em ação.....

    • Também o conheci em 1979/80, caloura de faculdade de administração, com a justiça social clamando em minhas veias! O Lula, pra mim, é o maior líder do mundo: pelas idéias que expressa tão bem, seu poder de raciocínio, sua vivacidade, seu carisma e, sobretudo, pelo grande avanço social que promoveu na terra brasilis. Tenho orgulho do meu voto, como tenho orgulho do meu chão. Como costumo dizer - como não gostar de um lugar onde vc tem suas raízes, sua família, seus filhos, sua casa, seu trabalho, enfim, sua vida? Amo o meu país e quero o melhor pr
      a ele, SEMPRE. Estou com Lula/Dilma em 2014, pro Brasil continuar esta caminhada rumo a uma estrada mais consciente, igualitária. Neste caminho, que é o da conscientização, educação e saúde, empresas como globo, veja, band, sbt, época, não terão vez, ou mudam suas posturas ou entrarão num caminho sem volta, o Ostracismo!

  • a vitória da DILMA no primeiro turno, é resultado da incansável campanha que LULA faz, confirmou o que falou meses atraz, AGORA ESTOU NA LUTA, ESTOU NA CAMPNHA DA DILMA. parabens eterno presidente, os brasileiros reconhecem a tua liderança, e Garanhuns deve o reconhecimento e construir uma estatua maior que a do PADRINHO PADRE CÍCERO......não desisto do BRASIL DO LULA, que esta dando certo.

  • Terminei de ler este texto chorando. Sou deverás apaixonada por esse homem que tanto fez pelo meu País. Obrigado,Lula, sempre lhe serei grata.

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