Libra: se o petróleo tem de ser nosso, a hora é quando não pode ser deles

Leio, com atenção, o artigo de Paulo Metri em que me cita, ao lado de outros, como alguém que “tem a mesma opinião que a fina flor do mais conservador jornalismo econômico, sendo nacionalista”, por estar defendendo que se realize, como vai se realizar, o leilão do campo de Libra.

O artigo está aqui e recomendo sua leitura. Não tenho medo do debate e o que faço e digo tem sempre a marca de uma convicção que me acompanha há quatro décadas e que só mudou naquilo que o tempo faz mais profundo, sólido e, sobretudo, objetivo.

Primeiro, devo esclarecer, para quem não o conhece, que Paulo Metri é um nacionalista, um engenheiro com grande conhecimento em petróleo e um defensor, como poucos, da Petrobras e de seu papel essencial para o povo brasileiro.

Portanto, nada do que direi quer desqualificá-lo, até porque seria impossível lhe tirar as qualidades que acumulou em uma vida de lutas em defesa de nosso petróleo.

Mas Metri está, no melhor da sua imensa boa-fé, raciocinando errado, desta vez.

Até porque Metri, com toda a razão, defendeu a Lei da Partilha contra os ruinosos contratos de concessão da era FHC.

E, tanto quanto eu, não porque a achasse o melhor, porque o melhor é o pleno monopólio estatal sobre o petróleo, mas porque a achava, no quadro político-institucional e econômico que vivíamos – e vivemos, o melhor possível.

Metri, como eu, deve ter achado imperfeita a lei que criou o monopólio estatal da produção e refino do petróleo, que completa 60 anos neste 2013, porque esta não reservou ao Estado brasileiro o “filé” da distribuição, no qual a Petrobras teve de gramar, dura e profissionalmente, até se tornar dominante.

Mas nem por isso nem eu, nem Metri, achamos que, por imperfeita, a Lei 2004, de 3 de outubro de 1953, deixou de ser um dos maiores marcos de soberania e de progresso econômico, tecnológico e social deste país.

Penso que qualquer pessoa tem o direito de  ser contrária ao leilão de Libra por convicção. Isso não a faz estar alinhada com interesses que desejam que ele seja feito de outra forma e em outro momento, que o desejam por pretender alienar nossa maior riqueza, motivo inteiramente oposto ao de Metri e de outros .

Nem por isso vou escrever o que Metri escreve: “Libra está se tornando uma verdadeira catástrofe política, para algumas forças. O PSDB, o DEM e o PPS, por ideologia, são favoráveis ao leilão. Aliás, reconheço que, sob este aspecto, são dignos de louvor, pois mantiveram sua posição histórica”.Não elogio a coerência dos lesa-pátria, mas aponto que eles estão nessa dificil posição porque presos numa armadilha que é, em palavras simples, a seguinte:

Por fatores políticos, o leilão de Libra, agora, será a melhor garantia de que o campo ficará sob controle hegemônico da Petrobras.

Vou explicar, pacientemente aos companheiros – e sem apelações baratas de misturá-los aos entreguistas – as razões desta afirmação. Com a liberdade verbal que não podem ter os que têm posições de governo.

E vou ser objetivo, até porque não preciso ser “ideológico” com quem sei que é quase ou tão nacionalista quanto eu próprio sou. Vou ater-me a fatos, da maneira mais clara que puder expor.

1- É verdade – e que bom que isso aconteça – que a lei  (lei de Dilma e Lula, aliás) preveja a entrega direta, sem leilão, de áreas estratégicas do pré-sal à Petrobras. Tanto que isso já foi feito no processo de capitalização da empresa, com um conjunto de reservas – marquem bem isso – na metade do tamanho de Libra: 5 bilhões de barris.

2- Como o Governo não pode “dar” dinheiro à Petrobras, deu petróleo, com a condição que ela o extraia e “devolva” ao Governo na forma de ações da própria empresa. Foi assim que o Governo Brasileiro aumentou em 8% sua participação no capital total da Petrobras – apenas uma parte do que foi entregue ao “mercado” por FHC .

3- Isso, porém, gera obrigações para a Petrobras: investir nestas áreas com seus prórios recursos, com prazos e etapas bem definidas. Tanto é assim que, para  desenvolver a produção, nos campos de cessão onerosa – essa é a figura legal do que a União entrega diretamente a ela – a empresa está investindo cerca de R$ 60 bilhões ou 26,2 bilhões de dólares. O que representa um quarto (veja no gráfico) de tudo que a companhia vai investir em cinco anos.

4- Já deu para calcular o que ela teria de investir, por meios próprios apenas (inclusive com endividamento), para agregar a isso uma área com o dobro de potencial? Está bem que não seria o dobro do que é a cessão onerosa – há economia de escala – mas seria perto de uma vez e meia além daquilo que já está comprometido. Investimento sem nenhum retorno econômico por, no mínimo, cinco ou seis anos e quase o dobro para chegar à plenitude.

5 – O governo poderia capitalizar a Petrobras de outra forma para isso? Sim, mas a Petrobras teria de gerar caixa para pagar esta e as demais dívidas que tem. Esse, aliás, é o ponto que critico – e critico desde o início – do leilão de Libra: a Petrobras ter de dispor de um grande volume de recursos para o bonus de assinatura de R$ 15 bilhöes, pouco menos de 7 bilhões de dólares, dinheiro que poderia ser usado para ampliar seus investimentos. Mas que, como você vê pelos números que expus acima, não dariam nem para a saída em matéria de explorar Libra.

6- Como desatar este nó? Há duas formas: adiar a exploração de Libra ou formar parcerias que o permitam em condições que preservem o interesse nacional.

7 – Adiar é transferir para algum ponto no futuro. Quando? Quando a Petrobras estiver com mais folga de caixa por estar investindo menos? Mas não é o contrário do que queremos: que ela invista mais e mais, tanto pela riqueza direta que isso produz mas também pelo imenso reflexo disso em nosso desenvolvimento industrial, tecnológico, na produção, no emprego e na renda, como estamos vendo em nossa indústria naval e de equipamentos ligados à exploração petrolífera? Por acaso faltam áreas para desenvolver adiante? Nunca, há outras no pré-sal conhecido (campos não licitados), várias já identificadas, outras não, e no pré-sal e no pós sal prováveis, na porção nordeste de nossa costa e na foz do Amazonas,  apenas para citar duas.

8 – Se adiar para isso não nos serve, porque não é desejável e, ao contrário, perigoso para nós abandonarmos estas áreas promissoras, também é perigoso – e muito – deixar indefinida a forma e o controle desta reserva imensa e conhecida – e conhecida, sabemos, não só por nós. Vamos deixar Libra ali, prontinha, esperando que os entreguistas tenham uma chance de surrupiá-las de nós e dar às multis? Esqueceram-se do que José Serra disse à Patricia Pradal, da Chevron, na campanha de 2010? “Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta“.

9 – Temos uma janela de oportunidade. Os chineses estão prontos a inverter capital em troca daquilo que é essencial para eles: garantia de fornecimento futuro e estável. As empresas americanas, que poderiam nos fazer frente com ofertas fortes, sempre poderiam contar com a possibilidade futura de recomposição de suas margens de lucro – reequilíbrio contratual, coisa fácil com governos “amigos” – estão politicamente sob suspeita ( eu diria certeza) – de roubo de segredos. O Governo americano, qualquer um pode ver, deu-lhes um toque de recolher, porque  nada lucraria com uma vitória impossível e uma derrota certa.

Quem poupa o inimigo, diz o ditado, um dia pelas mãos lhe morre. Temos de ser ousados, decididos, corajosos. Temos de nos valer do fato de que temos um Governo que defende o interesse nacional e uma chefe de Governo, como é Dilma, direta e pessoalmente envolvida na decisão de fazer regras que o preservem, agora e sempre.

O Brasil passou a ter siderurgia, com Volta Redonda, porque aproveitou um quadro internacional onde precisaram nos dar o que precisávamos,  não porque nos quisessem dar.

Libra será do Brasil não apenas porque o petróleo é nosso e tem de ser nosso. Será também porque, neste momento, não pode ser deles.

 

 

Fernando Brito:

View Comments (19)

  • Anda logo Petrobras. Com o preco que esta a gasolina eu nao consigo andar no meu Fiat 147.

  • Na minha opinião, a prova maior de que os arquivos da Petrobras não foram invadidos, é a não participação das grandes companhias americanas e inglesas.

  • o exemplo da siderurgia é muito pertinente; se naquela época estivesse o pais nas maos do psdb, existiria volta redonda? os paises avançam quando nao deixam passar as oportunidades de determinado momento que normalmente nao voltam; os interesses e a riqueza em jogo sao imensos e infinitamente maiores que nosso poder de preserva-los solitariamente; a historia mostra claramente que as guerras e conquistas sao sempre por razoes economicas, e nesse aspecto o brasil é um menino cheio de ouro nas maos.

  • Eu so não entendo, eu ser obrigado a ter conta na feicebuque para publicar os comentarios. Sera que estão querendo me espionar como tentaram na Petrobras? Meus poços de petroleos estão secos, mas mesmo assim não abrirei conta para ser espionado. Mesmo que o tijolaço exija

  • Se o BNDS vive emprestando dinheiro para empresas se instalarem e desenvolverem, por quenão empresta para a Petrobras aumentar sua participação no leilão???

  • qual é a garantia que teremos se eleito um governo privata, este não entregará a metade que nos restou?
    alguém citou volta redonda. ela ainda pertence ao sistema siderbrás?
    o sistema siderbrás ainda existe? quem é o dono da usiminas?
    e da cosipa?
    eu gostaria que hugo chaves iluminasse os nossos dirigentes.

  • As oportunidades de crescimento proporcionadas pelas novas descobertas anunciadas nesses últimos anos, em especial o pré-sal, colocaram a Petrobras em uma situação diferenciada em relação às outras empresas do setor, com um portfólio de projetos rentáveis a serem desenvolvidos que garantem o crescimento orgânico da Companhia. Para financiar esse crescimento, foi necessário aumentar seu nível de endividamento, na medida em que apenas a geração operacional de caixa da Companhia não era suficiente para o aproveitamento dessas oportunidades. A dívida líquida da Petrobras ficou em R$ 148 bilhões no final de 2012. Porém, isso não é visto como negativo pelo mercado. Pelo contrário, ao longo dos últimos anos, o aumento do endividamento veio acompanhado da redução do custo de captação da Companhia e da melhora da avaliação de risco por parte das agências de rating. A Companhia aumentou o acesso a diversas fontes de financiamento com a redução do custo de captação em dólares para o prazo de dez anos de aproximadamente 9% a.a. em 2002 para aproximadamente 5% a.a. em 2012.Em 2005, a Companhia recebeu a primeira avaliação de grau de investimento pela agência de classificação de risco Moody´s, tendo sido uma das primeiras empresas brasileiras a receber tal classificação. Desde então, vem recebendo melhoras adicionais nessa avaliação, sendo classificada igualmente pela Standard & Poor´s e Fitch. - See more at: http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/2013/03/13/seminario-do-psdb-esclarecimento-a-imprensa/#sthash.Uehj6Qi8.dpuf

    • Aumentar o endividamento da Petrobras neste momento não eh bom para ela nem para o Brasil. O certo no momento eh se endividar em oleo como esta se configurando. Se o endividamento em dolar cresce, a classificação de risco piora, diminui seu valor de mercado, aumentando seu endividamento relativo, ou seja, uma espiral descendente.

      Outro ponto importante são os desinvestimentos de ativos como tem sido feito. Ou seja, trocar ativos de menor retorno e ou de alto risco por um ativo de baixissimo risco e alto retorno (Libra).

  • Eu era a favor da suspensão do leilão "sine die", entendendo que a Petrobras não precisaria explorar todo o pré-sal de uma vez e, portanto, aos poucos, poderia ir se capitalizando a medida que fosse explorando mais e mais. Não precisaríamos, pois, dos leilões e ficaríamos com 100% de tudo.
    Mas, quando vi o Pedro Simon et caterva defendendo o mesmo que eu, notei que alguma coisa estava errada...Claro! Esqueci-me completamente da corja de entreguistas que pode (toc, toc, toc!) voltar ao poder e, gentilmente, entregar as reservas à matriz lá deles, como já aventado pelo sevandija José SSerra.
    Mudei de lado incontinenti...Que venha o leilão!

  • Sou petroleiro aposentado, sempre entendi que este que o monopólio de petróleo é o melhor para o Brasil. Entendo também que a única forma viável no momento para usufruir deste bem é compartilhando com outras nações.

  • Caro Fernando e demais
    " Como desatar este nó? Há duas formas: adiar a exploração de Libra ou formar parcerias que o permitam em condições que preservem o interesse nacional."
    Vejo uma terceira forma, vender ações ao povo, tornando o povo sócio e com o dinheiro das vendas, investir na Petrobras.
    Saudações

    • Parabens Avelino, é isso mesmo. Mas não so participar na Petrobras, mas tambem que a poupança popular, participe dos pedagios, atraves de consorcios populares.